Jasmine Castro é professora da Universidade Federal do Piauí, mestre e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de começar o dia de um jeito leve, brincando com meus gatos, perguntando se eles dormiram bem… Às vezes – isto é mais comum aos fins de semana –, ponho uma música animada para acordar, enquanto preparo o café e o sagrado cuscuz de milho. Durante a semana, pela exiguidade do tempo, evito colocar música para não relaxar demais e perder a hora. Sempre leio jornal, durante e após o café da manhã, e este é um dos pontos inalteráveis da minha rotina matinal. Após o desjejum, dou início às atividades do dia, que, nos últimos anos, têm sido eminentemente acadêmicas, com leituras técnicas ou pesquisas em bibliotecas e arquivos públicos. Aos domingos, acordo mais cedo para pedalar ou correr na aurora. Este hábito melhora o meu dia e deixa-me mais disposta e leve, para recomeçar a semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo ser mais produtiva durante o dia. Só produzo durante a madrugada se, por algum motivo maior, não pude trabalhar durante a manhã, à tarde e início da noite. Percebo que perco rendimento após as 23 horas. Então, prefiro descansar durante a noite, acordar cedo e produzir o dia inteiro. Tenho algum nível de disciplina que me faz tentar aproveitar o tempo da melhor forma possível e trabalhar até alcançar meu limite de cansaço e perda de atenção.
Tenho alguns rituais de preparação para a escrita. O principal deles é o isolamento. Preciso de silêncio para escrever, embora já tenha iniciado textos no supermercado, no carro, em viagem, quando sinto que a memória pode me abandonar. Reúno notas nos equipamentos eletrônicos ou em pequenos cadernos e agendas que carrego na bolsa. Tento valorizar esse ímpeto de expressão, quando me ocorre, mas, em geral, gosto da preparação física e espiritual para a escrita, à mesa, com boa luz e ausência de som, ao alcance dos livros e instrumentos de pesquisa, o que parece favorecer minha intimidade com as palavras. Penso que a escrita, seja ela acadêmica, jornalística, ficcional ou, simplesmente, despretensiosa, requer mais do que sentimentos, emoções e notas organizadas, mas algum nível de pesquisa e clara intencionalidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo diariamente. Tenho metas diárias de leitura e tento escrever um pouco sobre tudo que leio. Pode ser qualquer coisa e em qualquer quantidade, mas tento deixar algo registrado, ainda que seja de forma rústica, para burilar em outro momento. Quando tenho algum trabalho para finalizar dentro de um prazo, por exemplo, um artigo, um capítulo de livro ou mesmo, agora, com a tese, acho importante definir metas ou tentar criar um movimento disciplinado para cumprir os prazos.
Por outro lado, tento manter-me estimulada e inspirada para não precisar definir metas rígidas, que retirem a leveza da escrita livre ou me façam cair na tensão de escrever sem desejo ou resvalar na procrastinação. O que eu faço para evitar isso, e não acontece de forma planejada, mas, ao contrário, muito naturalmente, é ouvir música, ter um momento de leitura literária todos os dias e estar bem informada sobre política, cultura e economia, por exemplo. As artes não têm função alguma, mas podem nos inspirar a todo instante e nos ajudar a pensar sobre tudo ao nosso redor, de forma mais empática e consciente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando já tenho reunido notas e realizado leituras que considero importantes sobre determinado assunto e tenho material suficiente, a escrita flui com naturalidade e liberdade, porque só começo quando sinto que estou prestes à erupção. Não gosto de iniciar a escrita antes de me sentir afogada de tudo que preciso para me expressar sobre determinado assunto. As pesquisas, leituras e elaboração das notas darão a cor e o tom da escrita, são imprescindíveis. Não escrevo quando sinto que preciso escrever, não é assim. Sinto, penso e organizo, porque a escrita possui rigor e precisa de uma clara intencionalidade, como já havia dito. Primeiro, eu deixo claro para mim o porquê de escrever isto ou aquilo; entendido o porquê, eu escolho como dizer o que quero, com que palavras, porque a elaboração textual exige múltiplas escolhas. Movo-me sem dificuldade, quase de forma natural, mas sei que não o é.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento me organizar, porque sei que a tensão e a ansiedade podem prejudicar o fluxo da escrita, comprometer o resultado e frustrar nossas próprias expectativas. Quanto às expectativas dos outros, tento ficar tranquila em relação a isso. Não sou perfeita, posso errar, posso não agradar e vejo-me como alguém que se dispõe a aprender. Não tenho medo de críticas, desde que elas me desloquem e melhorem quem sou e o que faço. Gosto muito de aprender e sei que os nossos erros, quase sempre, anunciam oportunidades de amadurecimento. Não me considero muito ansiosa, embora tenha momentos de ansiedade com projetos que me desafiam e/ou exigem muito de mim. Penso que a organização do tempo e a tentativa de me manter inspirada e disciplinada contribuem para reduzir essas travas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu os finalizo e sempre acho que não estão prontos. Risos. Obviamente, sempre poderão melhorar e faço alguns burilamentos, com inclusões, refinamentos e supressões, que podem variar de acordo com o tempo disponível. Se o tempo for diminuto, releio e reviso o que consigo perceber, confiando no meu olhar. Se há possibilidade de revisão externa, considero importante, porque sei que o olhar do outro revela um horizonte diferente do que eu vejo e isto pode enriquecer o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Temos bastante intimidade. Posso iniciar um texto de forma manuscrita ou pelo celular, computador ou tablet, dependendo do que tenho ao meu alcance e de onde estou. Gosto muito de escrever a próprio punho, gosto do papel, da caneta e do lápis, por isso, ainda me considero mais analógica do que digital. Coleciono lápis e cadernos. Nos meus rascunhos manuscritos, percebo formas mais ricas de edição e construção do texto, porque não uso borracha. Mas também lido bem com a tecnologia. Nasci no curso da Revolução Digital e uso computadores e celulares desde a segunda infância, o que não significa uma limitação ao meu processo criativo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Gostaríamos que as ideias caíssem de paraquedas e pousassem nas nossas cabeças, mas elas são construídas e fermentadas sob muitos estímulos. Todo pensamento é fruto de abstrações, leituras e vivências culturais. Leio todos os dias e tento não me prender às mesmas referências. Talvez eu tenha começado a responder a esta pergunta, quando citei alguns hábitos que me relaxam e inspiram. Estar bem informada e próxima à literatura e à música de qualidade são tão importantes para mim quanto estar bem alimentada, com o sono e as atividades físicas em dia. Quando o dia a dia está um pouco pesado, procuro refúgio e alento nas artes. Estas que citei são as mais próximas de mim. Ouço ou toco alguma música ao violão, leio um bom livro e intercalo músicas e livros como companhias no tempo livre. Sinto que, além de serem abrigo, alimentam meu intelecto e ampliam minha sensibilidade, minha capacidade de perceber o outro e ser mais empática. Além de ampliarem meu espaço de contato com o outro, trazem-me relaxamento e autoconhecimento, o que, irremediavelmente, aguça minha imaginação e permeia a escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mais mudou e continua a mudar é o amadurecimento intelectual e pessoal. Somos frutos das nossas experiências e dos estímulos a que estamos submetidos e nos submetemos no tempo e no espaço. Há alguns anos, eu escrevia como poderia escrever a partir de quem eu era, do que vivia e de como pensava, naquela circunstância e naquele tempo. Hoje, escrevo conforme meu pensamento organiza as experiências vividas no contexto atual, pelo que o presente permite. O futuro sempre irá guardar um novo olhar sobre a escrita passada, que testemunha um outro tempo, um outro modo de ser e existir. Então, eu diria que a Jasmine de hoje talvez não escrevesse o que já escreveu, ou escrevesse, sob outra ótica, seus primeiros textos; e está tudo bem. Certamente, a Jasmine do futuro dirigir-me-á críticas, ou não. Mas não há problemas nisso. A escrita é fruto de um tempo e um espaço.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No futuro, gostaria de escrever ficção. No momento, estou inteiramente dedicada à minha tese de doutorado e penso que, até me sentir com alguma maturidade literária para escrever uma obra ficcional, preciso ler muito mais, viver mais e melhorar o uso da língua portuguesa. Risos. Já pensei sobre esse livro que gostaria de ler e que não existe, mas ainda não sei se serei eu a escritora. Escrevo como criança, rusticamente, ou, no máximo, academicamente, quando é necessário. Escritores e escritoras parecem ter poderes que eu não tenho; por isso, considero-me apenas leitora, que lê os livros que já existem. Risos.