José Pedro Moreira é poeta e tradutor, autor de Gatos no Quintal (Enfermaria 6, 2018) e Porque canta um pequeno coração (Não edições, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Saltando os rituais domésticos em que os leitores não estarão interessados, começo o meu dia caminhando até ao meu local de trabalho. Uma caminhada de uma hora, tempo para pensar, ouvir música, ouvir podcasts.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou uma pessoa matutina. A maior parte das vezes a escrita é precedida de alguma preparação feita de caminhadas, leituras, notas. Quando me sento para escrever tenho uma direção determinada, mas o processo de descoberta continua durante o acto físico da escrita. Escrever tem mais de físico do que normalmente estamos dispostos a admitir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho uma espécie de diário/ caderno de apontamentos no qual escrevo todos os dias. Mas são coisas apenas para consumo interno. A escrita de textos que quero publicar acontece em períodos concentrados.
Não tenho metas diárias, mas por vezes estabeleço objectivos, como terminar um poema até um determinado prazo, etc.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não há propriamente um processo de escrita. Leio, penso, tomo notas. Quando me sinto pronto, sento-me para escrever. E depois escrevo e rescrevo os meus textos, possivelmente durante meses, até concluir que estão terminados, ou que preciso de me libertar deles.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando era mais novo a incapacidade de escrever era dolorosa, e eu tentava obrigar-me a escrever. Agora reconheço que, como um campo, também nós precisamos de período de pousio. Se não consigo escrever faço outras coisas – passar tempo com aqueles que amo, ler, ver filmes, ver séries, ver futebol, jogar jogos de computador, caminhar, etc. Escrever é só uma parte de uma vida boa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não há propriamente uma fórmula. É fazer e refazer até chegar a algo com que se possa viver. Pode sair à primeira (muito raro) ou pode levar meses. A prescrição horaciana era de guardar os poemas oito anos na gaveta, mas julgo haver um certo elemento de paródia nisso. Horácio certamente não seguia o seu próprio conselho.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A maior parte das vezes escrevo vários rascunhos à mão, que depois passo para o computador. Depende. O processo de descoberta é mais fácil quando escrevo à mão. Mas a maior parte do tempo é passada ao computador, editando o texto, cortando e acrescentando partes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tenho vários interesses e obsessões. Poesia, tragédia grega, romance russo do séc. XIX, banda desenhada, história do séc. XX, cinema, política. E todos os dias leio jornais, oiço podcasts. E falo com pessoas interessantes, que generosamente partilham os seus interesses comigo. Muitas dessas coisas acabam por desaguar nos meus textos, de uma maneira ou outra.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria “não embelezes, procura o sentido”. Diria “não desejes ser poeta, deseja escrever poesia”. Diria “deixa-te de tretas”. Mais importante, diria “procura viver uma boa vida”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro de poesia que é também um western. Gostaria, em algum ponto, de escrever um livro de banda desenhada e um livro infantil, a meias com a minha mulher.
Livro que gostaria de ler e que ainda não existe: é uma pergunta demasiado difícil para mim. Por enquanto dou-me satisfeito por explorar os limites do que existe.