Ju Calafange é gestora cultural, escritora e atriz, escreve no site entrecontos e no blog As Contistas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo acordar tarde, porque durmo tarde e durmo muito. Sonho muito. E os sonhos são base para muitos dos meus contos. Então minha rotina matinal começa no final da manhã. Depois de tomar um copo de café com leite eu costumo ficar um tempo enroscada com meus gatos (tenho três), num delicioso cafuné felino, porque essas fofuras também são minha inspiração diária. Só então me sinto pronta para cuidar das obrigações do mundo real e prático.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu horário mais produtivo é à noite, a partir das 18h. É quando as ideias começam a pipocar na cabeça. E esse pipocar às vezes vai até a alta madrugada, muitas vezes me impede até de dormir. Mas eu não reclamo quando a causa da insônia é nobre assim… Não tenho ritual para escrever, nem para mais nada na vida. Não curto rituais. Gosto de fazer as coisas de um jeito diferente a cada dia, não sou muito feliz na rotina e nem me apego a dogmas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende. Tem fases em que eu escrevo todo dia, por necessidade, coceira que dá nos dedos, ou na mente, uma agonia molecular que me toma e se eu não escrevo é como se o dia não tivesse valido a pena. Mas às vezes também passo longos períodos sem conseguir escrever nenhuma linha, numa paralisia desesperadora. Pelo que ouvi dizer, isso é comum entre escritores…
Metas diárias não são meu forte, quando me imponho metas prefiro metas semanais, tantas páginas por semana e tal. Mas nem sempre as cumpro. Ou escrevo mais que a meta ou escrevo menos… Funciono melhor com prazos. Tipo, “você tem até o dia tal para terminar o conto”. Isso me movimenta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nem sempre faço notas. Às vezes gravo as ideias no celular para não perder. Mas quando eu decido algo mais concreto, tipo “quero escrever um conto sobre a África”, aí eu procuro ler autores africanos, assistir filmes e documentários sobre o tema, conversar com pessoas que conhecem o país e a cultura africana (se puder, viajo até lá), e vou me imbuindo daquilo. Até que um dia a coisa sai.
Quando tenho prazos, como já disse, esse tempo para ir me imbuindo é mais restrito. No começo era desesperador, eu passava os dias sem nenhuma ideia, sentava na frente da tela e nada saía, eu tinha certeza que não ia conseguir. Até que, faltando poucos dias para o fim do prazo, o conto vinha, muitas vezes de supetão, o texto saía quase todo pronto. Então fui aprendendo a relaxar um pouco, pois eu sei que preciso sempre desse período de maturação desesperada, dessa agonia pré-prazo, para que a coisa se formate – primeiro na minha cabeça e só depois nas palavras e na tela.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não sei se eu lido com isso… (risos) É uma das coisas mais terríveis do mundo, se sentir travada, paralisada, sem ideias. Eu fico sem saber se é uma trava natural e necessária para a tal da maturação, ou se é indolência mesmo da minha parte. E eu sofro. E acho que está tudo sempre uma porcaria, por mais que eu leia e releia e ache ótimo. Então eu te digo que ainda não lido com isso muito bem. Não sei se algum escritor lida.
Claro que eu tenho minhas técnicas para relaxar nos momentos mais apavorantes, tipo yoga, meditação, exercícios respiratórios, uma cerveja gelada… mas geralmente nada disso funciona… (risos)
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso quantas vezes achar necessário até que eu me sinta satisfeita com o que escrevo. Só então eu mostro para algumas pessoas. Tenho alguns “leitores beta”, que me ajudam muito com seus comentários. Então reviso outra vez, com base no ouvi dessas pessoas. Depois mando para o meu revisor de texto. Só depois publico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto de escrever no computador, gosto de digitar no teclado, sinto prazer nesse toque. Mas as primeiras notas nem sempre são direto no computador. Isso varia muito. Às vezes é no celular, ou num bloquinho que carrego comigo. Às vezes eu gravo. Mas sempre passo tudo pro computador depois, para uma pasta chamada IDEIAS E RETALHOS. Nessa pasta fica tudo jogado. De tempos em tempos eu vou lá, e acabo achando alguma coisa legal para desenvolver. Muitas ideias que eram apenas retalhos, como um parágrafo, uma frase – às vezes apenas um título – acabam virando contos depois, às vezes muitos anos depois.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho importante a gente manter sempre a curiosidade diante da vida, do mundo. Não perder esse olhar que quer desvendar as coisas. Então para mim é importante ler sobre tudo, sobre qualquer assunto, mesmo que pareça um assunto banal. Notícias de jornal podem servir de inspiração, uma cena ou um lugar que você viu num filme ou num livro. Ás vezes uma música que você ouve, às vezes um casal namorando na rua, um cachorro fazendo suas necessidades, uma árvore com suas raízes retorcidas, um papo com amigos numa mesa de bar, tudo é matéria prima para escrever. A única coisa que mata a minha criatividade é se eu me acomodar numa rotina imutável, sem novidades, fazendo sempre as mesmas coisas, indo aos mesmos lugares, isso acaba com o espírito criador. Outra coisa que é muito importante para manter a mente aberta à criação é ter a capacidade de mudar de ideia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou foi que eu ganhei conhecimento sobre o ofício de escrever. Estou sempre fazendo cursos, porque – ao contrário do que muita gente pensa – escrever se aprende. Não basta gostar de escrever para se tornar escritor. É preciso ler muito. Ficção e também teoria. Aprender com os mestres. Muitos grandes autores, como Stephen King, Virginia Woolf, Poe, Milan Kundera, Julio Cortázar, entre tantos outros, também escreveram livros que falam sobre a arte da escrita, do conto, do romance, do como se conta uma história, dos usos das diferentes técnicas narrativas etc. É muito importante que o escritor iniciante também tome contato com a teoria, porque eles nos ensinam a ler de forma mais crítica, percebendo como os autores que tanto gostamos fazem para nos envolver em suas tramas. Eu, com certeza, devo muito do meu crescimento como escritora a esse conhecimento que venho adquirindo mais e mais ao longo dos anos. Nesse tempo, tenho visto crescer a qualidade dos meus textos e isso vai me tornando mais confiante sobre o que e como escrevo, e em meus contos esse domínio sobre a escrita vai aparecendo a cada nova história. O que eu diria a mim mesma se pudesse voltar no tempo? Diria o mesmo que minha mãe me disse à época: “Não desista”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Bom, um dos projetos para 2019 é meu livro de contos. Espero conseguir, ainda este ano, ou no ano que vem. Eu gostaria de poder ler todos os livros que já existem e os que ainda não existem. Mas cadê tempo?