João Peçanha é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotina porque pai não tem rotina. Tenho dois filhos menores, com oito e doze anos, que me impedem de ter alguma rotina…
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho a qualquer hora do dia, desde que meu tempo assim me permita. Não tenho grandes rituais a serem obedecidos para que a “iluminação” me alcance. Aliás, não acredito em iluminações, mas em trabalho: o escritor é antes de tudo um artífice, artesão, trabalhador das palavras. Escrever, veja, é um trabalho. Que leva tempo, que custa dias e noites de escrita, que exige esforço, pesquisa e muito, muito trabalho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Ultimamente não estou conseguindo manter minha meta diária. Gosto de metas, gosto de rotinas, mas isso está meio difícil de conseguir. Procuro, sim, escrever duas ou três vezes por semana e fazer o livro em processo de produção andar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou um obcecado por pesquisas e por planejamentos. Meu livro mais recente, “Os cadernos de Matumaini”, consumiu quinze meses de pesquisa e apenas quatro de escrita. Quero dizer que eu escrevo rápido – desde que eu saiba o que vou escrever. Não gosto de começar um livro se não sei como ele termina. Gosto de ter tudo planejado, mesmo que meu projeto inicial tenha sido, ao final da escrita, completamente deturpado. Gosto de ter um plano a seguir, mesmo que ele não seja inflexível. O processo que sai da pesquisa para a escrita é quase automático, sem delongas. Se já pesquisei tudo o que devia, inicio a escrita. Às vezes eu dou uma semana ou duas de folga para me afastar do projeto, para esquecê-lo e, antes de iniciar a escrita, poder criticá-lo com algum distanciamento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido bem com isso. Projetos são projetos. Se são longos, exigem mais planejamento, sobretudo para a definição da data do início da escrita. Por exemplo, não gosto de começar um livro novo em meados de novembro, pois terei que interromper a escrita por conta das festas de final de ano. De resto, não vivo grandes dramas no processo da escrita de um livro novo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho nove camadas de revisão. Nove camadas simples que tornam o trabalho mais palatável. Antes eu fazia uma longa e completa revisão que dava nos nervos de tão enfadonha. Agora, dividi-a em nove pedaços mais fáceis de gerir. Em geral só mostro meu trabalho em curso para poucas pessoas e mesmo assim só na fase de planejamento. Assim, eu posso ter alguns críticos que eu respeite e que poderão dar pitacos à estrutura do livro, mas não gosto de pitacos no texto em si, ou seja, depois que começo a escrevê-lo. Isso já é caso para o leitor me dizer se gostou ou não…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Lido bem com todas as tecnologias de escrita. Do bloquinho ao guardanapo de botequim, do Ipad ao notebook, do smartphone ao computador de lan house. Tudo é tecnologia, tudo é possibilidade. Elas não me limitam, mas me oferecem mais chances de desenvolver o meu trabalho. Já escrevi uma peça inteira à mão, por exemplo. Também já escrevi contos em máquina de escrever, daquelas antigas. Já comecei a escrever romance em um Ipad e depois o passei para um notebook graças ao Dropbox, para depois complementá-lo com anotações que fiz em um bloco de papel numa viagem que tive que fazer. Repito: tudo é tecnologia, e eu gosto de lançar mão disso tudo. Afinal, estamos no século XXI, gente…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não há hábitos, mas há um hábito. O da observação. Eu olho gentes. É dali que tudo sai. Não só dali, mas também de livros que eu leio, de papos que eu bato, de causos que me contam. Tudo é matéria de ficção, inclusive ela própria. Às vezes gosto de voltar a textos de autores de quem gosto muito (Drummond, Shakespeare, Guimarães Rosa, García-Márquez, Ferreira Gullar, Cortázar) para me alimentar de metáforas potentes – não as copio, mas elas ficam marcadas na retina e me servem de filtro para mostrar o mundo do novo livro aos meus leitores.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Pare com essa frescura de travamentos ou de autocrítica exacerbada. Quem deve julgar seus livros é o leitor, não você. Eu travava, escrever doía. Hoje não. Hoje escrever é um processo de trabalho gostoso e prazeroso graças à constatação que já grafei aí em cima: quem vai julgar minha escrita não sou eu, mas meu leitor. Portanto, escrevo sem preocupações que não aquelas que devo ter: estrutura, personagens, enredo etc.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos em uma fila pro futuro, mas gostaria de escrever algo como o Fundação, do Asimov – a instauração de um mundo completo, novo, diversos e distante. Feito um Tolkien da sci-fi. A diferença é que Tolkien e Asimov tinham um tempo e uma paciência que eu jamais terei… O livro que eu gostaria de ler e que não existe é o livro que contaria como o mundo foi criado, quem o criou, quem é Deus, se ele existe, o que acontece depois da morte, para onde vamos e… como se faz algodão doce.