Josy Stoque é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sem café não acordo, portanto, não sou capaz de fazer nada. Esse ano minha rotina mudou completamente já que decidi não me dedicar só a escrita, como vinha fazendo nos últimos 5 anos, e voltei a trabalhar fora. Saí um pouco do mundo fantástico das histórias de ficção e comecei a me importar mais com o que realmente acontece na sociedade, passando de mera observadora para uma cidadã mais ativa. A observação e a leitura me ajudou a chegar a esse nível de consciência e hoje uso de militância política e do espaço que construí em 9 anos de carreira para também dividir com meus leitores meus novos aprendizados. Isso mudou a forma que me relaciono comigo mesma, com a minha família e com as pessoas que conheço ou venho a conhecer. Essa explicação longa é para dizer que a primeira coisa que eu faço de manhã depois do meu café é me informar sobre o que está acontecendo no meu país. Também vejo notificações nas minhas redes sociais e respondo comentários de leitores. E, por fim, preparo o conteúdo literário que divulgarei no dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo melhor à tarde até o início da noite, se for necessário, mas as tardes costumam ser melhores. Hoje em dia não faço mais nenhuma preparação. Acho que minha vasta experiência em escrita não torna mais necessário um ritual. Mas como sou ansiosa crônica, às vezes tenho grave déficit de atenção, que exige um trato psicológico ou artifícios para assegurar minha concentração na escrita. Se estiver muito fora de controle, não há ritual que me faça conseguir escrever. Muitas vezes, até a vontade de escrever não existe. Estou trabalhando essa ansiedade com psicóloga para aprender a lidar com ela e não me tornar prisioneira de sua vontade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já escrevi todo dia, hoje não mais. Acabo escrevendo todo dia porque estou conectada online o máximo que posso e escrever posts nas redes sociais também faz parte do ato de produzir conteúdo. Mas tenho lido mais, assistido mais séries e documentários, canais do YouTube, etc, em busca de um conhecimento novo que me propus a me aprofundar. E como estou trabalhando fora, e parte da minha ansiedade vem do fato de eu me preocupar compulsivamente em escrever, resolvi relaxar esse ano e escrever menos. Então não me cobro mais, não tenho cotas nem prazos, visando minha saúde mental. Eu estava ficando doente com tanta cobrança pessoal e culpabilização por toda a falta de retorno equivalente ao meu esforço, ou mesmo com a obrigatoriedade de produzir para alcançar um “sucesso” estabelecido por exemplos muito particulares ou mesmo inalcançáveis por uma ampla maioria. Por isso, eu estava trabalhando excessivamente, me matando de trabalhar por algo que não estava sob o meu controle, adoecendo e perdendo o tesão pela escrita, que me definia como pessoa, mas não deveria. Sou mais do que minha escrita. Ela é somente uma de diversas expressões do meu eu, sem a qual não conseguiria viver por ser a minha porta de comunicação com o mundo. Agora eu só escrevo quando tenho vontade e não me forço, deixando a inspiração e a motivação natural de querer contar uma história me guiar. Acho que profissionalizar não é o mesmo que se autocobrar sob uma ideia imposta por alguém do que é ser um escritor de sucesso. Cada escritor deve construir sua carreira como achar melhor para si. É a graça de ser autônomo. Se tiver alguém ditando como sua autonomia deve ser, significa que você não a tem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não começo a escrever uma história antes de definir três pontos importantes sobre o livro, que pode demorar mais ou menos tempo, dependendo do tema e da pesquisa necessária: narrativa (ponto de partida), clímax (o ponto de virada) e desfecho (o ponto final). Para chegar a esses três pontos preciso de um start mental, que pode ser a partir de qualquer coisa, desde um bate-papo descontraído até algo que assisti ou vi, que me dá a ideia inicial de uma história. Também preciso saber quem vai contar a história e, normalmente, isso já vem definido junto com a ideia. Mocinha ou mocinho? Quem é essa personagem e o que ela quer? Por que é importante contar essa história? Daí desenvolvo a ideia central, que ganha corpo e cresce conforma me aprofundo nela, até chegar ao ponto de estar certa de que chegou o momento. Normalmente, eu sei porque já defini todos os pontos guias da história, eles amadureceram a ponto de eu entender que não há mais como mudá-los ou melhorá-los, e quando eu não vejo a hora de começar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com terapia. (risos) Percebi que precisava parar de tentar agradar a todo mundo e escrever o que eu queria, independente se alguma editora vai querer publicar, ou mesmo se os leitores vão amar ou odiar. É o que quero contar? Então eu escrevo. Sempre haverão leitores interessados em diversos assuntos. Parei de me culpar por não seguir religiosamente um gênero ou uma “fórmula”, como muitos autores de “sucesso” fazem (as aspas não são em desmerecimento a eles, mas para a classificação condicionada aos números de vendas para definir o sucesso de um escritor). Eu não estou dizendo isso por um rancor pelo termo best-seller, porque eu sou best-seller em vários livros e, ser ou não, não desmerece ninguém. Estou dizendo apenas que nem todos os livros se tornam best-sellers e isso não quer dizer que o livro é ruim, assim como nem todos os best-sellers são necessariamente bons. Eu meço meu talento e sucesso pela realização pessoal que alcancei, medindo-me por minha própria régua e não pela dos outros. Até os 28, eu achava que era impossível ser escritora profissional no Brasil. Provei a mim mesma que era possível. Escrevi vinte e cinco livros e já estou no vigésimo sexto. Eu, uma garota que foi desacredita pela família, pelo ex-marido e por si mesma. Que escreveu livrinhos em conjunto com outra amiga na adolescência e parou na época da faculdade porque tinha que trabalhar. Depois se casou e se dedicou a formar uma família porque era isso que a sociedade esperava dela. Uma garota que foi trocada como se fosse lixo e que finalmente parou de ouvir o que os outros queriam dela e a fazer tudo o que tivesse vontade e que a realizasse pessoalmente. Se isso não é sucesso, não sei mais o que é. E minha meta é escrever 100 antes de morrer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O primeiro livro revisei mais de 10 vezes, algo doentio que demonstra toda a insegurança que eu senti antes de publicar. Hoje eu reviso uma vez, reclamando, mas sei que é necessária pelo menos uma leitura crítica para melhorar o texto e encontrar possíveis erros, tanto ortográficos, quanto de contexto. Tenho algumas leitoras betas que acompanham a minha escrita e que me dão um feedback sobre a fluidez do livro. Quem sabe um dia eu me torne uma Clarice Lispector, que nem relia o próprio livro antes de mandar para o editor. (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou 100% conectada, desde que surgiu o computador e depois vieram os celulares. Só tenho muita dificuldade de escrever no celular porque acho muito lento comparado ao teclado do PC. Escrever à mão também acho devagar. Como penso e digito muito rápido, dou preferência ao computador. Escrevo à mão só quando estou com branco e fiz de tudo para sair dele e não consegui. À mão se torna uma alternativa quando meu processo fica mais lento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Da vida. É uma pergunta que sempre me fazem, mas não tenho uma explicação mais subjetiva. A ideia vem e não tem muito mais o que dizer, mas eu sei que ela vem de um conjunto de coisas, como a observação do mundo através de bate-papo descontraído ou diversas lentes, como entretenimento em geral. Minha mente faz um compilado dessas coisas, junta tudo e me mostra, dizendo: está vendo isso aqui? Dá um livro. Então, uma ideia vem de observação mais absorção e um entendimento do mundo através da minha vivência pessoal.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou tudo, como contei acima. Eu diria a mim mesma: desencana, não siga modismos e escreva tudo o que tiver vontade sem se cobrar tanto. Se divirta com seu trabalho para manter sua mente sã e a motivação. Não transforme seu trabalho de escrita em uma obrigação formal e engessada. Isso vai acabar também com sua inspiração um dia. E é por isso que tantos colegas têm largado a profissão, penso eu.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tom. É um livro sobre um mocinho rico e poderoso, que é dono de um prédio, e que causa grande furor na cidade por ser bastante excêntrico. No térreo do prédio ele mantém um piano-bar exclusivo, que só entra quem tiver convite. Mas um dia ele manda um convite para uma jovem pobre, que tem a mãe doente, que não circula no meio da elite, e que não entende por que ele a convidou. Como é uma história que envolve um tema que eu adoro abordar de maneira profunda, que é sexo e relacionamento, envolto em uma névoa de mistério que também adoro, estou muito ansiosa para escrever, mas provavelmente só conseguirei ano que vem. Livros que eu gostaria de ler, mas que não existem, eu escrevo. É o meu maior motivador para escrever. Não escrevo somente o que tenho vontade, mas principalmente o que eu gostaria de ler e que nunca encontrei.