Jorge Rein é poeta, contista e dramaturgo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, mas não chego a nascer antes da ducha. Durante o banho, na impossibilidade de ler ao mesmo tempo, deixo a mente vadiar pela poesia. Às vezes me acontece algum poema, que esfrego na toalha até que fique pronto. É possível dizer que a minha poética é um hábito de higiene. Depois tomo um café, espio o jornal até adquirir a indignação imprescindível para pegar no tranco e dirijo até o trabalho. Nova oportunidade de acontecer um verso na contramão dos guardas que controlam o trânsito.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro escrever na parte da manhã ou tarde da noite. O almoço corta meu barato criativo. Como raramente tenho as manhãs disponíveis durante a semana, me esbaldo nas escritas aos sábados e domingos. Ritual mesmo eu acho um esnobismo. Como diria Mario Benedetti ao descrever o ato amoroso da gente humilde no poema Ustedes y Nosotros: con sábanas qué bueno / sin sábanas dá igual.Nem o silêncio em volta para mim é imprescindível.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já me aconteceu ter que me ater à pressão dos prazos. Venho do jornalismo, onde essa é a regra. Mas, quando em liberdade, só escrevo em três circunstâncias diferentes: se preciso despejar algo que me angustia, se me interessa abrir espaço na mente para brincar com alguma história nova ou quando escrever me diverte. Como o habitual é que alguma dessas três circunstâncias se apresente, escrevo quase que diariamente. Porém, sem metas diárias, que isso é posologia e eu não estou doente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Apelo para a pesquisa, geralmente, na escrita teatral. É o fluxo do texto que determina a necessidade de pesquisas e a inclusão das notas compiladas, adaptadas à intenção do roteiro, é um movimento muito natural. Começar não é difícil, permanecer fiel ao plano original é que são elas, mas aí eu deixo me levar pela história ou por seus personagens.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procuro não forçar. Muitas vezes a aparente procrastinação corresponde, na verdade, a um projeto que exige um tempo de amadurecimento que ainda não se completou. E não adianta torná-lo temporão. Um dia a fonte volta a jorrar, ou não. Se a estiagem vira eterna, mesmo assim, alguém fica no lucro com aquela obra que não chegou a vingar. Geralmente o leitor.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No caso dos poemas, nascem prontos. No máximo uma ou duas palavras são mudadas nos ritos de passagem da mente ao monitor. Já os contos são fruto de histórias longamente ruminadas, com um núcleo central consolidado desde o longínquo início da jornada e sucessivas camadas de aderências mais superficiais, adquiridas com o passar do tempo. Cada vez que volto a visitar algum deles, altero alguma coisa. Mesmo depois de publicados, se por acaso alguém me pede para fazer uma tradução ao espanhol, com certeza essa nova versão não será totalmente fiel ao original. O meu processo de escrita teatral, por sua vez, é bastante sui generis. Cheguei à dramaturgia tarde e por acidente. Sempre assisti muito teatro e também, desde a adolescência, tomei conhecimento das principais obras da dramaturgia universal. Mas nunca tive, e não tenho até hoje, o mínimo interesse em estudar teoria ou técnica de escrita teatral. Não se trata de achar ou não importante o domínio do ofício, a carpintaria teatral. Apenas constatei, após ter adormecido inúmeras vezes lendo algum tratado sobre o tema, que não é esse o meu caminho. Meu jeito de fazer teatro, para bem ou para mal, consiste em montar um palco imaginário, fazer com que aconteça, nesse cenário virtual, aquilo que eu pretendo apresentar, e descrever, então, o que estou vendo. Por causa desse jeito defeituoso de encarar a dramaturgia, meus textos sofrem, entre outros achaques, de ume excesso de peso nas didascálias, rubricas minuciosas, subjetivas, poéticas, em que tento uma comunicação quase que subliminar com o potencial diretor. Mas, em compensação, não sou ciumento com meus textos teatrais, admitindo que diretores, atores e técnicos brinquem à vontade modificando aquilo que eu sugeri.
Com relação a mostrar meus textos antes de publicá-los, reservo o “privilégio” -e também não é sempre- para alguns familiares e ninguém mais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já faz algum tempo que só escrevo direto no computador, a não ser quando me ocorre alguma ideia, que acredito que possa ser fugidia, num local improvável, como a mesa de um bar, que oferece guardanapos em lugar de wi fi. Minha antiga resistência com relação ao uso da tecnologia foi pro brejo no dia em que decidi mudar o nome de uma personagem após ter escrito mais de uma centena de páginas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Curto um único hábito, o da observação. Coleciono imagens, circunstâncias, frases ouvidas em uma sala de espera ou num elevador. Sou um peeping tom de todos os sentidos, não apenas da visão. Procuro pelos cheiros, os sabores e os sons. E sou capaz de inventar um passado, uma família, uma história de vida a partir das roupas, do andar ou do penteado de um solitário ou de uma multidão. É um vício, não um dom.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu não me reconheço nos meus antigos textos. Talvez, se pudesse voltar a esse passado, me aconselharia a desistir. E hoje… a mesma coisa. Mas já é tarde demais, não há solução.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que eu gostaria de fazer já está pronto. Trata-se de uma troca de cartas entre Lady Jane e Sir John Thomas, “personagens” do Amante de Lady Chatterley”, de D.H. Lawrence. É uma espécie de brincadeira erótica que cometi em parceria com uma grande poeta e amiga, Adriana Bandeira. Aguardamos a audácia de um valente editor.
Gostaria de ler um livro que tivesse por título “A Irresistível Queda do Clã Bolsonaro”, e que o gênero fosse não-ficção.