José Eduardo Degrazia é poeta, ficcionista e tradutor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Desde os seis anos de idade, no interior do Rio Grande do Sul, acordo por volta das seis da manhã. Lembro que ia para o colégio de manhã cedinho, quebrando a geada dos campinhos. E até hoje é assim, depois de 60 anos. Continuo acordando cedo para trabalhar, na minha profissão de médico. Raramente escrevi de manhã, só em alguns finais de semana, quando não viajo. Sempre escrevi nos finais de tarde e durante a noite. Quando era jovem dormia pouco, ia até a madrugada lendo ou escrevendo. Agora, durmo mais cedo. Se antes escrevia mais, hoje escrevo com mais método. Escrevo sempre, desde então, aproveitando o que o romancista Cyro Martins dizia: “escrever no rabo das horas”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Apesar de acordar cedo todos os dias, me sinto melhor para escrever no final da tarde e início da noite. Parece que a atividade diurna me desperta, me deixa mais receptivo e aberto para os fluxos de consciência e práticas do escrever. Que variam conforme o que estou fazendo no momento. Escrever poesia, é claro, é muito diferente de escrever um conto, uma novela, ou um artigo. Escrever poesia é deixar que as palavras que vieram à mente te tomem de assalto. Escrever prosa é trabalhar temas que se impuseram aos sentidos e à inteligência. Precisando, às vezes, de pesquisa, outras leituras. Até o texto se estabilizar na mente e passar para o papel ou para a tela. Artigos têm, ainda mais, a necessidade de pesquisa e meditação, e ler a bibliografia pertinente. Mas não tenho um ritual especial. Gosto de ouvir música – outros autores preferem o silêncio – que pode ser música clássica, MPB, jazz. Não tenho nenhum fetiche, no entanto, ou algo que deva necessariamente fazer para começar a escrever. Só a vontade de fazê-lo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro escrever todos os dias, um trabalho de formiguinha, que sabe que aos poucos as folhas e os arquivos vão se completando com os nossos sonhos, nossas arquiteturas, nossos projetos, nossos desejos. Procuro escrever todos os dias, mas não tenho uma meta, ou quantidade estabelecida. Inclusive, quando não estou muito criativo, aproveito para reler os textos já escritos e trabalhar em cima deles. O trabalho de revisão é, também, muito importante. Escrevo mais concentrado, com, talvez, alguma meta, nos trabalhos de tradução, que em geral têm prazo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Pesquisei muito para fazer a minha novela A fabulosa viagem do mel de lechiguana que se passa no início do século XIX quando da viagem do sábio francês Saint-Hilaire no Rio Grande do Sul. Tinha lido a História, o livro de viagens do autor, as lendas e os autores gaúchos importantes quanto ao tema e forma de narrar. É um livro de regionalismo fantástico, que demandou muito tempo de pesquisa. Mas foi só encontrar o personagem, narrador, e que ele se materializasse na minha mente como um ser vivo e falante, para que a história começasse a fluir naturalmente. Além do mais, toda a bagagem que se acumulou de vivências e de estudos e leitura, é um mar que se derrama na poesia e na ficção.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me preocupo com o “branco”, nem com as dificuldades que podem aparecer para iniciar um texto, uma narrativa. Faço outras coisas, vou ao cinema, ao teatro, leio, faço revisões, escuto música. Por isso, esse tempo nunca é tempo perdido, mas tempo que adiciono como matéria vivida. Daí vem a criação, as narrativas, os estudos sobre autores e o trabalho de traduzir.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No início mostrava para alguns amigos escritores, agora não mais. Usava o jornal, ou a revista como prova, e experiência, ouvia os comentários e revisava. Hoje, uso mais o Facebook, que, nesse sentido, é quase a mesma coisa. É ver o texto num outro meio e aberto ao olhar dos outros, e do possível leitor receptivo. Inicialmente existe, é certo, alguma insegurança, que depois acabamos por vencer. Podemos até escrever pior, mas a crítica já não nos preocupa tanto. Queremos atingir, na verdade, o leitor ideal, que nem sei se, na realidade, existe.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como já tenho bastante tempo de estrada, comecei escrevendo à mão, com lápis ou caneta, depois passei para a maquina de escrever, depois para a máquina elétrica e com memória, e, depois, o computador. Mas escrevo muitas vezes em cadernos e blocos, ideias, notas, poemas, algumas vezes contos inteiros. Mas escrevo a maior parte das vezes diretamente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como já disse antes, não tenho nenhum hábito específico para começar a escrever. A não ser que a leitura possa ser considerada como esse hábito. Leio sempre, para manter a mente fluindo no território da escrita e da leitura e da imaginação. As ideias, no meu caso, vão se acumulando com as vivências e os sentimentos, e a leitura do mundo. Um dia transbordam por absoluta necessidade de expressão. Fora isso, é viver, viver muito, conhecer o mundo e as pessoas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Penso que intrinsicamente continuamos os mesmos que fomos quando iniciamos. O que muda com a maturidade e a velhice, é que aprendemos a dosar o que é importante e o que é acessório. Sabemos dosar melhor os meios expressivos que dominamos. Separar o joio do trigo, ir direto ao que mais se manifesta no cerne da narrativa ou do poema. E aprendemos a cortar na carne. Isso não quer dizer que paramos de errar. Apenas vemos mais facilmente o erro. Se pudesse dar um conselho para mim mesmo, e para outros, quando iniciantes, seria o de persistir, persistir sempre, nunca abandonar o sonho, a trajetória de escrever. Só se é um escritor quando se tem uma obra escrita e publicada. E um dia a gente tem de começar. Mesmo não se sabendo nunca onde, ou quando, se irá terminar…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre temos projetos, e o importante na vida é seguirmos adiante pensando que teremos a chance de realizá-los. Estou trabalhando uma novela e contos e poemas. Sempre trabalhei tudo junto, desde o início da minha trajetória. Gosto sempre de estar trabalhando um texto e já estar pensando num outro. É um método caótico, que não recomendo para ninguém.
A segunda parte da pergunta não faz muito sentido para mim. Nunca pensei em escrever livros que não existem, mas sim escrever livros vivos e que durem o mais possível dentro da nossa realidade mutável e não permanente.