José Geraldo Gouvêa é bancário, professor licenciado de história e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa às 7h30. Acordo, faço café, pedalo na ergométrica por vinte minutos, tomo banho, tomo café, escovo os dentes e vou trabalhar. Entro no serviço às 8h45 e saio às 17h45.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não posso me dar a esse luxo. Escrevo quando dá. Em geral, quando estou determinado a escrever, começo a trabalhar nas anotações de ideias, então as coisas começam a fluir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Geralmente escrevo por uma hora ou duas. Mas o mais comum é eu me concentrar por dias seguidos, no período da noite, até terminar um projeto que me empolgou. Certa vez, de férias, escrevi um romance em seis dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu geralmente só tomo notas de ideias soltas. Minha preferência é pela narrativa curta (contos e noveletas). Estas podem ser escritas (pelo menos o embrião da ideia), de uma só vez. Para mim, isto é o essencial: ter o esqueleto da história com que trabalhar. Posteriormente eu vou desenvolver a estrutura. O meu jeito de escrever é caótico: eu começo pela ideia e pelo jato criativo inicial, depois eu desenvolvo o esquema narrativo e ficho parcialmente os personagens, para não me perder na revisão. Então reviso repetidamente, adicionando e cortando elementos até conseguir o efeito desejado. Há alguns anos eu escrevi um post explicando em mais detalhes os dois métodos que eu mais uso, o “método cebola” (para narrativa curta) e o “método quebra-cabeças” (para romances).
Apesar disso, esses métodos não ficam escritos em pedra. Dois de meus romances (“Praia do Sossego” e “A Sombra na Serra do Relógio”) foram escritos pelo método cebola, pois partiram de narrativas curtas e demoraram a engrenar como romances.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não lido. Acho que isso faz parte da vida. Há autores que ficam décadas sem escrever. Harper Lee, Raduan Nassar, J. D. Salinger, José Américo de Almeida. Vários. Às vezes você não escreve um gênero porque está escrevendo outro. Vivendo outra coisa. O bloqueio não é uma tragédia. Se você realmente gosta de escrever, uma hora ele terminará, e é melhor você ter gastado meses anotando ideias que nunca desenvolveu nem desenvolverá do que ter passado esse tempo brigando com a página em branco.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No começo eu revisava muito. Ultimamente cheguei à conclusão de que o texto NUNCA está e nem estará pronto. A função do autor é escrever, o melhor que pode, e livrar-se. Se você não se liberta de seu trabalho atual, nunca poderá evoluir, porque perderá tempo consertando os defeitos de seu passado. É como querer um dia possuir um carro novo continuamente consertando o carro velho.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Exclusivamente no computador. Acredito que quando você domina uma tecnologia claramente superior, é pura besteira teimar em usar o que é obsoleto. Não sou um cara “vintage” e nem “hipster”. Não possuo máquina de escrever, não uso cadernos nem agendas e tenho uma enorme dificuldade com a caligrafia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas melhores ideias surgem quando estou conversando com outras pessoas. Tenho por hábito prestar muita atenção às histórias que os antigos contam, por exemplo. Acredito que uma história que efetivamente aconteceu é o melhor tipo de história para se contar. Pode ser que você não queira contá-la diretamente, mas inseri-la em uma outra história ajuda a dar peso de realidade ao que é apenas invenção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevi muito, mas muuuuuito mal até 2006 ou 2007. Foi somente a partir de 2008 que eu comecei a evoluir como autor. Eu nasci em 1973 e comecei a escrever ainda na adolescência, em 1989. Isso quer dizer que eu fiquei pelo menos dezessete anos da minha vida completamente engessado. Isso aconteceu porque eu escrevia poesia e tinha muita obsessão com revisar os textos antigos para ir melhorando. O resultado disso é que minha obra poética é meio incaracterística, é difícil saber que período da minha vida está representado ali. Houve duas guinadas que determinaram o rompimento desse pântano:
1. Em 2001 eu passei alguns meses desempregado e em depressão, e nesse período eu me determinei a criar narrativas em vez de poemas, para evitar que eu ficasse fixado demais em “lamber as feridas”.
2. Em 2006 eu entrei no Orkut.
De 1989 até 1997 eu só escrevi poesia. De 1997 a 2001 eu passei a também escrever prosa, mas horrível prosa. Em 2001, determinado a escrever, eu criei, meio que acidentalmente, um conto excelente, chamado “História de Amor sem Amor”. Meu orgulho com esse conto me levou a escrever mais. Em 2008 fui convidado a moderar uma comunidade de literatura no Orkut (Novos Escritores do Brasil – NEB) e conheci muita gente que, como eu, escrevia e vivia no interior. Tive minha primeira iniciação no mercado literário (meu romance saiu em 2010) e minhas primeiras experiências com leitura crítica. Foi então que eu percebi como eu escrevia mal e que caminhos havia para tentar melhorar. Em 2010 eu me determinei a escrever “um conto por semana” e aproveitei minha saída do Orkut para criar o meu blog, Letras Elétricas, que está no ar desde então. Foi através do blog que eu desenvolvi a escrita como eu a entendo hoje. Desde 2003, a poesia despareceu quase de minha vida, exceto por alguns textos que cometo bissextamente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho várias ideias empoçadas, como um ciclo de fantasia baseado na “Serra do Aterrador”, de que “A Sombra na Serra do Relógio” é uma espécie de “Hobbit” (0u seja, um texto curto e relativamente inocente, que introduz alguns conceitos). Tenho também um projeto de FC, chamado “Epifania”, sobre colonização interestelar.