José Ribamar Garcia é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Na verdade, não tenho rotina matinal e, normalmente, nem diária. Tudo depende dos compromissos diários, que são variáveis e até imprevisíveis.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O melhor horário para eu desenvolver o meu fazer literário é à noite, das 22h às 2h. Nesse período, eu leio e escrevo. O que se pode chamar de ritual de preparação para a escrita é o surgimento de uma ideia, que pode ser motivada ou imotivada. Esta, às vezes, me aparece de repente, geralmente uma lembrança distante retida na memória ou de alguns fragmentos de sonhos, que sempre anoto para desenvolver depois. E aquela, a motivada, vem de algo que me impressionou ou despertou minha atenção. Tipo: um acontecimento, uma situação, um fato, uma cena, uma imagem, uma notícia ou coisas semelhantes. Essa ideia vai se arrumando no pensamento, vai crescendo, alimentando-se, visualizando-se até o momento em que a sinto pronta para transpô-la no papel. Aí então, começa o esforço físico, exaustivo, que é o de escrever, reescrever, cortar, acrescentar até o momento em que me dou por satisfeito. E uma vez satisfeito, vem-me uma sensação de leveza, de alívio. Parece-me que é quando expulso de mim a “fera”, de que falou Mário Vargas Llosa num ensaio que escrevera sobre Ernest Hemingway.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrever, para mim é uma necessidade. E sigo uma meta de escrever, pelo menos duas horas diárias, no horário acima declinado. O que encaro até como exercício. Porque é escrevendo que se aprende a escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não sinto dificuldade para começar a escrever. Isto porque, ao transpor para o papel a ideia no seu estado natural, quase do jeito que me veio, passo em seguida a trabalhar no texto sem embaraço. Aí, sim, é que vou me preocupar com ortografia, gramática (concordâncias verbais e nominais), repetição de palavras ou a palavra certa no texto para dar uma harmonia ao conteúdo. Também tenho muito cuidado em manter a coerência e a unidade da narrativa e, sobretudo de não cair na vala dos detestáveis lugares-comuns, dos clichês e da adjetivação desnecessária.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando me aparecem as famosas travas, ou seja, quando empaco diante de uma frase ou de um parágrafo, eu paro, dou uma volta pela rua e, ao retornar, tomo um cafezinho, fumo um cigarro (que é uma espécie de muleta) e aí, vamos dizer assim, desempacado ou curado, prossigo no texto.
Com relação ao medo de não corresponder às expectativas e à ansiedade de trabalhar em projetos longos, às vezes, eles me aparecem. Mas já estou calejado e os enfrento com determinação, pensando positivamente: “Ora, tenho que escrever e vou logo começar, não posso adiar”. Mais ou menos assim. E, assim, concluí meus quatro romances (Em Preto e Branco, Entardecer, Filhos da Mãe Gentil, E Depois, o Trem).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes. Antes e até depois de retornar da editora para aquelas revisões de praxe. Reviso até sentir que me parece bom. Há situações de passar dias trabalhando num só parágrafo. E, às vezes, de passar horas procurando uma palavra que encaixe bem na frase. E quando não a encontro, deixo de lado e vou dormir, deixando a busca para o inconsciente. No dia seguinte, ao acordar a palavra procurada aparece espontaneamente. Isso não é invenção minha. Aprendi com grandes mestres da literatura.
Não tenho o hábito de mostrar meus textos a terceiros antes de publicados, exceto para minha a mulher Roseli Mansur, que é uma leitora voraz e de apurado senso crítico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os esboços ou rascunhos são manuais, que depois os desenvolvo no computador. Neste, só sei manusear o básico. Ou seja: digitar o texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm da percepção das coisas à minha volta e de lembranças próximas ou remotas retidas na memória.
Cultivo a curiosidade, a observação concentrada e atenta, além de andar e viajar pelo Brasil, que eu conheço de ponta a ponta.
Creio que o escritor, principalmente o ficcionista, deve andar pelas ruas observando os hábitos, costumes, maneira de andar e de falar das pessoas. Conversar e interagir com elas, sem discriminação ou preconceito. Assim como utilizar sua memória, sua imaginação e seu talento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Talvez a maturidade, as leituras, os estudos e a prática constante de escrever aprimoraram o meu texto.
Eu me diria: “Tenha calma, seja persistente, escute as pessoas, leia os nossos autores brasileiros e os clássicos estrangeiros, escreva constantemente, mas sem pressa de publicar e de agradar a terceiros”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que gostaria de fazer é um livro que ficasse e que ainda não comecei. Sinceramente, o livro que eu gostaria de ler e que, ainda não foi escrito e jamais será, era a autobiografia do meu pai, Francisco de Assis Garcia.