Jéssica Pádua é poeta e comunicadora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina matinal incomum, mas é uma rotina. Ao contrário de muitos escritores, não começo o dia escrevendo (pelo menos não ainda). Eu acordo com muita energia, então fica difícil sentar e concentrar, daí pra contornar isso eu arrumo a casa, lavo louça, preparo meu café da manhã e já cozinho meu almoço. Faço essas tarefas práticas porque elas me dão a sensação de que já “completei” alguma obrigação, e essa sensação de “utilidade” me deixa mais leve e com menos distrações quando sento para escrever. É uma prática que ajuda muito minha autoconfiança, já sento assim “olha como eu sou capaz de fazer e resolver coisas, vamos que vamos!”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Varia muito de acordo com a fase da minha vida, atualmente tenho escrito no final da tarde e à noite. Não tenho nenhum ritual de preparação para a escrita, meu processo é bem caótico mas existe uma premissa que eu não desobedeço: escrever a ideia, qualquer ideia, quando ela vem – esteja onde eu estiver. E guardar ela com marcadores específicos, do tipo “poesia”, “insights”, “frases para um livro”, “características de personagem”, etc.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias, pois isso me pressiona demais e como trabalho com redes sociais, já sinto pressão suficiente. Procuro estabelecer objetivos com maiores prazos, por exemplo, mensalmente ou a cada bimestre, defino um tema pra escrever meus dicionários no @complexica e, depois que eu começo, como existe o compromisso com os seguidores, preciso escrever e postar quase todos os dias. Fora online, eu também traço objetivos de acordo com os prazos de editais e concursos (sim, eu preciso de uma pressão do último minuto).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não vou mentir, eu preciso de prazos finais, preferencialmente estabelecidos por alguém, mas na falta, eu mesma crio esses prazos e busco cumprí-los. Uma tática que uso para me disciplinar é criar projetos longos e postar, assim existe um compromisso “público” em continuar, como os dicionários do meu instagram, quando posto o A não tem mais volta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Olha, quando eu não me sinto com vontade de escrever, e tenho a opção de não escrever, eu costumo ler o que eu já escrevi. Visitar caderninhos, escritos digitais que tenho jogados, tudo. Muitas vezes eu imprimo e leio. Para mim não vale a regra de “escrever todos os dias”, têm dias que simplesmente não tô a fim e esses dias eu uso pra pesquisar e usar ideias da jéssica de outros dias, a que quis escrever. Caso eu não tenha opção de não escrever, eu ainda sim revisito textos e ideias antigas e copio alguma coisa dali, uso como inspiração e escrevo pensando “vai ficar ruim mas é a vida” e no fim, fica bom. Ou fica ruim, mas me ensina alguma coisa. A verdade é que escrever dói mesmo, como disse o Luis Fernando Veríssimo, “Não gosto de escrever, gosto de ter escrito.”
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu odeio a parte de revisão de textos, quando escrevo alguma coisa eu já quero partir para a próxima, para mim é realmente um sofrimento. Gosto de criar coisas novas, não de aperfeiçoar, sabe? Nem livro eu leio pela segunda vez. Nem sequer meus filmes preferidos. Se eu vi, está visto e é uma teimosia péssima minha, mas aprendi a lidar e solucionar. Quando o texto é curto, ok eu reviso. Mas, se for longo, eu uso uma rede de amigos freelas que tenho e pago eles para revisarem para mim. Essa entrevista mesmo deve ter alguns deslizes gramaticais – e o pior é que eu gosto. Ou seja, não sou exemplo para ninguém nesse quesito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo quase tudo digitalmente, no bloco de notas do celular porque ele está sempre à mão e no Google.Docs. Porém, um hábito que adotei e revolucionou minha vida, foi não apagar e reescrever, eu vou mantendo as versões anteriores, mesmo digitalmente. Uso muito o recurso de taxar o texto, assim mantenho a maior vantagem de escrever à mão, que é ver a evolução e não perder nenhuma ideia pelo caminho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Tudo que crio vem das pessoas, eu amo gente e amo conversar, sou zero introspectiva, então observo, contesto e adoro criar teorias sobre porque fazemos as coisas assim ou assado. E, ao longo da vida, procuro cultivar pessoas que gostam de trocar essas ideias infinitamente e sem compromisso com a “veracidade” das teorias. Parece besta, mas têm beleza demais nessas pequenas diferenças entre a gente e o outro e o mundo que cada um enxerga (e inventa).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Jéssica, não jogue fora as coisas que você já escreveu, mesmo as cartinhas de amor e de aniversário. Ou melhor, eu me daria uma dica que até hoje eu não cumpro, mas gostaria: faça um diário.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu primeiro livro de poesia, até comecei mas joguei fora. Gostaria de ler o a obra “É tudo mentira e isso é lindo”.