Juliana Kerexu é escritora guarani, cacique da Tekoa Takuaty na Ilha da Cotinga (Paranaguá, PR).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo o meu dia indo tomar um bom chimarrão na casa da minha mãe. Não tenho uma rotina muito certa, mas o chimarrão de manhã junto com a família é garantido. Não abro mão.
Cada dia é diferente, com algo diferente a fazer, por isso não tenho uma rotina certa para além do chimarrão.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De dia, geralmente, faço mil coisas, fico bastante ocupada para escrever. De noite as ideias v cacique, mãe, mulher – e todas as mil e uma coisas que faço por causa destas funções -, fica difícil escrever diariamente. De noite, depois de ir na casa de reza, eu busco escrever algo. Entretanto, ainda não alcancei a meta de escrever um pouco a cada dia.
Como gosto de textos como poesia e crônica, é mais tranquilo escrever eles em um tempo concentrado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Processo de escrita: vem de inspirações. Pode ser sonhos, histórias que escuto – muitas das quais que são parte da tradição cultural guarani. Algumas vezes eu busco trazer histórias de quando eu era criança. Estas inspirações que transformo em poesias e crônicas. Uma vez que começo, consigo escrever tudo.
A pesquisa que faço para escritas é das histórias, da ancestralidade, das experiências de vida. É esta filosofia dos nossos ancestrais, estes olhares nossos, que busco, para enraizar nas reflexões do momento atual, do presente, e construir perspectivas para o futuro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu já tive várias travas na escrita. Mas quando já me vêm as ideias, das conversas com os mais velhos, com outras pessoas, com uma música, ou ideias que vêm na casa de reza.
Quando estou travada busco meditar. Fumo um cachimbo (*petỹgua*) para ter conexão com _Nhanderuete_ e _Nhandexyete_ para me ajudar.
Os medos e expectativas sempre existem, mas procuro não me ater neles, não aprofundá-los. Busco transformar os medos e expectativas, pois a escrita que eu faço é, em boa parte, de autoajuda, através da filosofia ancestral que nós Guarani temos.
Sobre a ansiedade em trabalhar em projetos longos, ainda não tive uma experiência neste sentido. Espero que venham este tipo de projetos para eu trabalhar, junto com outros que me ajudam, na força e na sabedoria. Sempre reflito que não estou sozinha neste tipo afazer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso bastante vezes os meus textos e mostro para amigos os textos que terminei de escrever para eles olharem e ajudarem com sua opiniões, sensações e mesmo corrigir alguns erros. Tenho um certo medo da escrita por causa da formação, mas tenho amigos que apoiam em suas sugestões e reações.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é bem boa. Os rascunhos das coisas que eu escrevo eu começo no celular, já que eu não tenho computador, nem internet de rede instalada na aldeia. Não temos nem rede energia elétrica contínua.
Além das anotações no celular também uso um caderninho de rascunhos de escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da convivência com as pessoas – na família, na casa de reza e outros. As formas de viver servem de criatividade. Como sou muito ativa, ao fazer bastante coisas isso gera uma energia, uma pilha que recarrega minha criatividade, que vai ser usada para usar a criatividade da escrita de noite.
Todo este conjunto de cantos guarani, das rodas de conversa com chimarrão, o sentimento de gratidão por mais um dia… Todos estes momentos geram boas inspirações, são o meio de acessar minha criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo dos anos, varias experiências que tive fizeram meu processo de escrita mudar. A minha trajetória, caminhada como Kerexu, como mulher, filha, irmã, mãe e cacique. Esta experiência me fez reconhecer o poder e a força da mulher, da _xondaria_ (‘guerreira’). Assim finquei minhas raízes, criando orgulho por ser indígenas, mulher, mãe etc. Este reconhecimento me ajudou bastante a ter orgulho e fortalecer. Assim me considera uma escritora.
Se eu pudesse voltar no tempo, diria para mim mesma ter mais confiança, para acreditar, ter força.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de fazer uma coletânea de história, de mitologia do povo Mbya-Guarani, dirigida para crianças e adolescentes. Trazer uma parte lúdica. Seria para as crianças indígenas, mas também para as não indígenas. Assim poderia trazer uma motivação para os escritores indígeas trabalharem com as escolas e as universidades.
Eu também gostaria de escrever sobre a história das mulheres do povo Mbya-Guarani, das _xondaria_, trazendo a perspectiva das mulheres. Ainda preciso ter acesso a um bom computador e material que permita sentar a escrever.