João Henrique é artista visual.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Cara, primeiramente, obrigado pelo contato e pelo espaço! É um prazer!
E sobre a pergunta… Bom, no momento atual em que me encontro, eu costumo acordar cedo, sim, por conta da faculdade mais o home office, mas até quando não tenho aula ou não trabalho eu escolho acordar cedo também. Tenho uma relação com o Tempo que se desdobra em muitas áreas do meu fazer artístico… Ainda assim, gosto de fazer com que as coisas rendam, sempre me vi organizado pelos afazeres e buscando organizar os mesmos também, mas nada me impede de bagunçar tudo, sabe…
Tem aquele movimento automático de tomar um banho assim que levanto e, como parte de mim, buscar o Sol – e aqui já falo de outro tipo de banho, aí normalmente como uma salada de fruta antes do próprio café no café da manhã, ora ou outra pego um livro pra ler algumas páginas, tem dia que dou uma corrida pela manhã também… E depois disso as coisas engrenam de acordo com as prioridades e demandas. E, enquanto te descrevo tudo isso, é estranho pensar em rotina e como ela molda muitos comportamentos que se automatizam de uma forma muito sutil, né? A percepção sobre essa descrição se torna incômoda quando você não percebe muita novidade no mesmo, na simplicidade das coisas que te cercam, das pessoas que convivem com você. E como esse mesmo, por ser o básico, se torna novo em outro ambiente – como uma semana na praia fazendo essas mesmas coisas – só por estar em um local que faz com que você se atente a mais percepções sobre ele. E, para além das possíveis respostas que posso te dar, acredito que seja bom perguntar sobre como o dia se começa em nós, porque a rotina cansa, independente do lugar, a gente que busca a madrugada no amanhecer, o frescor da tarde no fim da noite, o próprio dia enquanto ainda dorme… É sobre isso, acredito, ter uma rotina mas não deixar com que ela tenha você.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Queria saber também (risos)… Queria que tivesse fórmula, mas se tivesse talvez não a usaria. Eu gosto do fim da tarde, da própria noite até a madrugada encontrar o dia novamente mas, pra facilitar, eu não me fragmento a horas e momentos, eu sempre me pego pensando sobre algo, anotando uma frase que alguém me disse em uma conversa, em uma aula, algo sobre alguma música que ando escutando, alguma ideia que vem, uma reflexão… E aí que tá, mano, toda hora é hora! Romantizar demais esse local de trabalho com o próprio fazer acaba tirando todo tesão pela coisa. Tipo, compreendo que há momentos e momentos, questões e questões, tudo depende, eu sei… Mas sigo uma ideia de que você tem que tá fazendo, sempre que puder e de forma prazerosa isso a que se destina, sabe? Não tem hora, não tem receita, tem que ter brio e encarar isso com a mesma potência que se encara as questões da vida – sendo estas as mais fáceis ou mais difíceis – e, aí sim, você cria e compreende seu fluxo com e para a coisa. Porque no final é tudo sobre fazer algo, independente de como você nomeia isso. Não sou cético, pelo contrário (risos), mas não me prendo a uma ideia que mais pode me aprisionar do que me libertar. Acho que vale tudo, conforme seu sentir…
Mas para diminuir a distância entre o dito e o feito, meu “ritual” é sempre com música e uma garrafa d’água como fiel acompanhante do processo. Sobre as músicas, aí é variado demais, mano… A lista é grande! Mas de preferência aquelas que só tenham o instrumental como presença maior do som, nossa voz interna já preenche muito espaço do mundo, né!? Ah, tenho há um bom tempo o hábito de ter sempre um caderno por perto, apenas. Já se tornou parte do corpo e já me é prático recorrer a ele em qualquer tipo de situação, essa relação que se cria com o caderno e toda áurea que ele possui é algo que sempre me atraiu e se dá de forma muito natural… Mas sem apego à algo específico também, sabe, anoto onde posso e com o que tenho.
E diria que é por aí… Só busco diminuir a distância entre essa específica “hora do dia” e o dia todo… Aí, tudo se torna ritual e, novamente, toda hora é hora…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Mano, a frequência/presença da escrita em mim e no meu dia foi aumentando de forma muito natural mas muito intensa, por uma série de fatores e questões – que não sei se cabem aqui. Atualmente venho escrevendo todo dia, desde frases soltas, ideias de projetos, reflexões, prosas, poemas… E, voltando um pouco na pergunta sobre o ritual, comecei a perceber que domingo e segunda têm sido dias que me cativam à escrita, e já faz um tempo isso, engraçado… Sobre isso de escrever todo dia, tem uns sete/oito meses (você me fez parar pra pensar aqui). Tem dia que sai muita coisa que gosto, outro dia sai muita coisa que não dou muita atenção, tem dia que só escrevo ideia solta, vai variando, mano… É muito amplo o leque pelo qual eu busco tá me expressando – tendo a palavra como base – mas o resumo é que tem uma consistência e entrega sim, como se fosse uma responsabilidade, mas sem meta (risos).
E aqui a gente entra num local importante do papo, como se complementasse tudo dito e, quem sabe, aquilo que será falado também… Isso de meta, com a escrita, eu nunca tive e jamais pretendo ter. Sei que a partir do momento que a gente “nega” algo já tem aquela psicologia reversa que tudo entrega, né (risos)… Mas falando sério, com a escrita, sempre foi uma relação desapegada mas de total entrega. Talvez seja por isso que flui de forma tão intensa e se retroalimenta em tudo que toco, em tudo que faço, pelo que sou e onde estou. É algo que me cativa, como já disse, me promove e me instiga. Tá vendo!? Tem hora que até rima (risos). Sim, compreendo a potência e força disso, ainda mais agora que começo a optar por essa ser uma das minhas linhas poéticas atuais em foco para desenvolvimento, mas ainda é leve – como se fosse uma criança com responsabilidade de gente grande, não pelo peso que a palavra carrega mas pela leveza que ela traz – e sem pressão. É automático, eu sinto antes e penso depois, ao contrário de outros fazeres artísticos que me coloco, sabe. É muito basal essa relação com o ato de escrever, sobre o que e para quem. Pra mim, minha única meta é não ter metas (risos). A demanda cresce e as ambições também, mas que esse local da escrita sempre seja uma amiga que possa me acolher sem julgar e, principalmente, sem fazer com que eu me julgue, entende…
E, mano, se eu passo dias sem escrever, tá tudo bem… Tô escrevendo através do que falo, do que desenho e pinto, daquilo que penso e observo. A meta é sempre o dobro da própria (risos) e de pouco em pouco a gente concentra muito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Vish, mano… Aqui você abre um mar de interpretações para diversas linhas de resposta, mas vou tentar modelar bem, prometo. Sobre o processo, sinto que já falei bastante até agora, mas gostaria de pegar aquele momento sobre a escrita se tornar eixo central do meu fazer artístico. Vamos lá… Eu curso Artes Visuais e, pra alguém que está sendo bombardeado por referências constantemente, é prático – por mais que complexo – adentrar diversas questões relacionadas ao fazer e se permitir ao desdobramento natural disso, a esse fazer que é puro teste, sabe (parabenizo aqueles e aquelas que, mesmo nesse expandir, já enxergam de forma clara o “carro-chefe” do seu fazer…). E isso de tá fazendo muita coisa e fluindo nessa tensão material sobre técnica e conteúdo diversos sempre me chamou e sempre foi de grande prazer, até antes da faculdade… Mas há um ano eu estava sentindo que queria afunilar a pesquisa e extrair muito de um só lugar!
E, mano, recentemente eu virei uma chave – ainda se encontrando em rotação – que foi o fato de que a escrita, esse pensar poético através do divagar e, claro, do ato próprio da escrita, sempre foi esse eixo, essa base que eu buscava pra esse momento com essa questão que te apresentei. Resumo: Minha arte é uma árvore. A escrita é o caule e os galhos são as diversas áreas pelas quais eu posso ramificar e ressignificar essa escrita e, para não deixar de lado, as raízes são os pensamentos/sentimentos que vão para o tronco (escrita). Então, sobre tudo isso que a ideia de “pesquisa” carrega, essa seria a atual resposta. A escrita é o próprio projeto, a própria ideia e forma, mas também se torna parte/conteúdo, ela se complementa mas é completa por si.
E, no sentido mais técnico, sendo um projeto, uma tela ou só mais um verso, tem um pensamento (info)gráfico por detrás disso tudo, tem um conceito como justificativa, tem um destrinchar relacionado ao material, tem jogo de palavras-chave como mapa semântico, se assim posso te dizer… E, ao mesmo tempo, tem nada disso porque depois que você solta ao mundo não é mais seu tudo que pensou que construiu, né (risos)! Mas o que tem sido mais divertido é revisitar muita coisa escrita e expandir esse local que sempre esteve só com e para o texto e potencializar em outra camada de interpretação visual. E a dinâmica é essa, uma mistura de tudo, sempre coletando e buscando estar atento a essas notas. Mas, para além de todo esse movimento, eu busco tá no meio dessas provocações e pra ser compilado pelas mesmas antes de tudo, sabe? É um caminho inverso de apaziguamento, onde se busca o conflito com o processo através do seu fim e não do seu começo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Mano, por eu me encontrar fazendo muita coisa – e uma das principais é seguir escrevendo – eu não frito muito em me ver travado e “sem função”, por mais que tenha dia que eu me veja fazendo nada e só queira deitar no sofá pra curtir esse nada. Eu meio que tirei esse peso já. Tem sempre essa cobrança eterna sobre algum tipo de fazer, né… É foda! A gente é só peça do sistema que retroalimenta o mesmo, vai vendo… Tem que fazer, mas além de fazer, tem que fazer bem, e além de bem tem que agradar para ser visto como bem e por aí vai (risos)… Sei lá, falo isso tudo como mais um ser humano que reconhece o “X” da questão mas ainda cai no mesmo. É o lance da rotina, um dia após o outro, mano… Trabalho, sendo pra você ou pra alguém, é jogo de xadrez… E eu nem sei jogar xadrez (risos).
Além dessa questão mais social que a própria relação com a coisa e as pessoas, é prático – pra mim – ver que o ócio é importante, que é complementar da mesma forma que o Sol é para a Lua, sabe? É o rolê da balança, mano… Tem que pisar pra ver o peso mas não pode folgar tanto porque aí sobra nada para comparar. E isso só vem fazendo e encarando esse processo de entrega e demanda – antes de tudo – com você mesmo… Aí o “resto” é lucro.
E aí entra isso da expectativa, mano! Basicamente, é desejo em prol de alguma satisfação, né!? Mas como você goza com algo se não sabe sobre seu funcionamento? Ou melhor, como você busca prazer se não sabe como você funciona? Bom, já pegou a visão, né (risos)… E – nessa linha de reconhecimento – como já falei, a escrita ainda é confortável ao ponto de compreender o que ela é e o que eu sou com ela e para ela, como uma via de mão dupla, sabe… E você fala de medo, gostei disso! Eu tenho medo de não me ver feliz com isso, tenho medo de não sentir mais esse tesão pelo simples que é simplesmente escrever, tenho medo de não querer participar de conversas como essas, tenho medo de não ver prazer em palavras soltas ao vento que formam um tornado em encontros como esse… É mais sobre isso, sempre foi e sempre vai ser, a treta é sempre interna! Eu me cobro, mas não cobro a outra pessoa… “Quem sou eu na fila do pão?” Nem se eu fosse o próprio pão (risos)! Mas o rolê, ao meu ver, tem que ser esse de acreditar no seu, de seguir fazendo, de apoiar quem tá na mesma pegada que você, de compartilhar com quem divide de um olhar puro e sincero, e não por caridade mas por paixão mesmo, sabe… Quando começa ir pro mundo e o mundo começa a te puxar você vai entender o que é seu e o que é o do mundo. E o maior projeto é esse: Se escrever em vida compreendendo sempre como você vai se ler e não como vai ser lido. Tem quem lê e nada interpreta e tem o oposto também, sabe?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Essa pergunta varia de resposta dentro de cada situação criada em palavras. Mas meu fluxo, principalmente quando se vivia pelas ruas, na grande maioria das vezes era – e ainda é – com e para o momento. Busco sempre o ato de escrever e tudo que ele pode me trazer é consequência que vejo quase sempre depois, sabe… Agora por estar direto em casa e tendo um ambiente específico para todo e qualquer tipo de produção, percebi que a escrita ainda surge desse local explosivo, somente com um sentido: seu “fim”. Mas, como disse, de acordo o propósito da escrita e do tema que abordo tem, sim, uma revisão, um refinar, aquela “lapidada” – tanto em ortografia quanto no fluxo de leitura mesmo. Confesso que sou meio encucado com isso, é como se olhar no espelho e nunca se ver por completo, né? Depois que se partilha tem sempre algo que passou batido e já nem falo mais de ortografia, é mais de interpretação mesmo, de como sua escrita se transforma e se recria em outras leituras. E sobre isso da ortografia, é o que te disse agora há pouco… A interpretação muda conforme o compreender sobre o que é, de fato, ler. Quem foca muito em concordância nem sempre passa a mensagem com cuidado igual.
Acredito que pelo fato de ainda ter muita coisa reservada comigo, meio que ainda distante do mundo, tem um zelo por tá sempre lendo e relendo aqueles versos que nos escrevem, sabe? Aqueles que são de momentos especiais – apesar de fazer de tudo especial (risos), tem esse prazer em revisitar esses momentos através da leitura de algo que “já foi”. Mas aí quando vejo já tô escrevendo mais e mais… Diria, parafraseando meu pai, que também sou um grande saudosista. É meio que aquela ideia de que “Se eu não me ler, quem vai!?”
Sobre isso de compartilhar, mano… Tenho invocado mais esse local da escrita na própria fala e verbalizado os versos na rotina e tá sendo um movimento lindo! É um puta processo se evocar no mundo, né? Tem um professor (Salve, Uly!) que já me tatuou uma frase no peito: “A imagem é palavra. E palavra ensina!” E tenho pregado isso, em ato, além da escrita. Isso de partilhar com pessoas, sendo elas íntimas ou não, família ou não, não é esse o ponto… É mais sobre pregar isso em você, em acreditar em você e também absorver essa própria observação sobre partilhar o que faz, sabe, mano!? É se ver mais íntegro entre o que é o que faz, ciente de ambas as partes. E é lindo ver a potência disso quando cruza aquilo que é você e chega na outra pessoa! Quando me pergunta sobre mostrar trabalhos eu compreendo que é sobre me mostrar, sendo publicados ou não, porque se eu seguir essa linha de pensamento, basta apenas uma pessoa para ela se tornar meu mundo para me publicar nela… Por mim eu recitava para cada pessoa que cruzasse meu caminho algo, sendo meu ou não (risos). As pessoas precisam da palavra, mais do que nunca…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Vish, mano… Minha alma é de ancião (risos). Dou risada, mas é um fato, mesmo sem saber quantas voltas já dei por esses planos aí. Mas uso e abuso da tecnologia sim, mas se não fosse por aí já estaria – assim como todos nós estamos – sendo usado e abusado pela mesma, então, só seguindo o fluxo, né. Mas, como disse, além de saudosista sou meio (bastante) rústico (risos). Sou o cara dos diversos caderninhos – um para cada tipo de coisa, das anotações em vários tipos de papéis e, ao mesmo tempo que já me sabotei não enxergando outra possibilidade de desenvolvimento em algo por um meio mais prático, como o tecnológico, gosto dessa relação com as manualidades, com uma memória com o mundo em sua relação física, na visualidade com e para as coisas em forma… Tem algo aí que a tecnologia não consegue suprir, pelo menos pra mim. Eu escrevo onde dá e com o que tenho, já te falei, um exemplo clássico são os pensamentos quando o sono tá vindo e aí é prático ter o celular pra jogar tudo ali e nada perder.
E por fazer bastante coisa, ainda mais agora em home office é automático estar sempre em contato com alguma ferramenta do meio digital e, não minto, é tudo instantâneo e potente em proporção igual aos pensamentos que se projetam dentro da gente, né… Principalmente se for algo mais trabalhado, falando de texto mesmo, prosa e até poesias mais estruturadas, é mais confortável ter um editor de texto, uma máquina (literalmente) para desenvolver a ideia, ter mais referências, mapear mais possibilidades de estrutura e construção de forma mais detalhada. Tudo tem seu positivo e negativo, mano… Mas sempre volto pro papel como quem volta pra si, preservo meus olhos!
Um movimento que pratico bastante é transpassar escritos do caderno para uma pasta onde guardo os escritos, tem também muita coisa do Whatsapp (aquele grupo que só tem você, tá ligado?) que sempre tô jogando no papel ou nessa pasta também. Essa pasta não guarda tudo que tenho escrito, quem dera (risos). Tem um pouco de tudo em muitos lugares, tanto físicos quanto digitais, por mais cuidado que tenha em arquivar grande parte disso de forma clara pra mim mesmo. E tudo bem também, melhor no mundo perdido pra, quem sabe, encontrar alguém do que sem essa emoção do encontro. No final, as coisas vão se encontrar e mudar de local de acordo com sua intenção, o importante é elas estarem sendo registradas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Só pergunta sem resposta, ein (risos)!
Ah, mano… Bom, primeiramente, se as ideias vêm de algum lugar elas já não são minhas. Sigo uma linha de pensamento de que nada se cria, tudo se transforma e nada se estraga, tudo se conserta. As ideias são interferências do mundo no próprio mundo que a gente é e se torna constantemente, é um meio (literalmente), apenas. Poderia te citar referências, tanto “famosos” (esse termo é engraçado) quanto mais pessoais (que também podem ser famosas – para mim), te mapear locais, situações… Pô, mano, amanhã já vai ser tudo diferente, ou parte disso, mais como complemento do mesmo, aquela legenda em eterna formação, tá ligado!? Ao mesmo tempo que as coisas estão simplesmente por aí prontas para serem coletadas, acredito sim que tem que ter um movimento da nossa parte com e para isso, como um “treino”, um movimento que pode se tornar constante e mais fresco, mais volátil e aí a gente já vai para aaquele papo de “fomento à criatividade”, né… Tipo, não é dom e não tem essa de esperar sentado, em determinado momento com determinada roupa e blá blá blá, ao mesmo tempo que nem sempre se consegue o que se espera movimentando o mundo e correndo atrás. É louco, mano, a ideia vem quando você se esforça mas também aparece quando você tá “desligado” pra ela. É como a sombra, sempre presente mas nem sempre se revela como é. Enfim, é preciso estar atento – ou não, se você tem essa necessidade de criação invés de repetição. Não tem fórmula e se tivesse não seria o que é, mas tem como instigar.
Conversando com uma amiga, um dia, ela me disse: “um artista tem no máximo uma grande ideia na vida, no máximo duas. E uma ideia só se mantém como ideia enquanto você não a resolve, e, mano… Isso me trouxe uma impotência ao mesmo tempo que me promoveu a vida! É sobre isso, além do rótulo e tudo que traz o termo “artista”, nós, como seres humanos, temos como base esse pêndulo, de ação e reação, pergunta e resposta, pensar e agir, entre a gente e com as coisas ao nosso redor. É sobre isso… O fresco da ideia garante um desconforto de proporção igual à zona de conforto em relação ao que nos é ativo, digo, é mais prático se ver angustiado mas se movendo em prol de algo que lhe promove uma certa ideia de sentido do que o oposto, a inércia. É sobre utopia, né… O que move.
E, mano, sempre quero tá lendo mais, vendo mais filme, fazendo mais e mais… Foda, né!? O ar dos tempos… Mas isso é uma parcela de tudo e mais um pouco que me serve como ideia. A ideia tá sempre em como você a vê e não em como ela é. É como o amor… Fico te devendo essa, mas se você encontrar algo primeiro, chama nós (risos)!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sinto que aumentou o aprofundamento sobre os temas de determinado assunto, o frescor com e para o entorno – no sentido de sensibilidade, aquela coisa do tempo de resposta com os fatos, abri mão de certo perfeccionismo e busquei compreender melhor as outras possibilidades de escrita, compreendi melhor sobre a simplicidade da beleza que é muito rica quando se fala mais com menos (uma espécie quase de apaziguamento anárquico) e tudo expande e potencializa… Muita coisa, mano, agradeço por essa pergunta agora, me leva a refletir muito sobre, aquele clássico filme que passa na nossa mente, né… Sinto falta dos versos mais políticos agressivos, pautados mais em rima mesmo, mais agressivo, praticamente aqueles que pensava, escrevia e até cantava como Rap mesmo, jogava umas batidas e desenrolava… Mas isso não era externalizado com outras pessoas, se eu ainda rimo, tiro uma onda improvisando algo, é com pessoas muito íntimas. Isso é engraçado, esse lance de rimar sozinho, frequentar batalha de rima (como espectador) me ajudou e ainda ajuda a desenvolver qualquer tipo de escrita! Tem haver com o tempo de resposta, o flow (apesar de ser mais do conteúdo), com o real improviso, com a conexão de universos semânticos e por aí vai… É flertar com a língua constantemente – peita larga de vocabulário íntegro (risos) e ainda tiro onda ora ou outra, sempre bom um boom bap, né… Mas acho que foi uma fase, assim como qualquer outra e fico tranquilo por entender que isso pode voltar, de forma mais madura e profunda, fluo bem perante as mudanças constantes. Cada momento da vida traz um tipo de processo, né, normal… Mas é gostoso observar esse destrinchar, esse volume, e esse cuidado com o volume não ser só volume, tá ligado? Um dia escrevi que tem gente que só dropa palavras nas linhas, mas tem gente que dropa sentimentos, e busco ser esse segundo tipo de pessoa. E isso, eu não diria que mudou, mas se reforçou! É algo que já foi até entrave, aquela autoanálise/autocobrança, sabe, mas hoje tem seu lugar bem esclarecido e uso como arma de ataque – no melhor sentido, sentido tão bom que tudo defende. Acredito que toda palavra tem poder, ensina mesmo, tem que saber usar, é tudo vibração, né, mano… Tem que entoar coisa boa por aí, alterar as frequências já que somos a própria. E isso, atualmente, me traz a esse local de fala onde – literalmente – quando digo fala é sobre verbalizar o que escrevo, me colocar como protagonista do que escrevo e do que vivi como reforço da escrita, se torna mais performático e intimista com e para quem me destino a ler. É um movimento muito ligado à autoestima e entendimento/aprofundamento sobre as camadas do meu produzir e sua reação – em vida – com o mundo. É bonito e tem me promovido a essa intensidade do seu desdobramento. Ainda assim, é claro que é de responsabilidade igual.
E o que eu diria pra mim mesmo no começo de tudo? Pô, mano… Acho que mais do mesmo, tá ligado… “Escreva sempre que puder e se parar, que seja só pra virar a folha, trocar a caneta, apontar o lápis… (risos)”. Só seguir escrevendo mesmo, expandindo esse cuidado com e para a própria palavra ao ponto dela se ramificar em outros meios. Sinto que muito do que fui enquanto escrevia foi por conta de ter muitas extensões de mim, em diferentes formas, já me ditando – diretamente ou não – isso que eu poderia falar hoje com sua pergunta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
E se eu te falar que gostaria de fazer algo que não se iniciou estaria mentindo pelo fato de que só de pensar já me desencadeia a ideia de começo sobre algo, né… Tem muita coisa sendo movimentada, para além do pensar, claro, e que se movimenta com o tempo – o meu e o do mundo, mas posso te contar que tem a vontade clássica de lançar um livro (ou mais de um) até os trinta. E aí poderia te citar diversos temas mas tem dois que me despertam o desejo e atenção (por já estarem em processo de formação natural antes desse próprio desejo) que é um sobre e para minha mãe, abordando não só ela como personagem central mas minha família como unidade e outro que seria uma espécie de diário de processos relacionados ao fazer artístico, o lado mais pessoal e íntimo de quem produz (no caso, eu), sabe… Como um olhar verdadeiro e transparente para obra antes de sua finalização. E esse último desencadeia diversas ideias sobre livros que questionam o próprio termo “livro”, seus possíveis tipos e toda sua materialidade e interação… Tem muita ideia guardada, bem estruturada já, conforme o desenrolar dos próximos capítulos elas virão à tona, ou melhor, eu os trarei. Fora isso, tô falando que é muita ideia (risos), tem uma par de protótipo de fotolivro conforme produzo essas fotos para serem lançados quando possível, tem um livro-objeto pesado (literalmente) – que surgiu neste período de faculdade – com protótipo e tudo para desenvolvimento também, pautado na sua interação manual e liberdade de interferência de quem o possuir… E sempre me vejo fazendo parcerias com amigos e amigas sobre diversas questões e temas, mantendo esse fazer múltiplo artístico e fomentando a arte e apoio local entre nós… Mas esse último, acredito eu, é o mais próximo desse “ainda não começou” que perguntou.
E daora essa última pergunta sobre o livro…
Mano, espero poder ler um livro que seja escrito em mim e não por mim, desses que se folheiam diariamente, conforme os encontros que a rotina e ausência dela nos presenteia, sabe… Espero ler um livro que nunca esteja pronto para não ter final, sobre se feliz ou triste, aí é comigo, mas que não termine, que seja eterno dentro de mim ao ponto de se eternizar em outras pessoas também, como encontros que nos visitam em pensamento e sempre guardam o frescor do passado. Espero ler um livro que exista em cada pessoa como essa vontade que tenho e te verbalizo agora. E se ele não existe é sinal de que estamos na busca, mesmo sem parecer saber, né… O desconhecido garante uma imagem que é somente nossa de acordo com sua inscrição na gente. E se eu também já tiver partido quando isso acontecer, que esse livro possa ler muitas pessoas, acho que tem pessoas que existem e a gente se encanta por poder lê-las da mesma forma com que sonhamos com as que ainda não conhecemos. Para e com os livros acredito ser por aí também…