Jana Lauxen é editora e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, a minha vida é matinal. Por volta das 6h já estou trabalhando na Editora Os Dez Melhores, da qual sou sócia, e onde fico até o meio-dia. Durante a tarde, faço o “trabalho de campo”: banco, pagar boletos, reuniões, visitas a clientes e etc.
Também reservo uma manhã por semana para escrever meu quarto livro, o romance policial “O Gene de Eva”, no qual trabalho todo sábado de manhã, das 6h ao meio-dia.
Há quem diga que a disciplina e a rotina atrapalham a criação, mas para mim funciona bem ao contrário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, com toda a certeza.
É o horário em que minha cabeça parece limpa e desintoxicada, quando funciona melhor.
Não tenho nenhum ritual de preparação, exceto que sempre escrevo tomando chimarrão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu acabo escrevendo todos os dias por conta do meu trabalho na editora. Mas são textos como releases, resenhas, projetos, orçamentos, material de divulgação. Também trabalho muito com revisão e edição de textos de novos autores, então, apesar de lidar com literatura todos os dias, não é a minha literatura.
Para a minha literatura, guardo uma manhã por semana, e eventualmente os feriados e finais de semana, onde acabo concentrando minha produção.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende o que estou escrevendo. No caso de crônicas e contos, só sento para escrever quando sei exatamente o que quero dizer, da onde vou partir e aonde pretendo chegar. Poesia já é mais livre, e muitas vezes uma vaga ideia, ou mesmo uma frase ou palavra, já são suficientes para que eu comece a escrever.
Com um romance, o negócio é bem diferente, justamente por conta da sua complexidade e tamanho. Como se trata de uma narrativa longa, acaba exigindo mais elaboração, pesquisa, adaptações, mudanças e etc.
Antes de iniciar a escrita de um romance já tenho páginas e páginas de anotações em meus cadernos. Já criei a estrutura básica, já defini os personagens e suas personalidades, já sei como vai começar, como vai se desenvolver e como vai terminar. Também elaboro previamente pequenos resumos de cada capítulo, de modo que, cada vez que sento para escrever, já sei o que preciso escrever.
Porque um dos maiores problemas de trabalhar uma narrativa longa é justamente você perder o rumo e passar a se enrolar, o que arrisca tornar o texto maçante e passível de intrincadas e cansativas revisões e edições depois de pronto, muitas vezes sendo necessário reescrever capítulos inteiros. Então busco me prevenir e só começo quando já tenho o mapa da história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Hoje em dia, para mim, é muito tranquilo. Mas só encontrei esta tranquilidade quando passei a levar a minha literatura realmente a sério, e não somente como um passatempo.
O fato de só escrever quando sei o que pretendo dizer e aonde quero chegar me ajuda a não travar, pois já está tudo estruturado em minha cabeça ou em meus cadernos de anotação.
Impor uma rotina de escrita bastante disciplinada também foi fundamental para que eu parasse de procrastinar. Impus regras, horários e responsabilidades, como faço em qualquer trabalho que assumo. O que também colaborou para a redução drástica da ansiedade gerada por projetos longos. Geralmente, eu consigo prever com certa precisão até mesmo quando vou concluí-lo.
Sobre o medo de não corresponder, é algo que o passar dos anos ensina a ignorar. Quando entendemos de verdade que é impossível agradar todo mundo, aprendemos a relaxar. É uma tremenda loucura tentar corresponder às expectativas e projeções alheias, já que de jeito nenhum você vai conseguir. Isso vale para a literatura e para todo o resto também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Quando se trata de textos curtos, como crônicas, contos e poesias, geralmente trabalho dois turnos inteiros. Em duas horas eu escrevo; o restante do tempo é dedicado a revisar, editar, cortar e acrescentar. Mais cortar que acrescentar.
Já no caso de um romance, como o que estou escrevendo agora, também reviso, edito e releio centenas de vezes – e quando digo “centenas”, não é modo de dizer. São centenas de vezes mesmo.
Sem dúvida nenhuma eu demoro mais revisando do que escrevendo.
Sobre mostrar o texto para alguém antes de publicá-lo, não tenho este costume. Acho uma prática válida, porém são necessários alguns cuidados, como não pedir a opinião da mãe, da vó e da madrinha, que certamente não serão imparciais. Acredito que só vale a pena pedir a opinião se for a de algum profissional da área, como um escritor, um editor ou um leitor crítico especializado. Afora isso, acho que pode ser mais nocivo do que proveitoso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Geralmente anoto as ideias à mão, pois elas vêm quando menos se espera e sem pedir licença. Por isso sou alokados cadernos e bloquinhos. Tenho dezenas deles espalhados pela casa e pelo escritório.
Porém, quando efetivamente inicio o processo de escrita, aí vou para o computador.
Sobre a minha relação com a tecnologia, eu gosto dela. No entanto, estou plenamente ciente de que, com a velocidade de todas as coisas, já sou um dinossauro. Procuro me beneficiar daquilo que pode me ajudar, mas também não tento acompanhar tudo e estar 100% conectada e atualizada, pois isso geraria em mim um grande esgotamento mental e emocional, além de uma fadiga generalizada. Acho que a questão é o equilíbrio. Manter a tecnologia te servindo, e não você a ela. É basicamente isso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acredito que a criatividade nasce da observação e do consumo de diferentes formas de arte, o que eu faço basicamente o tempo inteiro, porque gosto.
Livros, filmes, séries, gibis, peças de teatro, documentários, música, tudo serve de exercício para o nosso cérebro, que aprende a conectar informações e dados, transformando-os em conhecimento e atiçando sua própria capacidade de criar.
E, claro, o mundo é um enorme caldeirão de inspiração. As pessoas, as situações, as histórias que ouvimos, as reações, passarinhos brigando na grama, a vizinha cantando enquanto varre a calçada. O mundo é uma overdose de ideias. É só prestar atenção e treinar o olhar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria: se organize. Use o tempo ao teu favor. Não desperdice energia criativa em bobagens. Pare de fazer drama e reclamar e vá atrás de agarrar o que está ao alcance de suas mãos.
Diria também para não acreditar em tudo o que se vê, se ouve e se lê por aí. Que o mercado editorial é sacana e não raramente mentiroso, e você não precisa vender milhares de exemplares, participar da Bienal e ver seu texto virar minissérie da Globo para ser um escritor de verdade e viver de literatura.
Diria para olhar mais para o mercado independente, e todas as possibilidades que ele oferece, percebendo que, se a porta principal está fechada (e ela está), há muitas outras portas laterais e janelas escancaradas.
O que mudou em meu processo de escrita foi exatamente isso: fiz da literatura meu trabalho, coloquei disciplina e rotina em minha criação, e comecei a ver o mercado que me abriga a partir de outros olhos, menos sonhadores e românticos e mais realistas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto que ainda pretendo fazer é publicar um livro com textos e desenhos de crianças da ala pediátrica do Hospital de Caridade de minha cidade, Carazinho/RS. Há alguns anos li sobre um projeto similar em um hospital de Porto Alegre, e achei a ideia sensacional, bonita e estimulante. Como a Editora Os Dez Melhores possui o Projeto Nascedouro, que publica textos e desenhos de crianças e adolescentes, marquei esta ideia como algo que farei nos próximos dois anos.
Com certeza o livro que eu gostaria de ler já existe, e talvez ele até esteja em minha estante, esperando a oportunidade de ser lido. É louco e sutilmente angustiante pensar que, mesmo que pudéssemos viver mil anos, não poderíamos ler todos os livros que gostaríamos, deveríamos e precisaríamos.
Eu sempre penso nisso: quantos livros incríveis devem existir por aí e eu nem conheço?