J. V. Teixeira é autor dos contos “Uma Noite em New River”, “Quatro Mulheres na Lua Cheia”, “Satélite 616” e “1940: Amores de um Carnaval Sangrento”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo todos os dias por volta das seis horas da manhã e me preparo para o trabalho, sou professor de Matemática de uma escola no Rio de Janeiro. Sempre separo um livro para ler no ônibus durante o trajeto para o trabalho e na volta para casa, é o jeito que eu encontrei de manter uma rotina de leitura fixa diariamente. Como fico dentro de sala com os alunos durante toda a manhã, minha rotina matinal se limita a isso de segunda a sexta. Nos fins de semana eu também tenho o costume de acordar cedo e tenho a mania de ler pela manhã, até por volta das oito horas. Pelo fim de semana ser mais calmo eu aproveito para fazer leituras mais densas, que necessitem de uma atenção maior.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente eu trabalho melhor no período da noite. Quando vou escrever tenho o costume de encher uma garrafa de água, para não ficar me levantando toda hora, mas essa tática não está funcionando, pois o calor no Rio de Janeiro está fora do normal esse ano. Também gosto de escutar música enquanto escrevo, geralmente jazz. Toda vez que paro para trabalhar em um texto procuro ficar, no mínimo, uma hora de frente para o computador.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho como escrever todos os dias por conta dos meus demais compromissos de estudo para o mestrado, trabalho, entre outras coisas, por isso eu estabeleço metas de escritas semanais ao invés de diárias. Eu defino minhas metas todas as quintas feiras, de acordo com os compromissos que eu tenho na semana. Normalmente, em uma semana normal, eu coloco como meta 1.400 palavras quando pretendo escrever ou 3 horas, quando pretendo revisar, mas geralmente costumo produzir mais que isso, a meta é para me impedir de produzir pouco, para que eu tenho um limite mínimo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu só começo a escrever quando tenho a história toda esquematizada em um rascunho. Eu inicio com uma ideia, que surge na minha mente de diversos modos, pode ser ao ler um livro, ver um filme, pensar em um tipo de história que não foi feita ainda… Diversos fatores podem ser o gatilho para o início de uma história. Nesse momento eu anoto em algum lugar os pontos interessantes e algumas cenas e personagens que eu quero que tenha na história, sem preocupação com ordem. Tendo essas anotações eu começo a parte da pesquisa referente ao que eu quero tratar no texto e anoto para poder então estruturar a narrativa. Com todas as anotações em mãos eu faço o “esqueleto” do meu conto ou livro, escrevo uma frase para resumir cada cena, em ordem cronológica. Só depois disso tudo que eu inicio a escrita do texto que será o final, procuro seguir o “esqueleto”, mas normalmente ocorrem mudanças no decorrer da escrita, pois percebo que uma cena que eu pensei previamente não ficou tão boa quanto eu havia imaginado, ou eu encontro um furo no roteiro e acabo tendo que acrescentar mais momentos que eu não havia pensado previamente. Quando eu termino de escrever eu começo o meu processo de revisão, onde procuro incongruências de roteiro e erros, só depois disso eu entro em contato com uma revisora profissional para enviar meu texto. O tempo que eu passo em cada etapa varia muito, já teve casos que a pesquisa demorou muito mais do que o planejado, em outro foi a revisão que demorou mais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Por fazer um “esqueleto” da história antes de escrever eu acabo não tendo trava na escrita, pois já tenho bem definido para onde a história vai. Eu tenho pouco tempo para escrever e muitos projetos na gaveta já esquematizados acho que trava não vai ser um problema tão cedo. Em relação a procrastinação a meta semanal resolve isso, por mais que eu esteja cansado ou sem vontade eu me forço a escrever pelo menos até atingir a meta que eu estipulei. Sobre o medo de não corresponder às expectativas, eu tenho excelentes leitores betas, com gostos diferentes, que me apontam, sem medo, os pontos negativos e positivos do que eu escrevo. Além disso eu procuro manter contato pelo Instagram com meus leitores e procuro indicar meus contos de acordo com o estilo de leitura que eles gostam ao invés de só indicar qualquer conto para qualquer pessoa. Já em relação a trabalhar em projetos longos, estou escrevendo meu primeiro livro agora e a verdade é que eu sou bem impaciente, gosto de ver minhas obras terminadas, por isso o que eu estou testando é escrever sempre um conto em paralelo ao livro, foco de preferência no livro, quando vejo que estou ficando de cabeça cheia dou um tempo e parto para um conto e deixo o livro descansando um pouco. Até o momento está funcionando bem.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não sei exatamente quantas vezes, mas são muitas. Quando vou revisar um conto eu o releio até não encontrar nenhum problema visível para mim, isso geralmente demanda horas. Quando eu acho que o texto está pronto eu mando para os leitores betas que me apontam incongruências que eu não havia notado, então eu volto a revisar o texto para corrigir isso. Se as mudanças sugeridas por eles forem muito grandes, como reescrever toda uma cena, eu reenvio para uma segunda leitura beta, mas se os erros forem apenas em relação a algumas palavras mal posicionadas ou erros mais simples eu mando direto para uma revisora profissional em seguida.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando a ideia aparece eu escrevo no que estiver disponível, seja um rascunho no celular ou uma folha de ofício, mas quando vou para a parte de pesquisa costumo usar folhas para anotação. Quando termino a pesquisa e vou esquematizar a história eu uso um caderno que eu tenho só para essa finalidade. No momento que inicio a escrita da história utilizo o Google Docs mesmo, geralmente pelo computador, mas, dependendo da ocasião, uso o tablet ou o celular também. Entretanto, para revisão, só consigo fazer pelo computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu consumo muitas narrativas de todas as mídias. Tenho uma rotina de leitura diária de livros pela manhã, na parte da tarde, quando chego do trabalho, costumo ler quadrinhos (sejam nacionais, americanos, europeus ou japoneses) para relaxar a mente um pouco e na parte da noite sempre vejo um episódio de um seriado. Quando tenho tempo jogo vídeo-game e vou no cinema com uma certa frequência. De toda essa mistura surgem as histórias, seja por um plot que eu ache que foi mal desenvolvido e que poderia ficar melhor, uma história que eu pense inspiradas por outras e etc. Dando um exemplo dos meus três contos já publicados, em “Uma Noite em New River” tenho inspirações em Blade Runner, nas histórias de robôs do Asimov e numa música de um jogo obscuro chamado Snatcher. Em “Quatro Mulheres na Lua Cheia” minha inspiração veio de Hellboy, de Constantine e do questionamento “O que aconteceu com o pessoal do Sítio do Pica Pau Amarelo depois que eles cresceram?” assim eu criei uma história de fantasia urbana com toques de terror e elementos do folclore. Já em “Satélite 616” foi uma vontade de criar uma história com uma mulher protagonista, inspirada na série Metroid, e uma equipe espacial inspirada no jogo Star Fox e na série Star Trek. Como você pode ver tem inspirações de toda as mídias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje em dia eu sou muito mais organizado e tenho uma rotina de escrita, isso me faltava quando comecei a escrever, sempre fui do tipo que sentava e colocava para fora o que tinha em mente, não me preocupava com o final, achava que ele ia surgir. Por conta disso, quando pego meus antigos textos para ler hoje em dia eu vejo muitas boas ideias com muitos erros de construção, com histórias que são longas demais, histórias que acabaram antes da hora, contos que não parecem que são contos e sim capítulos de um livro. Se eu pudesse falar comigo mesmo quando comecei a escrever certamente minha dica seria para manter uma meta de escrita semanal e ser organizado, mas possivelmente eu não me escutaria, pois eu era bem cabeça dura, rs.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade são muitos projetos, alguns já estão esquematizados e só preciso de tempo para iniciar a escrita, outros estão rascunhados e alguns que são apenas desejos de homenagear algum gênero ou obra, mas que ainda não consegui pensar como. Tem muitas histórias que eu adoraria ler, mas não encontro no mercado, por isso acabo escrevendo. A verdade é que o Brasil hoje em dia vive num período muito fértil de escrita, a literatura fantástica está crescendo muito, até por conta da facilidade para se publicar nos dias de hoje. O que eu gostaria de ver mais são histórias ficção científica ou de fantasia se passando no nosso país, mas com o Brasil bem representado. Isso é bem difícil, justamente por não termos muitas referências no mercado, mas eu acho importante. Pare e pense que o oeste americano, que sempre é apresentado em filmes e livros com seus tiroteios e duelos ao por do sol, em nada tem a ver com o verdadeiro oeste americano da época, assim como as histórias de samurai feitas no Japão geralmente extrapolam a realidade entregando narrativas empolgantes, com longos duelos de espadas. Eu acho que falta mais disso aqui no Brasil, histórias de ação e aventura que utilizem melhor o Cangaço ou a época do Brasil colônia, por exemplo, mas não de forma realista e sim de forma extrapolada como foi feito lá fora nos exemplos que falei. Eu acho que existe um grande vácuo nessa parte da literatura, mas que está sendo preenchido aos poucos. Também tenho vontade de criar uma revista de literatura Pulp, com diversos contos de aventura e ficção, como era muito comum nos Estados Unidos no início do século 1900. Esse é um projeto que tenho muita vontade que saia do papel algum dia, mas ainda vai demorar um bom tempo.