Juliana Meira é escritora, autora de “água dura” (Artes & Ecos, 2019) e “na língua da manhã silêncio e sal” (Modelo de Nuvem/Belas Letras, 2017).

Meu itinerário na escrita é inconstante, precário. Procuro escrever em todos os dias da semana, ter certa regularidade de horário, o que dificilmente consigo. Também escrevo menos do que leio e do que releio. Hoje tenho me dedicado à criação de meu pequeno, o Milo. Estamos bem envolvidos nisso, eu e meu companheiro, que exerce de fato a sua paternagem, então consegui retomar as leituras e a escrita depois de ter me tornado mãe, depois de ter atravessado o puerpério.
No geral, escrevo de manhã. Nos outros períodos do dia faço anotações – algum verso, alguma palavra, uma sonoridade. Busco guardar a escrita dos poemas para a manhã. Você me pergunta se tenho ritual de preparação para a escrita. Bom, não sei se é propriamente um preparar-se para escrever, talvez seja, faço chimarrão e escrevo mateando. Meu trabalho de escrita é em boa parte um retrabalho. Retorno ao que escrevi, releio em voz alta todas as vezes. Faço isso o quanto baste. E o quanto baste é o poema – a poeta, na realidade – que vai saber em cada produção. Para alguns poemas são poucas releituras e/ou rescritas; para outros, inúmeras.
Quando estou criando também acontece de o poema tomar rumo diverso, imprevisto inicialmente. Com isso não quero dizer que seja necessário cortar termos ou versos. A supressão em si não resolve meus poemas, que são concisos, essencialmente concisos. Outra coisa que faço com frequência é desenvolver o poema pelo que seria o seu fecho. É intrincado dizer de si, mas me instiga e me desacomoda o som interno das palavras, seus baques, sua tensão, a tipografia. Uso do silêncio, do ar, do espaço da página. Digo isso como uma poeta que se lê. Sou minha primeira, por vezes, única leitora. Há solidão e solitude neste trabalho.
Você pergunta sobre expectativas. Espero que o poema satisfaça o que estou propondo com ele. Como disse, os versos podem seguir para outra direção durante o desenvolvimento da escrita e ainda assim, sou eu poeta quem dirige. Qualquer expectativa que possa existir no momento da criação é para comigo – enquanto criadora e enquanto leitora. Quando estou escrevendo não me ocupo com a figura de outra/o leitora/o além de mim. O mais que cabe aqui dizer é que preciso de silêncio para iniciar a escrita. Uso protetores auriculares para conseguir esse silêncio. Quanto ao meio, posso escrever em computador, celular, caderno, envelope ou outra folha já em parte preenchida. Quando apronto um poema no papel, transfiro para a tela; e quando está feito na tela, transcrevo para o papel. Esse movimento da grafia entre os suportes me é importante.
Agora, o que eu diria a mim mesma se pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos? Lembro dos que foram reunidos por minha professora de escola, nos anos oitenta, numa espécie de plaquete feita em papel cartolina, e que curiosamente leva como título o que você menciona na pergunta – Meus Primeiros Textos. Eu diria àquela guriazinha que continuasse lendo tudo o que pudesse ler, que seguisse atenta às coisas que estão no mundo e que escrevesse quando fosse possível.