Janayna Bianchi Pin é escritora, engenheira e viajante, autora de Lobo de Rua.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Comecei a trabalhar em casa há poucos meses, então minha rotina – não só a matinal – ainda está meio bagunçada. Acordo umas oito, tomo café, respondo e-mails e dou uma olhada nas redes sociais antes de escrever, mas estou trabalhando para pular a parte da internet logo no começo do dia. Tento escrever por umas três horas, até mais ou menos a hora do almoço. À tarde, cuido dos projetos paralelos ao livro (podcast, edição da revista) e deixo a noite para gravações, reuniões e outros compromissos que envolvem outras pessoas que trabalham fora, em horário administrativo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou bem diurna, não consigo trabalhar de madrugada de forma sustentável. E, independente da hora em que acordo, escrevo melhor quando as primeiras horas produtivas do meu dia são destinadas a essa tarefa. Deixar o fim do dia para as atividades criativas é sempre minha última escolha – tentar escrever cansada depois de um dia inteiro de trabalho só me frustra. E não tenho nenhum ritual especial para a escrita, é sentar e escrever. Fecho o navegador por uma questão de distração e não curto ouvir música enquanto escrevo, mas não preciso de nenhuma condição especial.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando trabalhava fora, escrevia em períodos concentrados, geralmente em raras noites livres ou fins de semana, mas hoje escrevo um pouco (quase) todos os dias. Prefiro saber que tenho um período de pelo menos três ou quatro horas disponíveis, mas aprendi a aproveitar períodos mais curtos quando aparecem. E eu crio metas de escrita flexíveis de acordo com o projeto ou com as fases dentro dele. Se estou escrevendo coisa nova, crio metas de palavras ou de horas de escrita que possibilitem a finalização até um possível deadline, mesmo que seja um criado por mim mesma. Se estou editando um manuscrito, trabalho com metas de capítulos revisados por semana, quando muito – não faz sentido manter o formato de meta usada durante a escrita do primeiro rascunho. E, mesmo dentro de um mesmo processo, trabalho com metas flexíveis de acordo com outros projetos com os quais também estou trabalhando. Se sei que vou sair para resolver coisas fora de casa ou se vou viajar, por exemplo, determino meta plausíveis dentro das circunstâncias desses dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O que eu mais escrevo é ficção urbana, um gênero que não exige quantidades extensivas de pesquisa ou de construção de universo como romances históricos, alta fantasia ou ficção científica hard. Então, toda a pesquisa prévia que eu faço coincide com o período em que estou planejando a narrativa, já que trabalho com outline. Esse período compreende alguns dias para desenhar narrativas curtas e alguns meses pra narrativas mais longas, mais os períodos intermediários pra acertar a rota já depois de iniciado o manuscrito. Feito o planejamento, começar a escrever é difícil sim. Geralmente, tenho que experimentar vários começos, narradores e vozes até alcançar a atmosfera e o tom que quero para a narrativa. Mas gosto de investir nessa etapa, porque acho que o resto do projeto é muito dependente da consciência que se forma nesse momento sobre o que quero escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sou do tipo que encontra muito apoio no incentivo dos outros, então gosto muito de conversar com outros escritores e trabalhar com leitores beta. Ter alguém acompanhando o meu trabalho atual acaba mitigando um pouco as travas e a procrastinação. Ter medo de não corresponder às expectativas é sempre uma constante, não acho que tem muito como trabalhar isso além de repetir para mim mesma que feito é melhor do que perfeito. Não dá para saber o que os outros vão pensar a respeito do que eu escrevi se eu não escrever e não dar a cara a tapa. Mas é uma coisa que preciso repetir para mim mesma à exaustão. E o lance de tentar trabalhar com criação sempre no começo do dia, quando estou descansada, também acaba ajudando muito com a procrastinação e a ansiedade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu trabalho com pelo menos três grandes versões do texto: o primeiro rascunho, o rascunho editado por mim depois de um tempo de gaveta e o rascunho editado após a leitura dos betas. Mas o primeiro rascunho é editado muitas vezes enquanto está sendo escrito, sempre de maneira mais fragmentada. Isso tudo antes de passar por copidesque e pelo menos uma revisão, que confio necessariamente a outras pessoas. O que faz com que muitas pessoas leiam meu trabalho antes da publicação: pelo menos dois leitores beta, um copidesque e um revisor — isso quando não estou trabalhando com um leitor crítico ou editor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. Tenho curiosidade para experimentar o processo de escrever à mão e editar no computador, mas por questões de praticidade eu ainda não tentei esse caminho – tenho a impressão de que é meio contraproducente, embora conheça muitas pessoas que adoram esse processo. A única coisa que escrevo à mão é meu diário de escrita, que é um caderno onde vou anotando as ideias e as coisas que penso em editar no projeto que está em andamento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de coisas que eu consumo ou de coisas que acontecem comigo ou com outras pessoas – acho que não tem como fugir disso. Não costumo ter problemas para ter ideias de novas premissas ou soluções para o projeto em andamento, mas algumas circunstâncias facilitam o processo de subida delas para a superfície – geralmente, as respostas para os meus problemas surgem durante um período de ócio da minha mente, como quando estou tomando banho ou dirigindo. Também acho essencial ler muito e consumir outras mídias. Conversar sobre escrita ou sobre os meus projetos também é um ótimo exercício criativo para mim.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Muita coisa mudou desde que eu comecei a escrever, especialmente desde que comecei a encarar a escrita como uma profissão séria. Com o tempo, passei a entender que existem ferramentas e boas práticas que ajudam a contar uma história de uma forma mais clara e convincente. Se pudesse voltar no tempo, me diria para dedicar mais tempo à definição dos conflitos dos meus personagens, para trabalhar melhor os meus começos de narrativa e também para editar muito mais os meus textos, sem dó.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muita vontade de escrever roteiros para um audiodrama de fantasia urbana, mistério ou terror. E gostaria de ler um livro de alta fantasia baseado em um cenário nacional, dissociado do cenário eurocêntrico de sempre. E escrever esse livro já é um plano para o futuro…
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu sou do time que planeja! No máximo a complexidade do planejamento muda de acordo com o tipo ou extensão do projeto — às vezes, para escrever um conto ou uma ficção relâmpago, duas frases resumindo a história já me servem. É muito raro eu simplesmente sentar e escrever algo mais longo em planejamento, principalmente porque costumo perder o ânimo na metade do caminho. E nossa, acho a primeira frase a parte mais difícil de um texto, mesmo quando já planejei o que escrever. Geralmente experimento vários começos antes de ficar satisfeita; o fim, por sua vez, vai sendo “fermentado” enquanto escrevo.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Atualmente estou trabalhando integralmente com frilas de tradução e preparação de texto. Geralmente mexo com vários projetos ao mesmo tempo ao longo da semana útil, em “blocos” com metas diárias de cada trabalho. No caso da escrita de ficção, costumo ter um projeto maior que pauso aqui e ali para escrever coisas menores. No momento, por exemplo, estou trabalhando em uma novela, que eventualmente deixo de lado por alguns poucos dias para escrever contos ou ficções relâmpago (em especial para o mercado anglófono). Ando escrevendo mais aos fins de semana e um pouco no fim da tarde, uma ou duas vezes por semana, porque estou num período de muitos frilas. Minha rotina preferida, porém, é escrever por uma hora (ou duas, em dias bons) logo pela manhã, nem que precise estender o dia de trabalho com os frilas até um pouco mais tarde.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Uma das coisas que mais me motiva a escrever é ler coisas ótimas escritas por outras pessoas. Aliás, as minha obras preferidas são justamente as que me deixaram com vontade de escrever (os motivos específicos por trás disso são um mistério hahaha). E não sei dizer em que momento decidi escrever, porque é algo que eu faço desde bem pequena — inicialmente como uma brincadeira, claro. Em geral, porém, costumo traçar uma linha entre escrever por brincadeira e começar a pensar em escrever profissionalmente em 2013. Eu tinha acabado de me formar na faculdade (de engenharia, veja que loucura!) e resolvi que aproveitaria parte do novo tempo livre para estudar escrita criativa e escrever mais. Me dediquei tanto a esse projeto que, em 2017, mudei totalmente de área e vim trabalhar integralmente com o mercado literário.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Acho que a principal dificuldade foi justamente entender que desenvolver um estilo não é algo que você faz voluntariamente, forçando a escrita para ela ser de um jeito ou de outro. Depois que entendi que o estilo é uma consequência de ler o que mais gosto de ler e escrever com constância e em um volume suficiente para exercitar a prosa, comecei a curtir mais o que eu escrevo. Também comecei a ver certa uniformidade — temática e “estética” — no que produzo, o que acho que é um bom sinal de que estou no caminho de ter um estilo próprio.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Um livro que sempre recomendo para quem curte escrever é o Wonderbook, do Jeff van der Meer. É um livro técnico sobre escrita criativa, mas ele passa longe de fórmulas engessadas e regras. Ele é mais um guia de apoio que ensina a entender as histórias como organismos vivos, o que acho muito mais efetivo e sustentável do que simplesmente decorar uma estrutura ou coisa do gênero (ele ainda não saiu em português aqui no Brasil, mas deve sair ainda em 2021 pela editora Aleph). Também recomendo Serpentário, livro de fantasia do Felipe Castilho que saiu em 2020 pela Intrínseca. Gosto dele porque ele mostra como é possível fazer ótima fantasia ambientada no Brasil e ainda brincando com o formato — o livro foi um dos finalistas ao Jabuti de Romance de Entretenimento em 2020, aliás. Por último, vou dar uma leve roubada: vou indicar não um livro, mas a revista que eu edito, a Mafagafo. Na linha de publicações mais longas, publicamos gratuitamente noveletas de fantasia e ficção científica de vários subgêneros, escritas por pessoas diversas e com diferentes níveis de experiência — a temporada três acabou agora em dezembro de 2020, e publicamos um texto por mês. Também temos uma publicação de ficção relâmpago, a Faísca — uma newsletter através da qual enviamos, toda semana, dois textos que têm entre trezentas e mil palavras direto no email de quem assina, também gratuitamente. Tem mais informação sobre os dois projetos — que inclusive devem abrir edital para recebimento de novos textos dos dois tipos no próximos meses — no nosso site.