Jorge Luiz Schroeder é músico e professor do Instituto de Artes da Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina que diz respeito ao meu trabalho diário na Unicamp. Sou músico (além de pesquisador) e toco em aulas de dança todos os dias pela manhã. Então acordo cedo e me preparo para as aulas de dança. Normalmente cuido dos meus cachorros (tenho três cadelinhas vira-latas), rego algumas plantas, tomo o café da manhã e vou para as aulas. Toco até o horário do almoço, depois me dedico ao trabalho acadêmico até o horário em que meu cansaço me convida para dormir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O horário em que trabalho melhor é à noite, embora quase nunca consiga manter essa preferência. Acabo tendo que aproveitar os horários vagos (nem sempre estou descansado à noite para trabalhar).
Não chamaria de ritual, mas gosto de ler bastante sobre o assunto que estou pesquisando e costumo deixar os livros que pretendo utilizar todos abertos ao meu redor, na mesa ou em volta do computador, pensando que isso facilitaria as consultas bibliográficas. Puro engano, mas ajuda a me concentrar. Para manter todos os livros abertos ao mesmo tempo eu comprei vários suportes de incenso de pedra sabão (com o formato de uma régua, só que pesados) que uso como marcadores de páginas. Eles mantém os livros abertos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu conservo apenas um desejo de escrever diariamente, mas fica só na vontade. Quase nunca consigo manter uma frequência tão estrita. Por isso tive que me adaptar a escrever “de empreitada”. Tento utilizar os finais de semana, feriados ou mesmo as férias para escrever os textos mais longos. Para textos mais curtos (relatórios, pareceres etc) acabo utilizando os horários entre as atividades. Meia hora aqui, quarenta e cinco minutos ali, e assim vai.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Então, como eu sou formado em música, na modalidade composição, eu acabo transportando para a escrita verbal alguns procedimentos que aprendi com a escrita musical. Um deles é sempre guardar ideias. Na época da graduação em composição eu andava com um caderninho de música na mochila para registrar todos os fragmentos musicais (ou melódicos, ou harmônicos, ou rítmicos, ou tudo junto) que me vinham à mente nos mais inusitados horários e circunstâncias (fazendo compras, andando de ônibus, almoçando etc). Quando ia compor, revia essas anotações e quase sempre algum fragmento desencadeava um vislumbre (mesmo que nublado) do caminho a seguir, da peça a compor.
Pois com a escrita eu acabo fazendo algo parecido. Tenho um caderno que levo sempre comigo e quando algum assunto ou discussão me chamam atenção, anoto fragmentos para ver se depois é possível desenvolvê-los. Muitas vezes surgem novas ideias para textos que já estou escrevendo. É claro que as leituras e anotações são indispensáveis, mas esses vislumbres inusitados têm ajudado bastante (embora não sejam tão frequentes quanto eu gostaria).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nossa, desses males eu sofro muito, quase sempre. O que me ajuda muito é discutir as ideias com o pessoal do meu grupo de pesquisas. Participam dele duas professoras também formadas em música com as quais eu tenho a liberdade de levar ideias mesmo que só esboçadas. Elas ajudam muito. E mesmo depois de ter escrito o texto, envio a elas para comentários. Na verdade esse é um procedimento que conseguimos inserir no grupo todo de pesquisa: todos os participantes (mestrandas, doutorandas, pesquisadoras de iniciação científica e de TCC) acabam trocando os textos e temos muitas discussões coletivas com opiniões e sugestões diversas. Isso ajuda muito a superar os entraves pessoais, embora não os evite.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes, e reescrevo também várias vezes. Mostro sim, como já respondi na pergunta anterior, esta é uma prática que adotei há muitos anos. Só para dar uma ideia, meu texto final da dissertação de mestrado foi reescrito sete vezes inteirinho. É bom lembrar que isso não garante a qualidade do texto, mas ajuda muito o mergulho no assunto e, de certo modo, o polimento de algumas “arestas” que sempre ocorrem. Esse exemplo foi um caso extremo, mas eu reviso os textos pelo menos umas três vezes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Agora escrevo no computador. Faço muitos registros de fragmentos de ideias à mão no meu caderno e nos livros com os quais estudo (tento sempre não escrever nos livros, mas nunca consigo evitar – pelo menos escrevo à lápis). Mas para escrever o texto final prefiro o computador. Uma vantagem que descobri no computador sobre o texto feito à mão é que no computador a visualização do texto já é muito próxima da visualização final. Isso me dá um grande incentivo. Já havia percebido essa força da informática quando aprendi a fazer partituras também direto nos editores de partituras. Fica tudo limpinho, regular, dá a impressão de que está tudo arrumado; para mim ajuda muito essa aparência de ordem, porque sou bem desorganizado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm sempre do meu cotidiano acadêmico. Embora eu tenha um trabalho musical nas manhãs, as tardes sempre são recheadas de discussões: ou no grupo de pesquisas ou nas disciplinas que ofereço ou nas orientações das alunas e alunos. Então sempre aparecem ideias a serem aprofundadas, exploradas, desenvolvidas, revistas. São até mais numerosas do que eu consigo realizar. Daí eu vou guardando várias delas para futuros textos naquele caderninho ao qual eu já me referi.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Não sei dizer se a minha escrita mudou. O processo de escrita, para mim, continua sendo difícil e trabalhoso (para não dizer doloroso). O aspecto em que me sinto mais à vontade agora, depois de algumas décadas de prática de textos de pesquisa, é com a fundamentação teórica. Depois de um tempo mergulhado nos autores e teorias que utilizo nas pesquisas, meu olhar para os assuntos que pesquiso já está mais direcionado. Então as questões já aparecem com um pouco mais de clareza, os caminhos para desenvolver as pesquisas já surgem com um pouco mais de segurança. E o que eu diria a mim mesmo se pudesse voltar? Reescreva novamente!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou namorando um projeto já há vários anos, que é fazer uma análise aprofundada da obra fonográfica da Elis Regina. Já consegui toda sua obra fonográfica, além de várias entrevistas e livros sobre ela. Mas acho que só vou conseguir mergulhar nisso daqui alguns anos, quando estiver com minha carga horária mais tranquila. Isso porque gostaria de me envolver nesse projeto sem nenhuma interferência, e sei que vou precisar de alguns anos livres para realizá-lo. Este é o que podemos chamar do meu “grande sonho”.
O livro? Tenho uma pilha enorme de livros “que existem” e que estou doido para ler, por isso não seria capaz de cogitar um outro “que não existe”. Os lançamentos atuais das editoras sempre me surpreendem e eu, como rato de biblioteca (atualmente sou mais rato de livraria, visto que sempre tento adquirir os livros que considero mais importantes para meus trabalhos) tento estar atualizado com os lançamentos dos autores que gosto.
Faço isso por conta de uma quantidade grande de livros que, mesmo editados há pouco tempo, se esgotam das livrarias. No caso das bibliotecas, pelo menos em algumas que utilizo aqui na Unicamp, nem sempre os livros que preciso ler estão disponíveis. Nesse caso vale o esforço de comprar um lançamento interessante, mesmo que o uso não seja imediato.
São vários os casos de alunos meus que acabam precisando ler algum livro esgotado e eu possuo um volume. Isso ajuda muito no trabalho deles (de pesquisa) e meu também (de orientação).