Juliana Falcão é escritora, graduada em história e graduanda em letras espanhol.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Quando acordo, normalmente confiro e-mail e redes sociais para me manter informada. Mas não sigo necessariamente algum ritual ou rotina matinal. Minhas manhãs são bem comuns. Chatas, diria. Então, melhor passar para a próxima pergunta.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não há horários que eu trabalhe melhor, na realidade há momentos. Quando estou sozinha e em silêncio ou até mesmo em um lugar cheio de pessoas, portanto, costumo dizer que a hora do dia em que trabalho melhor é quando a inspiração vem. Ela sempre vem de repente. Assustando-me, despertando-me, provocando-me…
Não tenho ritual para escrever. Já tentei criar ambientes, costumes, espaços para produzir, mas quando faço isso parece que ligo o botão do bloqueio criativo. Gostaria de ser como aquelas pessoas que dizem: “vou me sentar para escrever”, e escrevem mesmo, laudas e mais laudas até a exaustão os vencer. Mas, se eu fizer isso fico sentada uma, duas horas encarando uma folha em branco, frustrada comigo mesma. Por isso, é melhor deixar fluir.
Em relação aos trabalhos científicos a dinâmica é bastante diferente, muita leitura e pesquisa, anotações e fichamentos. Um longo processo antes de começar a escrever. Estes gêneros acadêmicos exigem uma grande dedicação por parte do autor. É um trabalho árduo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, eu não escrevo todos os dias, nem tenho metas de escritas diárias. Às vezes vejo uma cena, um acontecimento, uma frase, ou, até mesmo, uma música, e surge em mim aquela história ou aquele poema. Nada na vida que é forçado dá certo, principalmente escrever. Você pode até sentar em frente a uma folha de papel em branco ou em frente do computador e tentar escrever sem inspiração, mas, no meu caso, eu sei, nunca sairá nada aproveitável.
Escrevo mais para mim do que para os outros, acredito que, por isso, não sou tão apegada às metas. Escrevo para não morrer sufocada. Sinto que se não escrevesse iria acabar me afogando em minhas próprias palavras, elas estão presas dentro de mim, pedindo, suplicando, para sair.
Posso até não escrever todos os dias, porém não tem um dia da minha existência que eu não pense em fazê-lo. Todo dia penso em poesia, poema, em colocar uma palavra atrás da outra, criar sentidos, criar sentimentos… Isso é tão bom. Satisfaz-me de um jeito que não consigo nem explicar. Está no meu sangue, faz parte de quem eu sou e de quem, para sempre, quero ser.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita não é embasado em anotações prévias. Sentir-me-ia aprisionada se assim o fosse. Ele na realidade é bem leve. Acredito que se eu planejasse cada passo, do que vou e de como vou escrever, eu não sairia do lugar. Ficaria mais uma vez petrificada em frente ao branco do papel. Caso esteja com dúvida sobre algum ponto faço uma pesquisa, contudo, sem me preocupar o suficiente para está criando notas sobre a mesma.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não luto contra elas. Quando surge algo que me impede de escrever, como as travas da escrita, eu prefiro aceitá-las. Penso nelas como se fossem uma companhia, sabendo que elas são apenas uma visita breve.
Eu tenho muita dificuldade em escrever histórias longas. Nunca as escrevi. Tenho certa ansiedade, quero que os acontecimentos dos enredos não se demorem a surgir. Só consigo escrever algo extenso quando se trata de trabalhos científicos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas. Cheguei à conclusão que se revisá-los um milhão de vezes ainda acharia erros. Quem escreve (acredito) nunca acha que o seu trabalho está completamente pronto. Inclusive tenho medo de reler o que já está publicado com receio de encontrar algum erro.
Poucas vezes eu mostro para outra pessoa o que escrevo. Acredito que dá azar ao texto. Escrever, às vezes, é algo tão pessoal. O que está ali na folha de papel, querendo ou não, é um pedaço de você, dos seus sentimentos, da maneira como você enxerga o mundo e suas nuances.
Durante muito tempo produzi, não publicava, e nem mostrava a ninguém. Esses escritos provavelmente vão morrer no esquecimento, como se nunca tivessem existido. E não me importo, porque tem ditos que nasceram apenas para pertencer a uma única pessoa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Normalmente é a mão (poemas e contos). Quando vou revisá-los passo para o computador e faço nele as alterações necessárias (que são muitas).
Artigos, resenhas e resumos, sempre produzo no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de todo e qualquer lugar. Há dias que surgem tantas ideias que se torna até mesmo inviável anotá-las, perco muita coisa que surge como uma estrela cadente, passando rapidamente sem deixar rastros. Ando sempre com um caderninho na bolsa ou anoto no bloco de notas do celular, entretanto às vezes estou em um momento que não posso parar para escrever e isso me fere um pouco.
Costumo sentir que não sou eu quem o escreve, por exemplo, um poema, ele é que escreve a mim, que me transforma e que se antecede. É como se ele já estivesse pronto e precisa-se apenas de alguém para fazê-lo existir. Para dá-lo luz, visibilidade, espaço concreto.
Eu tenho uma imaginação extremamente fértil, não tenho problemas para me manter criativa, a minha dificuldade maior é conseguir selecionar as palavras de uma maneira que me agrade, de uma maneira que forme um conjunto satisfatório.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Nossa! Muito mudou. Fiquei mais madura, mas não madura o suficiente. Ainda tenho muito que aprender. Não me considero uma “escritora de verdade”, sou apenas uma pessoa que brinca com as palavras vez ou outra. Algumas vezes dá certo, outras não. Quando me chamam de escritora, poetisa soa-me estranho.
Se eu pudesse dizer algo eu me aconselharia a escrever, ler e me dedicar mais. Contudo, em alguns pontos do passado eu tinha algo que hoje não tenho, algo que acho bonito, que é a leveza no olhar para enxergar a vida e as pessoas. Isto me trazia uma inspiração bonita. Hoje tenho um olhar pesado, duro… É como se não conseguisse absorver com tanta facilidade o que acontece ao meu redor ou, até mesmo, como se eu conseguisse enxergar com mais facilidade o que existe de ruim do que o que existe de bom. Tornei-me uma pessimista.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de escrever um livro infanto-juvenil. Tenho-o inteiro em minha mente, inclusive o final, porém como já disse anteriormente tenho dificuldades em escrever textos longos, uma ansiedade literária gravíssima.
Eu gosto dos livros que escondem segredos que nós não conseguimos identificar. O autor dá pistas e quase sempre eu descubro o final. Isso acontece tanto em filmes, quanto em livros. Gostaria de ler algo que quando eu terminasse pensasse: “como não consegui identificar isso” (apesar dos indícios). Gostaria de ler algo estruturado, bem montado, extraordinário, ou seja, algo que me prendesse, surpreendesse tanto que me fizesse sentir triste por pensar que nunca mais iria encontrar outro livro igual.