Julia Leite é escritora, formada em Cinema, autora de minúscula (Patuá, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo o dia interrompido, coloco o despertador vinte minutos antes de precisar acordar de fato. Faço isso pelo simples prazer de me dar conta que o dia ainda não começou e eu posso dormir mais um pouco. (risos)
Tomo café, meu pai me leva até a estação Butantã, me obrigo a sempre ter quatro reais certinho para poder pegar a fila rápida. Fico do Butantã até a República tentando ouvir música no celular e falho miseravelmente por conta da falta de sinal de internet. Quando saio do metrô, tenho meus dez minutos de glória até o trabalho em que posso ouvir as músicas que andam ecoando em mim ultimamente. E aí o dia começa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo trabalhar/produzir melhor no período diurno, mas só aos finais de semana (tanto é que estou respondendo essas perguntas num domingo, perto da hora do almoço). Geralmente durante a semana volto muito cansada para casa, só quero ligar a Netflix e assistir Queer Eye.
Às vezes produzo muito bem de madrugada, geralmente quando já estou com algo na cabeça ou porque preciso terminar antes de um prazo que se encerra no dia seguinte.
Não tenho nenhum ritual específico, de vez em quando coloco música.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Períodos concentrados. Tem dia que eu simplesmente não tenho nada a dizer a mim mesma sobre nada, cansaço paralisa. Não tento estabelecer meta nenhuma quando se trata de escrita, só me esforço bastante para não deixar de escrever e entregar projetos em determinados prazos, me frustra muito quando deixo a oportunidade passar por mim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente meu processo de escrita começa fragmentado, tenho uma ideia, uma frase, uma palavra, qualquer coisa que seja catalisadora. É difícil começar quando preciso escrever e não consegui compilar nada disso, começar do zero mesmo. Na poesia, faço pesquisa prática quando a ideia foge do processo intuitivo. Quando escrevo roteiro, é bem diferente. Tento pesquisar verossimilhança o tempo todo nas situações e nas personagens que eu proponho. Um roteiro tem uma cosmologia totalmente diferente que a de um poema, com exigências distintas, por mais que ambos possam se cruzar no meio do caminho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ainda estou aprendendo a lidar, porque esse é um dos meus maiores problemas. Eu tenho uma autossabotagem que se retroalimenta com a procrastinação e o medo das expectativas. Então geralmente ou eu me derroto definitivamente quando estou travada na escrita, ou sofro até dar um tapinha na cara e dar a volta por cima.
Até hoje lido com o medo de não corresponder às expectativas dos outros, evito ao máximo mostrar o que eu não sei se está bom para pessoas que eu sei que depositam uma expectativa em mim que me intimida. Recentemente lancei um livro de poesia e foi um parto para superar isso, mas o conselho que posso dar é que, em algum momento, você pare de pensar nisso e se jogue. Foda-se se não vão ler o que você escreveu do jeito que você queria, isso é algo fora do seu controle. Sempre vai ter alguém que vai ler e achar legal, e isso é muito recompensador.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Até eu os ler novamente. (risos) No caso de uma publicação, acho importante eu parar de ler e entregar o texto para a diagramação, porque senão sempre vou querer mexer toda vez que eu ler de novo. Uma coisa que me ajuda muito é mostrar para alguém de confiança e pedir uma opinião, aí me dá segurança pra saber o que devo fazer – eu faço isso muito com meus roteiros, mais do que com poesia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Varia. Às vezes começo à mão e termino no computador, e vice-versa. Também escrevo no celular quando estou na rua e não quero que algo se perca.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Geralmente elas vêm de algo que eu quero falar previamente – consciente ou inconscientemente -, mas não sei de que forma. As coisas que eu escrevo normalmente partem de uma perspectiva de gênero e sexualidade, eu já não consigo escrever sem passar por uma delas. E com isso não quero dizer que eu sou monotemática (e também não veria problema nenhum se fosse), apenas que nas entrelinhas essas questões estão colocadas, por mais sutil que seja.
É difícil saber da onde elas vêm, ideias trombam na gente, e trombar sempre é um ato justamente de não perceber de onde algo veio.
O que me mantém criativa é consumir coisas que estimulam minha sensibilidade: ler (principalmente), ver filmes, conversar com certas pessoas, ouvir música, perceber a vida ao redor no dia a dia. Meu atual trabalho exige da minha criatividade, então acho que ajuda a me manter assim de alguma forma também.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que foi uma questão de amadurecimento num geral mesmo. Eu escrevia como uma adolescente, com questões adolescentes e com um olhar adolescente. Eu fui crescendo e me reinventando. Muita gente diz que eu tenho uma escrita densa para uma pessoa da minha idade, então acho que isso deve ter mudado também no meio do caminho. Eu sempre usei a escrita para ser menos aflita e na adolescência é tudo muito esquisito, mas acho que ainda tinha uma certa leveza não-consciente de não precisar lidar com a vida adulta. Acho que isso se traduziu no meu processo de escrita de uma forma meio… densa mesmo, sei lá.
Meus primeiros textos foram escritos durante a minha infância na escola que estudei (SETA), a gente escrevia e tinha uma publicação luxuosa naqueles álbuns Kodak de fotografia 10×15, ao invés de colocar foto, a gente colocava as páginas dos textos. E a capa do álbum a gente personalizava com desenhos nossos. Eu diria para continuar escrevendo e se descobrindo como pessoa, e se sabotar menos, de preferência.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero fazer meu segundo curta-metragem, ainda estou amadurecendo a ideia do roteiro. Gostaria de ler os próximos livros das escritoras que eu conheço (e até as que desconheço e irei conhecer futuramente), aqueles que não existem ainda, mas virão e ocuparão um lugarzinho especial no meu quarto.