João Andrade Neto é doutor em direito pela Universität Hamburg.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou disciplinado e costumo começar o dia me exercitando. Depois tomo café da manhã. Os dias mais felizes são os que permitem que eu leia ou escreva logo em seguida. Nem sempre é possível, porém. Muito frequentemente, só consigo encontrar tempo e condições para me concentrar no fim da tarde ou à noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que trabalho melhor pelas manhãs ou no fim do dia.
Tenho o hábito de, antes de abrir o arquivo de texto em que estou trabalhando, ler algumas páginas de qualquer material, seja notícia de jornal ou um artigo jurídico, não necessariamente relacionado com o que estou estudando ou pesquisando, apenas para preparar a mente. Isso me ajuda a me concentrar. No correr do dia ou da semana, vou coletando e separando textos que me interessam justamente para ler nessas horas.
Durante a escrita, também costumo parar depois de um tempo, por alguns minutos, para esticar as pernas, tomar um café ou ler algo diferente. Depois volto ao ponto em que havia parado. Não sei se posso chamar isso de um ritual. Mas é um hábito que cultivo já há bastante tempo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita, mas me esforço para escrever diariamente. Claro, muitas vezes, para cumprir prazos, acabo tendo que concentrar o trabalho em curtos períodos, e assim passo noites ou fins de semana escrevendo. Mas é algo que tenho me esforçado – nem sempre com sucesso – para evitar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita não é linear. Frequentemente começo uma seção ou capítulo e, ao me deparar com uma informação nova, interrompo e passo a escrever outra parte do trabalho. Tenho insights durante a escrita e costumo anotá-los no final do arquivo de texto e marcá-los em amarelo, para depois os revisitar e ver se/onde se encaixam no trabalho.
A passagem da pesquisa para a escrita tampouco é linear. Durante a coleta de dados e notas, já começo a esboçar algum texto a partir das observações e anotações feitas. Acabo obtendo um amontoado de parágrafos que não necessariamente fazem sentido à primeira vista. Esses fragmentos são depois lidos, relidos, modificados, incluídos no texto final, ou eventualmente suprimidos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu diria que sofro de procrastinação produtiva crônica. Aproveito os momentos de trava da escrita para responder e-mails, fazer ligações, preparar provas, escrever textos menos complexos, resolver questões práticas e/ou burocráticas. O problema é que, não raro, essas tarefas começam a se tornar uma desculpa para não fazer o mais importante. Ou me cansam muito, a ponto de justificar que eu deixe para fazer o que é importante em outro momento, quando – eu quero me convencer disto – as condições ótimas de temperatura e pressão estarão presentes.
Em projetos longos, a ansiedade é inevitável, bem como o peso das expectativas. Desconheço uma fórmula que os faça desaparecer por completo, mas tento alguns truques para aliviá-los: fazer exercícios físicos, ouvir música e, durante a escrita, parar quando travo, estou cansado, ou a vista embaça. Minha experiência é que não adianta insistir muito nessas situações. Então faço uma pausa, estico as pernas, tomo um café ou leio algo diferente. Depois volto ao ponto em que havia parado. Não sei se posso chamar isso de um ritual. Mas é um hábito que cultivo já há bastante tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos ao menos duas vezes antes de os publicar. Se não estou correndo atrás de algum prazo – situação cada vez mais rara de acontecer -, dou um espaço de dias ou semanas entre cada revisão. Algum tempo é necessário para ser capaz de ver o texto como se fosse uma terceira pessoa, lendo exatamente o que está colocado na tela ou no papel, e não o que ficou registrado na mente, como intenção apenas.
Tento também manter uma rede de interlocutores para quem mostro meus escritos antes de os publicar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no computador, embora mantenha um bloco de notas ao lado, para registrar informações relevantes ou dados a pesquisar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Creio que minhas ideias vêm basicamente da leitura de livros e artigos, de casos concretos (ações em julgamento ou já julgadas) e do diálogo com colegas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu diria que minha escrita se tornou menos livre e mais esquemática ao longo do tempo. Se pudesse voltar à escrita da tese, eu diria a mim mesmo: seja conciso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uma lista de projetos a desenvolver. Gostaria de retrabalhar minha dissertação de mestrado, sobre a judicialização da política e o caso da infidelidade partidária, e publicá-la. Traduzir para o português alguns artigos que publiquei em inglês, sobre empréstimos judiciais e a Teoria dos Princípios. Há ainda muito material que coletei na pesquisa que fiz no doutorado, não usada no tese, aguardando ser compilado e transformado em artigos. E um artigo em quatro mãos, que deveria estar escrevendo com uma grande parceira acadêmica, idealizado há dois anos, mas ainda não escrito.
Quanto ao livro que gostaria de ler e ainda não existe, sinto falta de uma obra que contextualize o Poder Judiciário brasileiro, durante os diferentes períodos democráticos e autoritários do País. Uma pesquisa que seja preocupada não com os fatos históricos oficiais – quem compunha qual tribunal, por exemplo -, mas com a atitude e a mentalidade dos juízes que, por vezes, se formaram e foram nomeados em períodos democráticos e depois tiveram que atuar em períodos autoritários, ou vice-versa. Há vários estudos acerca do Judiciário alemão durante o nazismo. Penso, por exemplo, no “Hitler’s Justice”, de Ingo Müller. No Brasil, uma iniciativa que se aproxima disso é a obra “Corpo e alma da magistratura brasileira”, de Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos. Mas precisamos de pesquisas que vão além do período pós 1988 e que coloquem o Poder Judiciário em perspectiva.