João Bosco da Silva é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende do dia. Como trabalho por turnos (ganha-pão), só tenho rotina matinal se trabalhar de manhã. Geralmente é acordar, tomar café enquanto passo os olhos numa página ou duas do livro que andar a ler e ir trabalhar. Nos dias de folga ou turnos de tarde/noite, geralmente não há manhã. Se não for por obrigação, nunca acordo antes das 11.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalhar no sentido de escrever? Nunca vi isso como um trabalho, é como considerar dormir um trabalho. É algo que tem que ser feito, quando tem que ser feito. O poema lá sai, às vezes fica como que a fermentar dentro, começa sendo apenas uma ideia, depois surge um tempo propício e lá nasce. Ritual? Nem por isso. Quando sinto que passo muito tempo sem escrever, coisa que geralmente não acontece, e me sinto bloqueado, bebo um pouco. Passo uma noite a ouvir música em frente ao computador com uma garrafa ao lado. Geralmente é quando surgem três ou quatro poemas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando vai surgindo o que escrever. Escrevo quase todas as semanas. Não forço a escrita. Posso estar até um mês sem escrever um verso. Às vezes acontece quando estou mais concentrado em viver ou quando a vida não inspira de forma alguma.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não é difícil começar, quando me sento para escrever, escrevo e pronto. Raramente me sento e espero que surja algo. Raramente me levanto sem um poema acabado. Não há pesquisa, chegam os dias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já falei dos bloqueios. Além do que já mencionei há autores que me ajudam a entrar na frequência certa. Enquanto leio certos livros, sinto mais vontade de escrever. Não tenho medo de não corresponder às expectativas, porque não as tenho. Se os outros as têm, não deviam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Às vezes vai mesmo em bruto. Geralmente releio duas ou três vezes, mas pouco altero. Quando se trata de um livro aí releio tudo novamente mais umas três vezes.
Mostro por vezes, ao mesmo tempo que os torno públicos a um ou dois amigos poetas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Muito boa, obrigado.
Escrevo de todas as formas, depende de quando e onde surge o poema e do que está mais à mão na altura. Escrevo à mão no moleskine que trago quase sempre comigo, num papel qualquer se não houver moleskine. Depois reescrevo no computador. Em casa escrevo directamente no computador ou à máquina, se estiver só em casa e puder metralhar à vontade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Dos dias. Dos que passaram. Das coisas que quero manter vivas, um pouco mais durante a minha vida. Das noites. Das que se querem esquecer e só deixam de roer quando lhes esprememos os versos. Sei lá, às vezes uma lata velha, o salto de um gato, um olhar irrepetível, uma mijada…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que se tornou mais natural. Nos últimos cinco anos não acho que tenho mudado muito. Os temas são sempre os mesmos. Às vezes acho que ando a reescrever os mesmos poemas uma e outra vez.
Diria que continuasse, que não ia a lado nenhum, mas ao menos não estaria só tantas vezes.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostava de ler pela primeira vez, certos livros que me marcaram profundamente. Gostava de ler algo que me resgatasse a inocência e que depois me levasse de novo.