Joana Cabral de Oliveira é professora de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina para começar o dia, a não ser o café pela manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de trabalhar junto com a luz do sol. Pela manhã e à tarde. Não tenho rotina para começar o dia, mas tenho para acabar. Quando sol baixa, paro com as atividades de trabalho intelectual. Costumo marcar o fim da jornada com a prática de atividades físicas e, depois de um banho e jantar, a leitura de um romance, assistir um filme ou um capitulo de novela.
Antes de escrever, ao sentar diante o computador começo abrindo e respondendo e-mails. Vago pelas redes sociais, posso ler alguma notícia que me chama atenção… Só então sigo para o arquivo em que trabalho. Gosto de escrever ao som de música instrumental das mais diversas, elas me auxiliam na concentração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não costumo ter metas. Mas como costumamos escrever com algum prazo em vista (atualmente artigos que devem integrar coletâneas ou revistas, mas antes a tese e a dissertação), tenho o hábito de adiantar o prazo para mim mesma. Assim, trabalho com uma data estipulada por mim que, caso necessário, pode ser estendida. Isso costuma aplacar a ansiedade e o medo de não conseguir entregar textos a tempo. Mas sobretudo com o prazo adiantado consigo terminar uma versão com algum tempo para ler e corrigir, algo que sempre é muito necessário para mim.
Costumava escrever diariamente. Atualmente a docência e outras atividades correlatas têm tomado meu tempo e sido prioridade. Acabo me dedicando à escrita depois de ter terminado as leituras e preparado a aula da semana, ou outros compromissos como bancas, o que tem me impedido de escrever um pouco todos os dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Normalmente escrevo a partir de uma questão central e sempre parto do campo de pesquisa. Minha escrita e pensamento são motivados pela etnografia. Inicio sempre pela descrição de eventos vividos no campo para apresentar as questões que deles emergem e assim caminhar em direção a um pensamento reflexivo e analítico. A maior parte das ideias vão surgindo durante a escrita, por isso paro muitas vezes para ler, fazer pesquisa bibliográfica, voltar às anotações dos cadernos de campo, às gravações, às transcrições e então volto para resolver o ponto específico do texto que estancou meu fluxo de pensamento.
Costumo fazer muitas pausas, tenho dificuldade de concentrar-me por longos períodos. Conforme me sinto cansada ou desmotivada vou fazer alguma atividade manual, como lavar louça, cozinhar, mexer no jardim… Nessas pausas uma das coisas que mais me estimula é sair para caminhar com meu cão. Andando rumino ideias que estão sendo trabalhadas e volto com novas saídas e cheia de ânimo.
Jamais apago de vez o que escrevi. Se tem parágrafos que passo a não gostar ou trechos que resolvo suprimir por algum motivo, sempre recorto e colo num arquivo a parte, que costumo chamar de “restos”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Costumo manter expectativas baixas e adiantar prazos. Trabalho de modo realista. Basicamente sei que não vou escrever nada genial, nada que vá impactar o mundo e se inscrever na história intelectual da humanidade. Escrevo porque gosto, porque a pesquisa me motiva. E assim não tenho sofrido de ansiedade. Não espero muito. Proponho-me apenas uma escrita honesta, baseada em trabalho e comprometimento com a comunidade indígena que me recebe e ensina há mais de uma década.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o quanto consigo. Não tenho um número certo. Mas percebo que faz diferença esquecer o texto por um tempo. Passar uns dias sem tocá-lo. Fazer uma leitura com certo lapso de tempo me permite enxergar erros, manias de escrita, frases confusas, repetições… Sempre conto com amigos para uma leitura prévia. Ter leitores-colaboradores é fundamental para mim, não só para melhorar e filtrar a escrita, mas para saber o quanto as ideias e argumentação se sustentam.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre e direto no computador. Mas às vezes costumo fazer esquemas manuais com concatenação de ideias. Um esqueleto do texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Gosto muito de atividades coletivas, costumo freqüentar grupos de estudo e pesquisa, assistir seminários, conferências e sempre me estendo com os colegas mais animados para comer e beber. Conversar com amigos e companheiros de pesquisa sobre os mais diversos assuntos, bem como conversas com pessoas que cruzo pelo mundo é algo que me estimula. Além disso, a leitura, o próprio ato de escrever, mas em especial o trabalho de campo é o que mais fertiliza meu pensar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acho que passei a dar mais valor à escrita. Aprendi escrevendo e os saltos na qualidade da minha escrita da dissertação para a tese e agora artigos e livro em elaboração são evidentes. Tenho me esforçado muito para escrever melhor. Os comentários que ouvi a respeito da minha escrita em bancas e de amigos-leitores me ajudam muito. Tenho tentado cada vez mais tomar consciência do processo, algo que ocorre atualmente na leitura tanto de trabalhos científicos como de literatura. Busco perceber estilos e ritmos de narrativas, tento me apropriar do que gosto para vir a ter uma escrita mais elaborada.
Mas agora devo enfrentar uma enorme mudança nisso tudo, já que acabo de ser mãe e meu cotidiano se transforma radicalmente, assim como uma nova forma de encarar a vida e o pensamento emergem. Enfim, é preciso estar sempre disposto a enfrentar mudanças que não para de chegar e desestabilizar esquemas consolidados.
Não teria nada a dizer a mim mesma. Fiz o que me foi possível aquela época, não seria capaz de escrever nada melhor naquele momento. Atualmente reviso minha tese e dissertação para publicar em forma de livro. O que noto, é que tenho uma tendência a repetições. Atualmente busco eliminar expressões de conexão e usar de modo melhor a pontuação. Ser mais econômica nas palavras e criar alguma cadencia. Mas estou bem longe de estar satisfeita com minha escrita. Continuou fazendo o que posso, o que consigo a cada vez.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nos últimos tempos me interesso pelo que vem sendo chamada de “antropologia para além do humano”, algo que coloca um desafio em especial para a linguagem. Como acessar e exprimir aspectos de mundos não-humanos. Há alguns bons livros e autores explorando isso, mas há muito por vir e acho que a escrita é um elemento chave para produzir novos efeitos na reflexão. Gostaria de poder explorar a escrita científica de forma mais livre e inventiva, tal como na literatura, para tentar dar conta desses novos interesses.