João Paulo Andrade é doutorando em Filosofia pela Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre começo o dia acessando alguns jornais que acompanho (Hegel…). Acordo por volta das 7h30 e reservo cerca de 1h para o café da manhã e as notícias. Por causa da quarentena, ultimamente também tenho colocado a cara para fora de casa nas primeiras horas da manhã. Vou até a calçada, vejo o mato (o bairro onde moro é muito arborizado) e às vezes me sento uns minutos no quintal para pegar um pouco de sol. Minha rotina matinal consiste no trabalho de 4-5hrs. Tenho tentado acordar mais cedo para aumentar a carga de trabalho durante a manhã, mas isso é algo que nunca consegui consolidar. Às vezes acordo mais cedo, às vezes não. Tenho certa rigidez com esses horários porque tento cumprir sempre a Jornada de oito horas, minha pequena homenagem diária ao movimento operário. Me sinto muito bem dentro da distribuição 8/8/8. É maravilhoso chegar às 17 ou 18hrs e poder pensar que cumpri com minha meta de trabalho, um prazer que afasta a ansiedade. As 8hrs de lazer são absolutamente importantes para a minha rotina. É quando posso me dedicar um pouco à música (algo em que insisto, apesar de tudo) e às leituras mais leves, mas também são as horas que uso para cozinhar, deixar as coisas de casa organizadas, algum exercício físico e… não fazer nada (importantíssimo!!). Sempre deixo o trabalho mais pesado e urgente para as manhãs. Então… embora minha rotina tenha horários bastante rígidos, vou deslocando as atividades para a manhã conforme a importância delas. Às vezes é o estudo para uma prova, às vezes a escrita de um texto – às vezes uma leitura mais cuidadosa. Também mantenho muita rigidez com as pausas (demorei a descobrir isso, mas desde então nunca mais larguei). À cada 1h30 ou 2hrs de trabalho, me levanto da cadeira e vou de novo para o quintal. Às vezes só olho o movimento da rua pelo portão, em outras deito uns minutos na rede. Acho importante dizer que a quarentena destruiu tudo o que descrevi acima. Sempre que tento voltar à minha rotina aquele traste ameaça dar um golpe de Estado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Justamente durante a manhã – por isso desloco as atividades mais importantes para esse período e gostaria de acordar mais cedo. Consigo me concentrar melhor nas primeiras horas do dia e sinto o trabalho mais leve que em outros horários. Como se diz: depois que acordo é só ladeira abaixo. Me lembro de uma vez em que tinha de revisar um trecho do meu projeto de doutorado, coisa de umas cinco linhas. Já havia passado das 19h, mas não queria deixar para o dia seguinte. Mexi no texto de todo jeito. Tentava acrescentar algumas linhas para tornar a conceituação mais precisa. Mudava da voz ativa para a voz passiva. Lia em voz alta, não gostava. Depois me questionei se esse trecho era mesmo necessário no projeto. Apaguei toda a parte grifada e reli várias vezes. Desisti. Fechei o arquivo sem salvar e abri de novo. Apaguei todo o trecho e reescrevi. Achei péssimo, fechei aquilo e pensei: “vai assim mesmo, amanhã envio”. No dia seguinte retomei o texto assim que acordei. Substitui o trecho inteiro por uma única linha, muito mais precisa. Fiz isso quase sem esforço, como se a frase sempre estivesse ali. Gosto de me recordar desse evento, pois foi quando realmente percebi como a manhã é fértil para mim. Antes achava que não havia tanta diferença entre a manhã e os outros períodos do dia. Aliás, logo depois de almoçar minha concentração sempre cai bastante. Por isso venho querendo aderir à famosa sesta, esperando que seja possível renovar essa experiência matinal nas primeiras horas da tarde. Mas sempre que tentei, dormi muito mais do que devia…
Tenho, sim, alguns rituais antes de começar a escrita. Eles não são imprescindíveis. Já escrevi em condições péssimas, sem mesa, sem livros, apenas a cama e o computador. Há alguns anos acessei uma condição melhor, então isso não tem acontecido mais. Mas, a respeito desses rituais, só os invoco quando tenho algo muito importante para escrever (aqueles prazos incontornáveis: algum texto muito importante, entrega de projeto, qualificação, defesa etc.). Em outras ocasiões aciono apenas parte deles, algo que faço de modo meio inconsciente. Quando tenho em vista algum desses casos faço o seguinte: (i) coloco todos os livros da bibliografia sobre a mesa, com a lombada virada para mim, (ii) rodeio a mesa de dicionários, de português e de alguma outra língua que está sendo mais exigida, (iii) deixo o celular no modo silencioso enquanto trabalho e (iv) pego uma garrafa de água e algum doce para ir mordendo (já sei que futuramente vou ter diabetes). Há uma outra coisa também: tento empregar uma certa capacidade imitativa nos meus textos. Então sempre preciso pensar sobre a dicção do que vou escrever, de que modo posso apresentar melhor o que devo apresentar. Às vezes o texto inteiro tem a mesma dicção, às vezes tem várias. A estratégia que uso é ler antes algumas linhas dos autores que estou… imitando. Todo tipo de texto pode se tornar modelo para esse exercício, desde os autores de filosofia que mais leio, passando pelo modo de escrita dos meus professores e outros pesquisadores até pequenos recursos que extraio das artes. Obviamente tudo isso depende também do que estou escrevendo: não dá pra forçar elementos artísticos em um projeto de pesquisa, e mesmo artigos sobre estética exigem passos argumentativos mais bem compartimentados, claros. Tudo é questão de identificar o momento exato para empregar cada um desses recursos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Há pouco tempo atrás escrevia apenas em períodos concentrados. Quero dizer: quem pesquisa está sempre fichando um texto, anotando uma frase inesperada que simplesmente ocorre. Mas por muito tempo minha escrita diária não passava disso, uma coisa burocrática, em que no fundo não há escrita nenhuma. Venho tentando mudar isso. Há um tempo comecei a esquematizar os textos que quero escrever com muita antecedência, e sinto que isso é uma espécie de pré-atividade de escrita, um passo antes do cotidiano de quem realmente escreve. Gostaria muito de escrever o que diariamente venho esquematizando, mesmo que faça isso apenas para depois reescrever tudo. Tenho certeza de que isso contribuiria para o resultado final, quando tivesse o texto pronto. Ultimamente venho tocando um… projeto secreto, um livro de fragmentos, coisa que estou testando e talvez venha a publicar no momento apropriado. Isso tem me colocado em contato quase diário com a escrita, e finalmente tenho conseguido empregar de forma mais livre os recursos linguísticos de alguns autores que leio. Em pouco tempo fazendo isso já comecei a sentir mais fluidez na escrita, menos hesitação na hora de começar as frases. Espero não perder esse hábito que estou construindo.
Quanto às metas, sim, infelizmente preciso trabalhar com esse tipo de coisa – como todo mundo que lida com prazos. Já vivi todo tipo de situação com esses prazos: já escrevi textos de uma noite para outra, mas também já terminei artigos com um mês de antecedência. Quando se trata de projetos mais longos (qualificação, dissertação, tese etc.) tento não me ater demais a essas metas. Aos poucos vamos aceitando que é normal escrever uma página em um dia e dez no dia seguinte. O processo de escrita possui algo de muito opaco. Por duas vezes (uma em 2018, outra em 2019) escrevi textos – bons textos!! – para eventos com uma facilidade enorme. Ainda não descobri por quê isso aconteceu, o que essas ocasiões tiveram de especial… Espero descobrir logo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho muita dificuldade para admitir que a escrita do texto começou, isto é, que não posso mais dedicar meu dia à leitura e à compilação de fichas – este é meu maior problema, algo que ainda não consegui resolver. A impressão que tenho é de que as notas compiladas nunca são suficientes, e várias vezes conduzi o processo de um modo que não gostaria nunca de repetir: dediquei o máximo de tempo à leitura e reservei para a escrita apenas os últimos dias antes do prazo. Houve ocasiões em que realmente exagerei, prolonguei a fase de leitura até o limite e quase não consegui escrever o texto. É óbvio que a dificuldade para começar a escrever está ligada à insegurança, essa fobia do julgamento que ressurge sempre que se precisa produzir algum texto. Me parece que o remédio é também bastante óbvio: muita dedicação e o velho mantra “é impossível agradar a todos”. Ultimamente venho dividindo o dia entre essas duas atividades: quando já consegui admitir pra mim mesmo que li o suficiente, dedico minhas manhãs à escrita e deixo a tarde para ler uma bibliografia que pode contribuir com meu texto, mas que não é imprescindível. Ultimamente tenho empregado com mais rigor uma estratégia (muito conhecida na minha área) para realizar essa travessia da leitura para a escrita: o tal índice-hipótese que o Umberto Eco sugere em Como se faz uma tese. Planejo o texto com muita antecedência, monto cada um dos seus passos em um esqueleto muito antes de começar a escrever, quando ainda estou lendo a bibliografia. Durante a leitura se costuma perceber uma pré-figuração da ideia. Quando preciso sair da leitura para a escrita, tento fazer esse objetivo (violento e doloroso) de esclarecer essa ideia o máximo possível, dividindo ela e organizando nesse índice-hipótese. Acho que os pesquisadores todos conhecem esse procedimento do Umberto Eco. Mas o que tenho percebido é: quanto mais se leva a sério essa fase, mais fácil se torna escrever. Isso tem me ajudado a conduzir a escrita como um “trabalho braçal”, algo completamente falso – sempre ocorrem desvios… –, mas que dá fluidez à essa atividade muitas vezes difícil.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tornando consciente cada uma dessas defesas que acionamos. Meus dias de trabalho são povoados por esses momentos. O que sempre procuro fazer é percebê-los, dizer para mim mesmo que estou tentando fugir das obrigações (relembrar dos adágios de Nietzsche e Píndaro…). É preciso se policiar – com bastante compreensão e doçura, mas ainda assim se policiar. A trava da escrita – digo, realmente a trava, quando se tenta de todo modo escrever e não sai nada que preste – sempre a corrijo com revisões do que já tenho escrito. Walter Benjamin foi quem me ensinou isso (Rua de mão única). Desde que li o fragmento do livro tenho empregado essa recomendação. Além de acertar o que já está escrito, as revisões ajudam a entrar novamente no texto, recuperar esse estado de espírito de quem está escrevendo. A respeito da procrastinação… esta acho terrível!! Sofro disso após todas as pausas do dia. Não vejo solução clara, o que faço é me forçar a voltar ao trabalho. Me parece que é mais fácil evitar a procrastinação quando se está na fase de escrita do que na fase de leitura – muitas vezes a bibliografia secundária não empolga nada, mas a gente sabe que, sem aviso prévio, pode ser que o autor entregue algo valioso para a pesquisa. E a ansiedade com projetos longos também é algo que só pode ser evitado com planejamento: planejar metodicamente, definir as leituras, estabelecer metas dentro de um calendário e cumpri-las. Um olho no relógio, outro no calendário. Tudo isso deve ser feito de modo muito terno, uma relação franca consigo mesmo. Quem se pune diariamente por não cumprir prazos não é melhor que quem é o tempo todo complacente consigo mesmo. E principalmente: é preciso se ajudar mantendo parte do seu cotidiano apartado do trabalho. Não adianta nada procrastinar o dia inteiro e depois recuperar o tempo trabalhando até a madrugada.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas. Acho que nunca tentei contar. Minhas revisões duram dias, até quando se trata de textos curtos – e mesmo assim ainda encontro problemas quando os releio. Muitas vezes a revisão é concentrada nos trechos mais difíceis, especialmente quando se trata de autores que tenho menos leitura. Lembro que cometi um erro lamentável quando revisava minha dissertação de mestrado, um erro relacionado à falta de descanso, algo que mencionei na última pergunta. Foi o seguinte: fiquei tão neurótico com as revisões, estendi tanto meu tempo de trabalho, que, quando já havia anoitecido e eu estava muito cansado, todo a parte que estava sendo revisada nesse período permaneceu ruim. Não conseguia cumprir a bendita da tarefa porque que eu mesmo estava me matando para realizá-la. O cansaço era tanto que não conseguia mais enxergar nem erros de digitação. E tudo isso sem necessidade: havia tempo ainda (e se não tivesse, o que são dois ou três dias a mais?), mas eu tinha pressa para entregar o texto, queria realmente me livrar daquilo. Uma coisa que ajuda muito (mas que os prazos geralmente não permitem) é deixar o texto descansar. Muita gente que publicou suas produções mais longas diz que esse período de descanso é absolutamente importante, um certo distanciamento do texto que só conseguimos criar com o tempo. O olhar de alguém externo também é importantíssimo, algo que quase nunca tive. Na verdade, esse é um problema generalizado: as pessoas não se leem, raramente se tem tempo para ler os colegas. É compreensível por um lado. Todos estamos sobrecarregados, correndo atrás de prazos. Mas… sem fazer uma crítica ingênua ao produtivismo, me parece que a roda poderia girar um pouco mais devagar – e talvez o mais importante: uma vez que se tenha tempo disponível, as pessoas precisariam estabelecer laços, talvez formar grupos realmente voltados para a leitura da produção interna, com pessoas realmente honestas, dispostas a falar e a ouvir. Existe um quê de imbecil no que estou defendendo, porque… não dá para, como se diz, forçar a amizade. Além disso, muitas vezes quem critica não sabe pesar a mão, ou quem se diz disposto a ouvir na verdade não quer escutar. Mesmo assim eu diria para se insistir nisso. Faz falta. Me lembro sempre de alguns casos excepcionais: as correspondências entre alguns intelectuais (Adorno-Benjamin, por exemplo), a amizade – mesmo que difícil – entre os modernistas brasileiros.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sinceramente, não é das melhores. Acho que consigo me virar com os recursos de pesquisa da internet e também me dou bem com o Word. Fora isso, domino pouca coisa no computador (mal consigo fazer um PowerPoint). Tenho sofrido bastante com as tais Web-conferências (sempre detestei isso, até ontem nem conhecia o tal Google Meet). Mas agora isso se tornou obrigatório, então estou me adequando.
Vai parecer afetado, mas… uma “tecnologia” que se tornou absolutamente necessária para mim nos últimos meses foi o quadro negro!! Durante toda minha graduação, sempre que encontrava uma sala vazia na universidade, me enfiava lá dentro para estudar. Por anos fiz isso (a biblioteca não era muito grande, às vezes não havia mesas livres e também fazia muito barulho). Daí comecei o hábito de procurar salas vazias, descobri algumas que ficavam vagas durante a tarde toda. Passei a frequentar elas, e daí usava os quadros. Fazia esquemas, mapas conceituais, anotava um monte de coisas naqueles quadros enormes, puxava flecha pra lá e flecha pra cá (o que geralmente fazemos nos caderninhos de anotação). Recentemente comprei um para o meu quarto de estudos, obviamente muito menor (ainda vou ter um daqueles…). Desde então uso o quadro para esquematizar o texto (o que já mencionei acima) e percebi que me ajuda muito visualizar essa macroestrutura enquanto estou escrevendo – desse jeito mesmo: um olho no esquema, outro no texto. Acho mais fácil enxergar como melhorar os passos do texto, perceber onde há lacunas que devo cobrir, onda há excessos etc. Escrever se tornou um exercício de observar meu texto redigido e o esquema do quadro negro – às vezes o quadro corrige o texto, às vezes o contrário. Quanto à redação do texto, sempre faço ela diretamente no computador. Gosto da sensação de olhar o texto na página, o que seria muito difícil se escrevesse à mão pois sempre faço muitos cortes e correções. Mas fora a escrita do texto, toda minha preparação acontece fora do computador, só migro para ele quando realmente chegou a hora de escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Essa é difícil responder. Não sei se tenho exatamente um hábito para me manter criativo. Não sei bem se consigo apontar algo do meu cotidiano que seria absolutamente responsável pela criatividade. O que eu poderia dizer é: todo esse conjunto de atividades que descrevi acima – o trabalho metódico, o descanso e o lazer junto de um certo ócio produtivo – tudo isso faz parte de uma rotina que cumpre um papel importantíssimo e que me esforço muito para manter. Sempre que consigo empregar essa rotina no meu cotidiano tenho muita criatividade e produção. Mas essa situação que descrevi é na verdade um equilíbrio difícil (até agora, impossível na quarentena). Frequentemente minha rotina oscila, e daí entra a parte de negociar consigo mesmo, revisar as metas, repetir para mim mesmo o quanto tudo isso é importante etc.
Mas… se tivesse de dar uma resposta mais firme à pergunta, diria o seguinte: o que me mantêm ativo sempre foi transitar por diversos meios. Se houver algum hábito que desempenha papel preponderante, com certeza é este: me deslocar da filosofia para a música, da música para a literatura etc. Ou mesmo entre autores e problemas muito diferentes dentro da filosofia. Como a academia implica especialização, tudo isso é feito nas horas de lazer. O que não significa continuar estudando quando se deveria estar descansando: às vezes uma boa conversa com um amigo já provoca esse deslocamento, às vezes assistir a uma palestra, a um filme ou ir ao teatro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que… depois de amadurecer um pouco, comecei a tomar consciência do processo de escrita, de tudo o que a escrita envolve. Estou me referindo a tudo o que já mencionei acima, mas também aos procedimentos pré-escrita, como o fichamento e o esquema, ao estudo de gramática, ao estudo de línguas estrangeiras (essencial na minha área), à leitura cuidadosa do texto, à preocupação estilística com o fraseado, à dicção preponderante e como o texto tende a aparecer para o leitor, isto é, que recepção tende a causar. Tratando especificamente do processo de escrita, eu diria que meu amadurecimento começou quando decidi levar as formas a sério, a me esforçar para compreendê-las bem (saber no detalhe o que é uma conferência, o que é uma comunicação, um artigo, uma dissertação etc.). Ainda não consigo executá-las bem. É difícil controlar todos os elementos que elenquei. Na verdade, quase nunca me sinto seguro em tudo o que me referi, há sempre alguma coisa, algum trecho, com que não fico satisfeito. Uso os prazos como pontos finais compulsórios à neurose que é escrever.
Se pudesse voltar no tempo, tentaria acelerar o estudo de todos esses elementos que escrevi acima. Nunca fui um estudante ruim de escrita nem de gramática. Também empreguei desde o começo da graduação algumas técnicas de apoio, como o fichamento (os cursos de Filosofia sempre tem uma disciplina nos primeiros anos para nos ensinar essas coisas). Mas, por algum motivo, demorei a perceber como usar esses elementos para potencializar a escrita. Por exemplo, não era mal de gramática, mas não mantinha um estudo mínimo para relembrar o que sempre esquecemos (hoje faço isso, vivo por aí com livros sobre vírgula, crase, estilística etc.); produzia minhas fichas como todo estudante, mas não as fazia muito bem e faltava inteligência na hora de usá-las para escrever o texto; me preocupava pouco com as formas (isso na verdade é algo difícil, algo que realmente só se aprende sozinho), deixava o texto correr um pouco solto. E… para apontar algo bem detido, diria a mim mesmo: “rapaz, use uma linguagem mais econômica!!” (meu texto era muito carregado, o percurso dava voltas desnecessárias).
E ainda vou acrescentar uma pergunta que você não me fez, sobre o que aquele escritor mais jovem diria a si mesmo se o encontrasse como está agora. Eu gostaria de ouvir o seguinte do escritor mais jovem: “nunca abandone completamente a espontaneidade e dê um voto de confiança às suas impressões do texto que estiver lendo, ainda que toda uma bibliografia te diga o contrário”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de iniciar um projeto de tradução de poesia. É algo que vou cumprir no momento apropriado. Tenho alguns autores em mente, até algumas seleções já elaboradas. Mas essa é o tipo de tarefa que exige tempo e muita dedicação. Por ora vai permanecer como projeto. E gostaria de ler um livro que desse conta do fascismo contemporâneo. Há coisa boa aparecendo agora, mas falta uma figura de peso, algum teórico do tamanho de um Freud para realmente conseguir tematizar isso.