Johandson Rezende é cartunista, animador e ilustrador.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, a manhã é a parte do dia que costumo ter algum ritual. Eu acordo com bastante sono e não consigo despertar sem tomar uma grande caneca de café, sem isso o dia está perdido. Depois costumo ler no mínimo dez páginas de algum livro no banheiro, e vou para o quarto para praticar pelo menos meia hora de meditação. Até um passado bem recente, por mais de dez anos, costumava fumar maconha ou beber algum tipo de álcool após a meditação, era uma questão quase religiosa para mim, achava uma coisa meio xamânica. Mas nos últimos meses tenho tentado ficar mais sóbrio e não tenho tomado nada além de café. Isso acontece porque há um ano meus pais ficaram doentes pois estão idosos e precisam de minha ajuda, algumas vezes para trocar fraldas e até caminhar, então tento me concentrar. Foi aí que descobri que a maconha ou bebida não era uma questão de vício, pois não houve nenhum esforço ou sofrimento pra ficar careta.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho uma hora do dia pra trabalhar melhor, meu processo é bastante caótico, tenho uma comichão criativa que me empurra a criar algo a qualquer hora do dia, sou aquele cara que pode levantar de madrugada porque teve uma ideia no travesseiro. Isso me faz produzir com qualquer material que tenha à mão, o que não é o ideal, mas é quase fisiológico: tenho que colocar pra fora pra ficar em paz. Então posso fazer uma tira em quadrinhos ou um desenho com caneta esferográfica numa nota de supermercado, ou bilhete de cinema. Isso acontece também com as animações, faço o que quero com o que posso e aquilo que tenho no momento, porém há uma grande disciplina nesse caos quando necessário. Se tiver algum prazo, ou alguma encomenda, meu lado virginiano se impõe naturalmente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Apenas faço algo diariamente se houver alguma encomenda com prazo, sem isso eu tenho fases, há momentos que produzo muita coisa. Aquela comichão criativa surge como uma febre naturalmente, depois vem uma fase que não sinto nenhuma necessidade de criar, somente de absorver experiências ou assuntos. Tem muita gente que acredita que a criatividade tem que ser exercitada, não sei se comigo é assim, não fico encucado de ficar sem produzir por um período. Descobri que é um ciclo, esse momento de falta de produção vai impulsionar um tesão criativo mais tarde. Identifiquei-me nas Cartas a um jovem poeta do Rilke, quando ele diz que a pessoa é artista se não conseguir sobreviver se fosse proibido criar. Eu não conseguiria, então não me forço a produzir, é algo inerente em mim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho uma fase grande de pesquisa quando necessário, costumo estudar bastante algum tema antes de produzir, posso ficar meses, ou até anos nessa fase antes de colocar a coisa no papel. Mas isso apenas quando necessário, já que muitos dos meus quadrinhos, desenhos e animações saem no fluxo de consciência, é aquela velha tentativa de domar um cavalo selvagem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo ter travas criativas, se já tive, não reconheci como tal. Já o medo de não corresponder às expectativas só acontece quando é um trabalho encomendado, mas quando isso acontece, ou a ansiedade bate, recorro à meditação, que costuma amenizar esses sintomas. Não é um método milagroso, mas ajuda bastante. Acho que se não meditasse endoidaria.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes, mas tento não demorar nesse processo porque sempre pinta alguma dúvida, um arrependimento, um retoque sem fim. O que às vezes faço é “descansar a arte”, deixar o projeto de lado por algumas horas, ou um dia inteiro, pra olhar de outro jeito com a mente mais descansada. Mas geralmente tenho que fechar os olhos e jogar o filho no mundo, afinal nenhum projeto se termina, apenas se abandona.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho um tesão enorme pelo papel, até as animações gosto de fazer no papel, só a parte das cores que gosto de fazer no computador. Recentemente tenho apelado pro computador pra colocar os textos nos balões de quadrinhos, mas até isso curto de fazer na mão. Não tenho nada contra a tecnologia, tudo é ferramenta, é uma questão de tesão mesmo, mas se tiver que usar computador ou caneta digital pra agilizar o trabalho, principalmente quando há prazo, faço tudo no computador com todo prazer.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de tudo da vida, de uma conversa, de filmes, quadrinhos, livros, emoções momentâneas, enfim: tudo! No budismo se diz que até nas mínimas coisas pode se tirar um grande aprendizado, do mesmo modo qualquer experiência pode ser semente pra criatividade. Também tenho que ser sincero e assumir que a maconha faz explodir minhas ideias, de forma alguma isso se torna um requisito, mas no meu caso é um fato.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Assim como eu, meu trabalho é um paradoxo: está em eterna mutação, mas ao mesmo tempo é sempre o mesmo. Afinal, quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas. Eu não diria nada para mim mesmo se voltasse ao passado, não teria como aprender sem errar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Adoraria escrever um livro de quadrinhos com minha interpretação pessoal sobre a mensagem de Jesus, não seria algo religioso ou sobre sua vida, seriam análises para os dias atuais. Talvez nunca faça isso porque já há muitas obras sobre esse tema, mesmo assim, acredito que seria algo único.