Janaína Soares é doutora em Língua Espanhola e forma professores em Língua Espanhola na UnB.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia já vai um pouco adiantado porque sou notívaga… então se houvesse a possibilidade de termos dois turnos de funcionamento no mundo, com certeza, eu estaria no segundo turno.
Acordo tarde, tomo um chá ou fruta e vou pra longa vida de mãe, mulher, dona de casa e professora.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu pico de produção intelectual é às 0h30 e posso ir até justo antes de começar a lumiar o dia. Nesse horário, as crianças estão dormindo, não tem como conversar com o marido que também já está dormindo, os carros estão dormindo e o silêncio é meu grande companheiro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho meta, mas com as pendências e as urgências, muitas vezes a escrita acaba sendo epistolar com os estudantes, orientandos e a administrativa. Há ainda a escrita lúdica das redes sociais… que também é escrita, não é? A escrita acadêmica exige silêncio, solidão, algo de inspiração e muita transpiração sempre…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
As notas borbulham em minha cabeça e muitas vezes essa é a parte mais difícil de coordenar.
São vários temas, ideias inicialmente desconexas, no entanto, em diversos sentidos e temáticas. Tento recolhê-las em blocos de notas. Atualmente uso bastante o google drive que me facilita acessá-las e ir ampliando-as com o tempo e com o surgimento de mais desenvolvimento das ideias iniciadas.
O passo seguinte é ir para as leituras teóricas que fundamentaram o texto. Esta parte é de pesquisa e concatenação de ideias. Tenho dois modos de anotação para o processo de leitura. (Ler por ler é prazer, quando é para produção de texto acadêmico, obrigatoriamente tenho que ter papéis – ou word – do lado para as notas).
As anotações são em três categorias distintas: observações da obra ou artigo teórico como um todo; observações que servem para meu trabalho ou pesquisa em desenvolvimento e finalmente uma seleção de possíveis citações. Estas têm que ser o mais sintéticas possíveis e somente as indispensáveis para o trabalho… ou seja, o que ninguém jamais poderia ter dito melhor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento me respeitar e por isso, quase pensei em recusar teu convite… (jijiji) publico e escrevo muito menos do que palestro ou dou cursos etc. Sou mais afeita à expressão oral.
O registro escrito traz uma responsabilidade com o leitor…com as palavras (“las palabras (orales) el viento se las lleva). Portanto, é um arranjo que não depende somente do que borbulha e povoa nossas matutações, é preciso critério, é preciso seriedade e muito mais pensamento direcionado ao nosso leitor. (Evidentemente que não quero dizer que não há seriedade nas ações orais… mas, sem dúvida há muito mais recursos, como olho-no-olho, gestos, movimentação e resposta imediata do interlocutor. É um trabalho menos solitário. Sou de multidões.)
Esse direcionamento de “para quem” estamos escrevendo faz com que as travas com certeza estejam presentes com uma frequência muito maior do que o desejado.
O medo de não corresponder às expectativas é aterrador e congelante…talvez esteja passando por ele ultimamente. Principalmente quando estamos em um momento de maior agilidade mental e necessidade de cumprir com diversas funções ao mesmo tempo.
Projetos longos são efetivamente o que mais prazer me dá. O processo deles vai nos amadurecendo, mas também entendo que exigem mais rigor e disciplina porque tendo a querer registrar só posteriormente e sim, ir sentindo cada passo do processo, o crescimento dos envolvidos e o gozo de estar dentro da construção de conhecimento.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Mil vezes mil… Morro de pânico da crítica de vários colegas que respeito. (Lido bastante melhor com os que não respeito porque sua crítica não me move ou me mobiliza.) Muitas vezes, uma primeira versão de um texto pode dormir meses em uma gaveta até eu poder mostrar para alguém da área. Sem dúvida, quando tenho mais segurança, vou para o revisor técnico e é de onde sai direto para a publicação…não sem a dor e a insegurança.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Vou direto para o computador e inclusive as colunas que mencionava anteriormente no processo de fichamento da teoria, são feitas na máquina. Creio que praticamente me tornei uma anágrafa. Chego até mesmo a trocar as letras quando tenho que escrever em papel. Para manter esse ritmo de amizade com as máquinas, acho primordial fazer um cursinho de digitação, o que na minha época era mesmo a datilografia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Principalmente do contato com os alunos, com as inquietações que eles colocam, com as inquietações que detecto como quando em meu próprio processo de aprendizagem.
É um movimento que vem sumamente da prática e encontra a teoria que o suporta, para responder a questões práticas.
Para me manter criativa tenho que estar no meio do povo. Em tempos de confinamento, somente sou capaz de estar viva se estou estudando, discutindo com os pares, colegas, ex-alunos, alunos e assim sei que o mundo gira e que minha cabeça também.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Pois talvez nessa parte eu tenha que me modalizar um pouco antes da resposta. Mas, como me propus ao nível de sinceridade bruto, vai lá: Antes eu escrevia com mais leveza porque não tinha uma responsabilidade acadêmica. Sabia que iam me ler e que depois iam atrás das fontes mais amplas. Hoje, sei que de um texto de uma doutora, já têm que sair fontes mais complexas. Tudo isso bloqueia bastante e talvez me leve a preferir a leveza e o deslizar das plumas dos primeiros anos.
Avalio muitos artigos produzidos, alguns melhores outros piores do que escrevi até hoje e sei que, em algum momento os bloqueios se dissolverão. Emito pareceres de artigos alheios com muita facilidade e sou parecerista ativa de diversas revistas acadêmicas e comitês científicos. Mas no processo pessoal, por hora, vou tentando concluir as mil ideias e os 6 artigos rascunhados e os dois livros em andamento. (É necessário que eles vejam a luz antes do fim do mundo.)
À escrita dos primeiros anos eu diria que esse ímpeto juvenil associado ao rigor científico é o ideal para a nova escritora…então obrigada por se manter de alguma forma dentro de mim e prometo, conversar com a velha doutora para ver se você pode ser liberto das grades que atualmente te atam.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projeto que gostaria de fazer talvez seja o de descrever meu processo de aquisição da língua inglesa – o pepino na minha vida – e como está em andamento, somente estou saboreando minha retomada de amorização com esse idioma.
O livro que gostaria de ler e ainda não existe é o que, utopicamente, explicará o porquê de vivermos em um mundo tão desigual, com oportunidades tão díspares entre os seres e que terá seu desfecho (o livro, não o mundo) com o processo de consciência das pessoas. Tal processo de consciência julgo poder reduzir-se a uma palavra: RESPEITO… afinal de contas, com a existência dessa joia, não existiria mesmo corrupção, existiria empatia, e, principalmente a necessidade de igualdade do vislumbrar de um mundo diferente.
Adoraria eu mesma escrever que tudo isso foi possível, mesmo tendo passado por décadas extremamente sombrias. Temo que esse livro, fique relegado ao universo quimérico da minha fértil imaginação.