José Vecchi de Carvalho é escritor, formado em Letras pela UFV.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Atualmente, procuro estabelecer alguma rotina para não deixar as coisas muito soltas. Mas não é nada muito rigoroso, é só para manter a determinação. Em dias alternados, faço uma caminhada de aproximadamente 50 minutos. Normalmente, leio pela manhã e depois, quando não há nenhum compromisso, vou para o computador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Leio de manhã e à noite, e escrevo à tarde. Mas tudo depende de circunstâncias. Quando estou envolvido num projeto, escrevendo, dedico mais tempo à escrita, em qualquer turno do dia, e não pratico nenhum ritual de preparação; quando não estou escrevendo, dedico mais tempo à leitura.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias, mas procuro escrever todos os dias, embora seja difícil, porque tenho outros compromissos. Por outro lado, considero a atividade de escrever — no caso específico de literatura —, não só estar propriamente desenvolvendo o texto, mas também estar à disposição, criar uma predisposição para a escrita. Às vezes pesquiso, leio um livro, vejo um filme, ouço uma música, tudo em função do que estou escrevendo ou querendo escrever. E isso me deixa ligado o tempo todo com o trabalho, ou seja, com a escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
As notas e as pesquisas são sempre em função de alguma ideia. Muitas vezes, no decorrer do processo de leituras, observações e anotações, surge outra ideia e aí tenho alguma dificuldade, como por exemplo, decidir se junto ou separo as duas. E apesar das dificuldades de começar, procuro contornar alguns problemas, partindo do pressuposto de que nem sempre se começa pelo começo. E quando me encontro diante de um obstáculo que me dificulta iniciar um texto, lanço no papel uma série de palavras formando frases ou não, relacionadas ao campo semântico do que pretendo escrever, ligadas de alguma forma com o que tenho em mente. Também utilizo o recurso denominado storyline. É uma forma de me orientar no desenvolvimento de um plano. Muitas vezes mudo o rumo da história, altero o plano e a ideia inicial, mesmo assim ela é importante como forma de me manter ligado, antenado, em constante predisposição para a escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho me esforçado para compreender as travas e tenho sido indulgente comigo. Até porque não escrevo com o compromisso de entregar o texto num determinado prazo. Estabeleço prazos, certamente, mas quando estou escrevendo, os textos e os prazos são unicamente meus. Além disso, intercalo outras atividades que consomem tempo e atenção, mas que acabam favorecendo o processo criativo. Sobre as expectativas, confesso que tenho um pouco de medo, uma certa insegurança. Alguns textos, quando termino, costumo considerá-los razoáveis ou até bons e isso me proporciona certo alívio; porém outros, acho-os muito ruins e aí eu fico angustiado. Em qualquer um dos casos, quando deixo o texto dormir, ao retomá-lo sempre o considero pior do que antes. E isso costuma ser decepcionante. Outro aspecto que me dá certa insegurança, é tornar o texto público. Bate um pouco de medo diante do olhar do leitor. E o pior, de não haver leitor para o texto. Quanto à ansiedade frente a projetos mais demorados, gostaria sinceramente de que a alquimia pudesse me ajudar a transformar o peso da ansiedade em ouro de palavras.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito os meus textos e não posso precisar quantas vezes, alguns mais, outros menos. Nenhum menos de quatro vezes, que eu me lembre. Chega num ponto, que desisto do texto, sei que se eu continuar lendo, ele nunca estará pronto. Então ponho um ponto final, passo para a minha mulher fazer uma leitura revisional, além de tecer alguns comentários. Quando há possibilidades, envio para algum amigo da área. Depois disso, costumo submeter o trabalho completo a revisão e leitura crítica de profissionais para que rabisqueme comentem sem concessões e sem nenhuma piedade.
Como é sua relação com a tecnologia?Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre escrevo diretamente no computador. Uso papel e caneta somente quando estou distante do meu computador e preciso fazer algum registro sob pena de perdê-lo. E atualmente, os telefones celulares dispensam, para esse e alguns outros casos, o papel e a caneta.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei dizer exatamente de onde vem. Sempre acreditei no momento mágico, nas epifanias, mas não sou de ficar esperando esse momento de inspiração. Procuro criar o que chamo de predisposição para a criação literária. As leituras, a observação a tudo que me cerca, desde as coisas corriqueiras até as mais inusitadas. Comparo essa predisposição a um campo magnético e, quanto maior, tanto será maior a capacidade de atração sobre o que pode se transformar em literatura. E as ideias podem surgir de uma conversa, de um livro, de um filme, de uma frase que escutei sem querer de uma conversa alheia, de um espetáculo musical, de uma notícia de jornal, da estultice de alguns políticos, de um acontecimento qualquer.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muito e espero que continue mudando sempre, e para melhor. Tem uma música intitulada “O que foi feito devera” — acho que é uma parceria do Fernando Brant, Márcio Borges e Milton Nascimento —, cuja letra diz o seguinte num trecho: “…E o que foi feito/ é preciso conhecer/ para melhor prosseguir/ falo assim sem tristeza,/ falo por acreditar/ que é cobrando o que fomos/ que nós iremos crescer…”. Trata-se de um conhecimento e um valor histórico, talvez acumulado no nosso inconsciente. Se eu volto a um texto antigo, certamente dou risadas de mim mesmo. Mas depois encharco o texto com uma boa dose de transigência, com a compreensão histórica, porque há vinte anos o meu acumulado de leituras, escritas e experiências era bem menor do que é hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um bom romance, mas o bom está longe de ser começado. E gostaria de ler o impossível: um romance de Guimarães Rosa, seguindo o conto “A terceira margem do rio”. Impossível mesmo. Esse conto não precisa de mais nada.