Jorge Henrique Romero é escritor e professor de estudos literários na Unifesspa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo. Em um de meus contos preferidos de Jorge Luis Borges (“O outro”), o velho Borges encontra-se consigo próprio, porém muito mais novo. O resultado é de estranha e radical diferença entre ambos, cada um deles é um outro. Gostaria de escrever um conto no qual me encontraria comigo mesmo numa dessas manhãs onde levanto às quatro, enquanto o “outro” está indo para casa depois de uma de suas noitadas. A estranheza desse “outro” (o boêmio) seria enorme, pois hoje possuo uma rotina que começa com a leitura de romances, exercícios de escrita e preparação de aulas para as disciplinas na universidade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
As manhãs são sempre o melhor período para escrever. Minha capacidade de concentração está a todo vapor. O ritual depende de cada período e dos projetos de escrita. Na época da redação da tese de doutorado, acordava cedo, vestia minha melhor roupa como se fosse sair para uma entrevista de emprego, tomava café e me refugiava no escritório durante todo o dia. Quanto mais obsessivo estiver com um projeto de escrita, maior a necessidade de ritualizar minhas manhãs.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento encontrar frestas para escrever todos os dias, mesmo que sejam exercícios, anotações esparsas e demais registros. Estabeleço metas diárias sempre quando estou trabalhando em projetos. Isso acontece em períodos concentrados.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo contos, ensaios, textos acadêmicos e raramente poemas. Para cada um deles há um processo distinto. Os textos acadêmicos demandam um tempo de pesquisa mais laborioso. No entanto, começo registrando um pouco as impressões, escrevendo e reescrevendo à medida que realizo o trabalho de “cavucar” os materiais.
Gosto de uma imagem presente em On writing, de Stephen King, talvez um dos livros mais recomendáveis para quem gostaria de conhecer o processo criativo de um dos escritores mais prolíficos que conheço. King compara o início de um trabalho como a descoberta de um fóssil enterrado. É preciso utilizar as ferramentas certas para a escavação, seja para um conto, ou para um romance.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação está sempre presente nos projetos de fôlego (como o do romance que estou escrevendo). Contos e poemas são escritos de forma mais rápida e intensa, como tiros à queima-roupa (para usar a metáfora mortal de Julio Cortázar). No caso do romance, é como se fosse uma morte lenta e asfixiante onde você sente nas veias o veneno pulsando, sem saber a hora que a morte irá chegar.
Expectativas e ansiedade fazem parte do pacote. Procuro não pensar muito sobre isso, mas… assim como minha amiga, a escritora Mariana Paiva, sou leonino.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o tempo inteiro. Imprimo, faço correções, volto a imprimir, envio para minha esposa ler e depois de muitas brigas, estabeleço uma versão definitiva, mas sempre ansioso para alterar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uso computador, mas ando com cadernos e gravador para anotações e exercícios de escrita. Recentemente baixei um programa para reproduzir o som da máquina de escrever no computador, mas acabei excluindo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Um dos escritores mais inspiradores é Ray Bradbury. Em seu livro O zen e a arte da escrita ele afirma o seguinte: “Toda manhã, pulo da cama e piso num campo minado. O campo minado sou eu. Depois da explosão, passo o resto do dia juntando os pedaços”.
Vivo tentando juntar todos os estilhaços desse campo minado. Eles estão em toda as partes. Encontro pedaços em poemas, filmes, situações cotidianas, romances. Quando penso que consegui recolher tudo, mais um dia começa com um novo campo minado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sempre quando termino um ciclo, penso no quanto estaria pronto para recomeçá-lo e fazer tudo diferente. Tanta coisa muda nesse processo de conhecer pela escrita e de escrever para conhecer. O fato de reescrever e revisar mais hoje é um dos pontos de mudança radical.
Um novo conto seria sobre um encontro imaginário entre o eu de agora e aquele que ainda está numa zona desconhecida do futuro. Com certeza não nos entenderíamos, mas certamente ele reprovaria o que tenho escrito e publicado, enquanto o eu de agora diria que a intuição é uma componente fundamental, sem a qual não há beleza em qualquer texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de iniciar o projeto de um romance que falasse sobre a presença da morte, mas não enquanto uma entidade, ou pensando nos desdobramentos metafísicos dela. Há excelentes ensaios sobre o tema. Gostaria de escrever algo engraçado sobre a certeza da morte, de brincar com todas as suas potencialidades cômicas, o que seria um grande desafio ficcional.
Gostaria de ler um tratado sobre a inutilidade das coisas. Uma história das maiores frustrações e dos fracassos mais estrondosos. Quanto mais penso nessas possibilidades, mais as estantes imaginárias vão acumulando essas pilhas de livros que não sei quem irá escrever. Talvez seja você. Temos aí a história para mais um conto.