Juliana Brittes é redatora, professora de língua portuguesa e arte-educadora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre com música, meu dia começa fingido – meio na marra, lá pelas 5h, com o ‘miatório’ dos meus 4 gatos: finjo que completo os potes com ração, caso ainda tenha um tanto bom, porém desprezado por eles (espertos, sempre fingem que acreditam que os completei); coloco água fresca e faço a manutenção das bandejas com areia. Depois, volto para a cama e espero meu despertador também fingir que cumpre sua função, às 7h.
Três vezes por semana dou aula no primeiro turno, às 7h30; nas outras manhãs ‘úteis’ da semana, aproveito para preparar minhas aulas e colocar em dia meus trabalhos como redatora e revisora de textos.
Ah, o café? Tomo enquanto faço tudo o que citei acima, andando pela casa, tentando ajeitar a bagunça feita no dia anterior.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sentir – sentir mesmo – eu sinto que produzo melhor à noite. Apesar disso, sentindo muitíssimo, cumpro rigorosamente meu horário da manhã com as aulas – penso que o aluno renderia mais e melhor se as aulas começassem mais tarde. Em se tratando da escrita que não exige cartão-ponto posso me dar ao luxo de optar pela noite – de preferência, na rua, enquanto caminho. Escrevo em uma caderneta que costumo carregar comigo a tiracolo, junto a vários lápis bem apontados, logo que surge algum estalo bom para ser registrado. É tipo fotografia: se deixo passar o instante, já era – a imagem até fica na cabeça, mas em P&B e desfocada.
Agora, durante a pandemia, observo o movimento das ruas através da minha janela, que fica no 12º andar, e me contento com o que consigo observar daqui.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta diária porque não sou escritora nem produzo nada muito extenso – sou redatora de textos curtos e revisora. Diria uma semiescritora, ou, como falava meu pai: ‘uma revisora, aquela escritora malresolvida…’. Será?
Pelo fato de meu dia a dia ser atribuladíssimo – são por minha conta casa, comida e roupa lavada -, os textos encomendados são escritos de uma vez: sento-me, me concentro e escrevo – sempre cumprindo os prazos. Agora, minhas crônicas, que dispensam a obrigação de serem escritas um pouco por dia já que são curtas, escrevo-as à noite, sempre que tenho material suficiente para completá-las.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Espero um momento da noite em que estou menos atarefada, uma vez que não consigo fazer várias coisas ao mesmo tempo. De preferência, ouvindo música e sozinha – na solidão total mesmo.
Prefiro terminá-la na mesma noite, sem períodos de marinação. No entanto, apenas começo a escrever depois de muito ler/ouvir fontes sobre o assunto/tema – que vão de músicas, imagens de obras de arte (pintura, escultura, filmes) etc.
Reúno todas as informações/impressões e, só assim, mergulho fundo, numa única apneia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com os textos sob encomenda, procuro não procrastinar. Tento me concentrar ao máximo, pois sempre há prazo de entrega. Geralmente escrevo textos para sites – que não costumam ser longos, o que dá um certo alívio.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Embora revisora, sempre peço a algum amigo ler antes de publicar (humildade é tudo, inclusive entre revisores – categoria que, muitas vezes, se vê como dona da verdade absoluta e mandatária de todas as regras), seja algum texto encomendado, sejam minhas crônicas despretensiosas as quais publico em um blog particular.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Todos os textos, profissionais ou não, são esboçados e passados a limpo no papel. Apenas depois de tê-los findado, digito, ao mesmo tempo em que faço a revisão final.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm, principalmente, das ruas, das pessoas nas/das ruas, até das edificações – principalmente das antigas, dos bairros centrais da minha cidade: fico imaginando quem as construiu, quem ali viveu, como se comportavam à época… Ouço muito as pessoas, curto demais escutar suas histórias, experiências, desabafos.
Um dos meus lugares favoritos para ouvir esses falatórios é o terminal rodoviário – na verdade, qualquer terminal rodoviário, de qualquer cidade. É sempre um local que, por ser ‘provisório’, passageiro, guarda ansiedades de toda sorte: desilusões, esperanças, expectativas, ideias de recomeço ou de término.
Muitas vezes puxo um assunto aleatório e, junto, a língua da pessoa; outras vezes, escuto diálogos ‘na moita’, e até monólogos de alguém sozinho, deslocado da realidade, já conformado com a solidão, mesmo estando em um lugar tão movimentado. Para esse alguém, certamente, tal lugar transitório se tornou seu ponto fixo, um quase-lar. Infelizmente.
Tenho o hábito/vício de ouvir música. Sou fissurada em música. Ouço desde manhã até término do dia. Amo, inclusive, a palavra Música. É bom de ser ouvir o som dessa palavra, de se escrever essa palavra; e de se escrever qualquer coisa enquanto a ouve. Mas não qualquer música. Refiro-me à música que inspira, à música que vivifica, à música que sara: música-poesia, música que faz sentido, que tem razão de existir. Música que faz você pensar: ‘puxa, ainda bem que ela nasceu’. Não aquela que você pensa: ‘puxa, o mundo já estava tão pesado sem ela; com ela, então, socorro…’
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Comecei a escrever profissionalmente textos publicitários há pouco tempo – uns três anos atrás – momento em que as contas começaram a não fechar como deveriam. Foi no susto. Essa calamidade financeira teve seu lado positivo, já que as contas não deixam de chegar, fazendo-me praticar a escrita cada vez mais – quase sempre a prática leva ao progresso, não é mesmo?
Quanto ao que diria a mim mesma se pudesse voltar no tempo, seria: ‘Juliana, perceba mais; fale menos’. Acho que o segredo para se escrever melhor é perceber o mundo. Dar ouvidos ao mundo. Ouvir é sempre melhor que falar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Pretendo escrever um livro – uma espécie de diário – sobre como passei meus dias em confinamento. Quero ilustrá-lo com as imagens das obras de arte que recriei – e ainda recrio – durante o claustro.
Gostaria muitíssimo de ler o livro que será escrito por uma menina catadora de material reciclável, que vê o mundo em movimento, do alto de um amontoado de papelão, puxando por uma carroça. Espero que essa menina não tenha medo de conclui-lo, apesar de o ensino público deixar a desejar, apesar da tristeza que carrega por não ter a quem dedicá-lo, apesar de pensar que não terá roupa adequada para vestir no dia do lançamento.
Essa menina é real. Inclusive, sua vontade de ser escritora. Ainda bem.