João Varella é editor da Lote 42, autor de 42 Haicais e 7 Ilustrações, A Agenda e Curitibocas: Diálogos Urbanos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Faço o café, pego os dois jornais que assino, vou até minha escrivaninha, escrevo uma página em meu diário, leio os dois jornais, aprendo uma lição de Alemão em um aplicativo. É o momento do dia em que sinto ter mais controle. Daí para frente tudo pode acontecer. De vez em quando, essa doce rotina é interrompida. Fico um pouco irritado quando isso acontece.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho uma hora do dia em que trabalho melhor, faço isso a qualquer momento sem grilo, sem melindre. Trabalho mal quando estou cansado. Como fui talhado em redação jornalística, não tenho nenhum ritual para escrever. Tenho preferência a ter um chimarrão por perto. Ou uísque, dependendo se o dia seguinte me permite. É, envelhecer te faz calcular mais esse tipo de coisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No ano passado, tive a meta de escrever um capítulo por semana do meu próximo livro, Videogame, A Evolução da Arte, uma obra de não ficção. Como também sou editor, agora o livro está passando pelo processo de editoração e eu estou coordenando isso. Enquanto não estiver publicado, não vou me dedicar a outro projeto que tenho. Cada livro que publiquei (a saber, 42 Haicais e 7 Ilustrações, A Agenda e Curitibocas: Diálogos Urbanos) teve um ritmo diferente, uma estratégia distinta. Até porque são propostas completamente diferentes um do outro, me transmuto para cada projeto. Não tenho leitores que seguem meu trabalho como escritor e isso é até um pouco compreensível dada a diferença oceânica de cada livro.
Escrevo um pouco para algum projeto pessoal quando percebo (ou estimo) que não serei interrompido por alguns minutos. Detesto interromper o fluxo de criação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo começa a partir de uma chave-mágica que desencadeia a narrativa. Se é ficção, saio a criar meio sem freio, faço a batucada do teclado soar como música sem olhar para trás ou para erros de português, coerência ou o que for. Confio que meu lado editor vai corrigir a parada depois. É meio doutor Jekyll e senhor Hyde nesse sentido, mas às vezes vira uma amálgama.
Hoje, por ossos do ofício, não consigo mais separar o editor do escritor, então já penso em diversos aspectos do livro ao longo do processo. A criação já não é mais simplesmente de texto.
No caso do Videogame, A Evolução da Arte e em reportagens freelance que eventualmente escrevo, tento mergulhar de cabeça na temática. Passo a direcionar meus momentos de lazer para algum tema correlato àquele assunto. Ou seja, passei a assistir filmes, documentários e ler livros relacionados a videogame sempre que possível. Também, de maneira um pouco traiçoeira, diria, direciono conversa com amigos para esse assunto. Talvez por isso eu tenha tão poucos amigos ultimamente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho nenhum desses problemas que você aponta. Geralmente, só procrastino se estou fisicamente esgotado. Medo não tenho. Não creio que ninguém tenha lá grande expectativa comigo e eu já estive envolvido com mídias de massa, onde qualquer gota fora do vaso vira um maremoto de agressividade dos leitores ou ameaças de processos das autoridades que se dizem eternamente vítimas do jornalismo. Creio que já fiquei calejado.
Projetos longos creio que os três anos do livro Videogame, A Evolução da Arte (que ainda não acabaram, e isso me chateia um pouco) é prova que lido de uma maneira ok com isso, embora esteja realmente um pouco fatigado de lidar com esse projeto. Assumir os dois papéis, de escritor e editor, não foi uma boa escolha. Foi bastante suave no 42 Haicais e 7 Ilustrações, um livro curto.
Meu atual grande obstáculo é a falta de tempo. Tocar uma editora como a Lote 42 exige muito. E tudo bem, é uma opção minha, prefiro direcionar minha energia de queixas e reclamações para outras coisas.
Agora com sua entrevista percebo que talvez eu tenha adaptado meu estilo de escrita a essa condição. Escrevo no pau, na correria, deixo a criação tomar conta por não ter tempo de ficar rateando.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende do texto. Videogame, A Evolução da Arte foram quatro tratamentos, mas aí se deve também a uma espécie de pressão que sinto dos aficionados dessa mídia. Eles não vão perdoar nenhum erro. Com isso, contradigo o que afirmei na resposta anterior, né? No final das contas, há um medo de não corresponder às expectativas…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma sana relação com a tecnologia, creio. Desligo notificações de todos os apps (exceto os financeiros), uso Google Drive e Onedrive para salvar meus arquivos. Tento sempre carregar meu Kindle, o grande substituto dos livros de bolso (e não de todo e qualquer livro impresso, como alguns pareciam acreditar). Se pintou um tempo livre, prefiro ler um par de frases no e-reader a checar notificações do celular. Às vezes, porém, é inevitável abrir o smartphone. Hoje eu faço as redes sociais da Lote 42. Lamento um pouco por isso. Depois de mais de cinco anos executando essa função, desejo passar para uma outra pessoa essa tarefa. Assim, espero, terei uma relação ainda mais saudável com a tecnologia, tomando certa distância das redes sociais.
A primeira versão de A Agenda foi perdida em um furto ao meu apartamento em Curitiba. Levaram meu notebook e desde então aprendi que o backup é básico, essencial.
Uso Evernote (muito útil para a pesquisa do Videogame) e eventualmente o Keep – o 42 Haicais e 7 Ilustrações foi praticamente todo escrito primeiro lá, para depois ser transposto para o papel e lápis, uma ideia que surgiu no meio do processo de criação.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Puxa vida, que pergunta difícil essa. Não tenho uma fonte clara de onde surgem as ideias. Creio que vêm da experiência, das experiências, do repertório que você vai cultivando e decantando ao longo do tempo. Creio ter um interesse maior na execução da ideia do que necessariamente em ter uma ideia. É uma diferença sutil, porém importantíssima para mim.
Não tenho um conjunto de hábitos voltados para isso, mas creio que o consumo de arte mantém meu cérebro em forma. Ou pelo menos assim espero.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Chavão, mas lá vai: deixei de escrever com leveza, agora tendo a sopesar tudo.
Se pudesse voltar no tempo, diria para o jovem João Varella entender um pouco mais do contexto literário, conversar com outros autores contemporâneos. Mas diria isso num tom amigável, sem imposição nem nada – o jovem João Varella achava saber de tudo e mais um pouco, costumava reagir agressivamente quando empurrado a fazer qualquer coisa… pensando bem, o João Varella de todos os tempos é assim. Melhor pular para a próxima pergunta, pois comecei a falar em terceira pessoa e daqui é ladeira abaixo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que está na fila é um livro com a história da Lote 42 – esse será nosso livro número 42, mas provavelmente terei de pular do número 41 para o 43 e reservar o número mágico. Um pequeno abuso de poder, mas tenho algum crédito nessa editora. O livro que gostaria de ler é sobre a atual cena dos gráfico-independentes. Talvez esse projeto de livro da história da editora cumpra essa tarefa. “Se você quer falar sobre os Correios, fale de uma carta”, diz uma máxima do jornalismo que gosto.