José Eduardo Alcazar é escritor e cineasta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, por volta das seis. Depois do café, sem açúcar, acompanhado de pão e queijo, vou caminhar, cinco quilômetros, de segunda a sexta, a bom ritmo para gerar as endorfinas essências ao dia a adia. Terminada a caminhada, e quando estou com algum projeto específico, romance, teatro, roteiro cinematográfico, pego o computador, óculos, papeis, caneta e sento num café da cidade. De preferência, sempre o mesmo, à mesma mesa. Invariavelmente, chegam amigos. Para papos rápidos que servem como breves pausas. Escrevo até pouco depois do meio dia. Almoço, descanso e volto ao teclado até o final da tarde.
Depois, papos, leituras, música. BBBB, Bach, Bethoven, Brahms, Bruckner. E, claro, Mozart, e todos os demais, John Lennon, Djavan, “Maluco Beleza”, Chico Buarque, Caetano, Nara, Clara, Roberto etc. etc.
Digo que o ato de escrever compreende dois momentos, bem definidos. O primeiro é o que chamo de “caminhante”. Caminhar para ter ideias, caminhar para aliviar a tensão pelas ideais, caminhar para sentir a liberdade companheira de qualquer ideia. Caminhar. Às vezes sem pensar nada, mas, com certeza, gerando pensamentos para depois.
A segundo momento é o da “sentada”, frente à tela vazia, ou à folha em branco. Que não fica muito tempo vazia ou em branco. Se assim ocorresse, voltaria a caminhar. Em volta, indo e vindo, sem sair do lugar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Melhor pela manhã, ou melhor pela tarde, ou então, pela noite adentro. Quando houver material para escrever. O que não se deve fazer nunca é exaurir a fonte, escrever até secar o poço. Erro maior. Escrever até sentir que fica pouco, bem pouco, no fundo do poço. Esse pouco vai chamar mais, e o poço, quase desaparecido, volta a ser reservatório.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando tenho metas, quando estou em algum projeto, e sempre estou, procuro estabelecer um número de páginas por semana, semana de segunda a sexta, entenda-se.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como já disse, terminada a etapa “caminhante”, sento e começo a escrever. Sem grandes dramas, sem sofrimentos, em estado de plena felicidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando estou num projeto, não tenho que lidar com travas ou medos. Vou escrevendo, mantendo o ritmo que imponho e a coisa vai saindo, vai saindo. Um dia está viva e fora. Deixo estar um tempo, mexo, deixo, volto, mexo enquanto vou começando outros projetos. Que mais tarde serão deixados, mexido, deixados e mexidos até ficarem prontos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não há uma rotina que se repita. Corrijo, nunca muito, mostro, nunca muito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho sempre à mão, caneta e papel, noite e dia. Papel pode ser qualquer papel, muitas vezes as páginas de um livro que esteja à mão. Para anotar, ideais, frases, nomes, etc. Depois, tudo será digerido pelo computador. Meu problema com a caligrafia é que eu mesmo não entendo a minha própria letra depois de um tempo. Umas horas depois, por exemplo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ideais estão no ar, a toda hora, do dia e da noite. Chegam sem fazer barulho e às vezes ficam bem junto sem despertar atenção. Até que um fato, um som, as iluminam e lá estão elas, onde há tempo estavam.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No processo acho que nada mudou: “caminhadas”, e “sentadas”. Deixei o piso de granito de um apartamento com claras marcas de “erosão” provocadas por idas e vindas sem fim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Mil. Não, perdão, dez mil. Perdão mais uma vez: incontáveis projetos ainda não percebidos, mas que já provocam o rumor indefinido que se manifesta, dia e noite e ao contrario, que também é verdade.