João Paulo Hergesel é doutorando em Comunicação e escritor de obras infantojuvenis.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou a pior pessoa do mundo para rotinas e cronogramas. Sempre brinco dizendo que preciso fazer um curso de organização do tempo, mas não tenho tempo para isso. (risos) De forma geral, tenho alguns compromissos fixos, como a terapia (que me ajuda a me entender) e o trabalho voluntário. Mas, especificamente, tem dia que levanto às seis da manhã e dia que acordo depois do meio-dia. Meu relógio biológico vive desregulado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A escrita ocorre quando a inspiração resolve vir. Há quem diga que é necessário trabalhar, mesmo sem inspiração, pois isso força sua chegada; para mim, não dá muito certo. Ou escrevo quando me envolvo em surto criativo, ou nada que preste sai da imaginação. Meu ritual, então, é me deixar ser dominado pela escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias escrevo alguma coisa, mas não necessariamente relacionada à literatura. Às vezes, é escrita acadêmica; às vezes, são meros pensamentos, que não se configuram como arte. Mas é importante estar conectado com a linguagem verbal, para não perder o hábito das boas relações textuais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo depende muito do que estou escrevendo. Escrita acadêmica é mais fácil, pois tem uma estrutura quase fixa (delimitação do tema, pergunta norteadora, estado da arte, objetivos, justificativa, metodologia, resultados, considerações finais); mas a escrita literária depende bastante do sentimentalismo, da aura poética. Por mais que eu costume fazer esqueletos (o que vai acontecer, como vai acontecer, quem serão os personagens envolvidos, quais serão as linhas de enredo), tudo pode mudar de itinerário após o primeiro parágrafo. Já me aconteceu de o final da história querer aparecer logo no início e, só depois, a narrativa se desenvolver. Essa é a graça de ser escritor: ser surpreendido pela própria criação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Bloqueios são tão comuns na minha escrita que já até me acostumei com eles. Se o caminho fica escuro, o jeito é deixar o cadeado ali e começar um novo projeto; às vezes, a chave desse primeiro cadeado está nesse segundo projeto. A arte tem desses entrelaçamentos. Quando os projetos são longos (escrita de um romance, por exemplo), o jeito é enganar a ansiedade: inventar capas falsas, criar histórias paralelas, mentir para si mesmo que não vai mais mexer nesse projeto, só para retomá-lo alguns dias depois. Meu processo de escrita é como um pisca-pisca que precisa ser tirado da gaveta e colocado na árvore de natal no fim do ano: fica todo emaranhado e precisa de paciência para desatar tantos nós.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão ocorre incontáveis vezes. Mesmo depois que o projeto vai para a editora, fico vasculhando o original e pedindo para fazer alterações antes de finalizar a diagramação. Para se ter uma ideia, meu livro Que presepada! (no prelo), cujo original foi vencedor do Prêmio Barco a Vapor 2018, foi escrito em 2013. E passou esses cinco anos sendo revisto e reescrito. Espero, de coração, que eu não tenha novas ideias para modificações, agora que ele foi premiado e já segue em edição pela Fundação SM, senão vou enlouquecer os editores, coitados. Nos livros que saem pela minha própria editora (Jogo de Palavras), sempre tem algo que quero mudar entre uma edição e outra: seja texto, seja capa, seja fonte. Já mudei até título! Só não mudei mesmo o nome do autor, mas, do jeito que sou, não duvido que isso aconteça. (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou quase que totalmente tecnológico: escrevo sempre ou no computador de mesa, ou no laptop, ou no celular. Gosto da escrita à mão, mas sempre que chego na segunda página de uma produção de texto, paro mesmo sem ter ponto e passo a digitar aquilo que já escrevi, para terminar na tela. Escrever nos editores de texto parece tão mais rápido, que meus dedos quase conseguem acompanhar a velocidade do meu pensamento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm dos lugares mais inusitados: podem aparecer após a leitura de um livro ou assistindo a um filme, mas também podem surgir das relações cotidianas. Tirar a roupa do varal, que é um fato corriqueiro, pode se tornar mágico se, de repente, a imaginação transformar a corda em uma cobra comprida, pronta para dar o bote. Meu principal hábito criativo, portanto, é viver.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu estilo e escrita, com certeza, modificou. Quando eu comecei, não entendi muito bem como as narrativas funcionavam: seus componentes, sua estrutura básica, os ornamentos que ela permitia. Tem criação minha que é carente de recursos expressivos; tem criação que é carregada disso. O importante é procurar o equilíbrio, seja na escrita literária, seja na escrita acadêmica.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na área literária, tenho um romance e uma saga infantojuvenil na nuvem do pensamento. O romance é sobre um garoto cuja mãe começa a namorar um senhor viúvo que tem um filho da idade dele. Ambos se tornam “irmãos”, mesmo tendo personalidades bem diferentes: enquanto um gosta de culinária e é mais tímido, o outro gosta de futebol e vive em baladas. Já a saga é uma retomada dos livros que eu gostava de ler na pré-adolescência: um grupo de jovens que investiga mistérios, no estilo Scooby-Doo. Só preciso melhorar as ideias e me organizar quanto ao tempo.
Se tem algum livro que eu gostaria de ler e ele ainda não existe… Acho que eu o criaria, viu?! Geralmente, faço isso… (risos)