Jô Diniz é escritora, revisora, roteirista, editora, professora de português e cantora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo não ter uma rotina.
Como trabalho em áreas diversificadas, vou organizando meus dias na medida em que surgem os trabalhos, as demandas de cada uma.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não trabalho somente com escrita. Mas, como revisora, por exemplo, gosto de trabalhar a noite, hora em que o mundo parece estar se aquietando. Consigo visualizar melhor o texto nesse horário, sem o ruído do dia interferindo, e sem pessoas me interrompendo com demandas. Como escritora, não possuo ritual. Sou movida à emoção, pura necessidade de expressão, se não houver nenhuma encomenda. Pode acontecer de eu escrever em qualquer lugar e horário, e usar o que estiver à mão para registrar. Hoje em dia, o celular tem sido meu meio para escrever, quando não estou com o notebook ou desprovida de outro material de escrita. Acontece, por exemplo, de eu acordar durante a madrugada e escrever até no whatsapp, no escuro mesmo, até me livrar daquela ideia e conseguir dormir. E às vezes, meses depois, eu retomo essa ideia anotada. Se for um texto por encomenda, e se houver um prazo maior para entregar, costumo passar uns dias sem me preocupar, antes de começar a escrevê-lo. Sinto que esse tempo é bom para eu amadurecer o tema. E também, sempre acontece de alguma coisa me inspirar, nesse tempo. Às vezes, uma conversa, ou uma imagem, e a partir daí, então, é que começo a escrever. Se eu não puder ter esse tempo, vou direto para a pesquisa ou escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não possuo meta diária. Passo alguns períodos sem produzir nada, outros, produzindo muito.
No caso de textos por encomenda, reservo espaço no dia para me dedicar, buscando inspiração, informações que possam me ajudar a desenvolver o texto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo anotar ideias, pensamentos, emoções. A partir daí, às vezes, no mesmo dia, ou meses depois, desenvolvo. Costumo também escrever de uma “vezada” só. O texto “desce” praticamente inteiro, sem nenhuma pesquisa. São os que eu mais gosto. Queria que fosse sempre assim. Como tenho que escrever em gêneros de textos diferentes, e as encomendas são sobre temas diversificados, e para meios variados de veiculação, a pesquisa é essencial. Nesses casos, eu vou escrevendo aos poucos, reorganizando as ideias, até chegar a um ponto em que eu considero que já está à altura da proposta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já aconteceu de eu travar em textos, e procrastinar, por falta de inspiração, ideia ou conteúdo.Quando isso acontece, costumo pedir mais prazo, e isso tem sido facilmente negociado, até agora. Com relação ao medo de não corresponder às expectativas, eu, desavergonhadamente, não tenho esse medo. Uma das razões para que eu não me preocupe tanto, é porque é impossível que todos gostem de um mesmo texto. E outra, é porque considero que se eu fui contratada para o trabalho, é porque meu texto, ou meu estilo pode atender à expectativa. E caso não atenda, não tenho a vaidade ou pretensão de ser sempre boa no que faço, afinal, sou humana. Posso, sim, é ficar triste de não conseguir realizar um bom projeto, por causa disso. Ansiedade só tenho quando vou trabalhar com texto acadêmico. Esses, realmente, são uma tortura para mim, porque não gosto de seguir regras.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Praticamente não reviso meus textos literários. Dou uma olhada, buscando os erros mais toscos, e me contento com isso. Quando são acadêmicos, já até paguei outro profissional para revisar as normas da ABNT, porque realmente é muito penoso para mim lidar com esse tipo de texto. Sabe aquele ditado, “Santo de casa não faz milagre.?” Pois é. Tenho resistência em revisar os meus próprios textos. Atualmente, tenho tido o bom senso de pedir à minha filha para ler, antes de entregar. E ela tem sido muito competente em encontrar falhas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto muito de escrever no notebook. Como “peguei” o tempo da máquina de escrever, sinto a enorme diferença de recursos.
No ambiente digital posso, por exemplo, trabalhar com hipertextos. Isso enriquece muito a produção.
Escrever à mão eu não gosto, porque a minha escrita manuscrita não acompanha a velocidade do meu pensamento. E depois, nem eu mesma entendo os meus garranchos. Por isso, costumo perder tudo quando registro rápido num papel. Como revisora, o Word facilita muito o meu trabalho. Para revisar à mão eu gastaria um tempo muito maior nesse tipo de trabalho, por exemplo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias costumam vir de emoções, conversas, cenas do cotidiano, filmes, músicas etc. Já aconteceu de eu compor uma música depois de uma conversa ao telefone. Não possuo nenhum hábito para me manter criativa. Mas penso que todos os meus hábitos, de alguma maneira, talvez até inconscientemente, me ajudam a criar. Às vezes, passo temporadas sem nenhuma ideia, e depois, passo outra cheia delas. E quando preciso escrever por encomenda, lanço mão de buscar inspiração em fotografias, redes sociais, filmes etc. Costuma surgir alguma.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A minha escrita acompanha o meu amadurecimento. Hoje vejo o mundo como mãe, por exemplo. Com a bagagem que tenho hoje, de forma até inconsciente, isso atinge minha escrita. Se eu pudesse voltar, eu diria para mim: “Continue a escrever, não pare. Não tente escrever como alguém escreve. Descubra como você escreve.” Uma coisa que me atrapalhou muito, foi como eu reagi ao mostrar meus textos para as pessoas, na minha adolescência. Eu não tinha maturidade para lidar com as críticas e por isso parava de escrever. Hoje gosto de recebê-las. Elas me ajudam ou a reafirmar o modo como escrevo, ou a buscar outros.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projetos que eu ainda não comecei, não consigo enumerar. Mas, eu gostaria de dar continuidade, por exemplo, a um romance que comecei, e que interrompi. O mercado editorial não favorece os novos escritores. E pensar que eu escreveria um romance, com necessidade de pesquisa, para depois, “engavetar”, me desanima. Gostaria também de escrever mais para teatro, por exemplo. E, ah, eu gostaria muito de ler um livro que contasse o segredo da felicidade!