Ivandro Menezes é professor da Universidade do Estado da Bahia, escritor e podcaster.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bem, não diria que sou a pessoa mais organizada do mundo (risos). É difícil manter uma rotina com filhos, trabalho, estudos. Em regra, acordo cedo e aproveito para ler. Determino um horário fixo. Se acordo tarde, por exemplo, não faço. Às vezes, aproveito para escrever. Engraçado que consigo escrever apenas quando estou mais atarefado. Tento escrever qualquer coisa. A maior parte não serve de nada. Faço mais esboços que qualquer outra coisa. Só depois é que percebo que os muitos fragmentos podem resultar em alguma coisa. Já percebi que escrevo a mesma história em diversos lugares, até que algum desses rascunhos/tentativas ganha corpo e desemboca num conto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho hora ou lugar definido. A hora é a da oportunidade e a da conveniência. As manhãs são mais propícias. Eu só começo funcionar bem para outras atividades na parte da tarde e como trabalho mais à noite, é quase improvável achar espaço para escrever nesse horário.
Consigo trabalhar com barulho, com pessoas ao redor, conversando eventualmente. Sem a sacralidade do ofício de que alguns colegas precisam. Para mim, tudo depende de uma palavra, um título, uma frase, qualquer fagulha capaz de botar as coisas para funcionar. Há contos que começam com uma frase. Frequentemente, sonho com coisas e acordo com trechos inteiros na cabeça. Se a preguiça deixa, escrevo num caderninho. Sempre tenho um por perto. Já aconteceu de estar em sala de aula e a ideia surgir, paro e anoto. Esses esboços, frases títulos, pequenos diálogos, podem ser aproveitados ou descartados. Também acontece de ter fluxos e aí escrevo um conto atrás do outro. Gosto quando acontece, mas não tomo por regra. Acho que é o mais próximo que tenho de um ritual (risos), mas é como funciono. Pode ser que com o tempo, o desafio de novos projetos ou a experiência, críticas e novas leituras acabe mudando um pouco o processo e adotando algum ritual mais elaborado. Por enquanto, tenho feito as coisas assim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tento escrever com alguma frequência, mas não me cobro escrever todos os dias. A rotina não me deixa. Acho que tem a preguiça, a ressaca de um texto pronto, a necessidade de respirar e o nada a dizer. Gosto de respeitar esses vazios e pausas. Por isso, não faz sentido me propor metas.
Dia desses conversando, acho que foi o escritor Bruno Ribeiro, ele falou que quando escreve contos gosta de ir do início ao fim. Pode acontecer comigo, mas não é regra. Normalmente, escrevo em pequenas doses. Faço uma parte e perco logo o interesse. Aí, só um outro dia. Entendo que já deu e vou fazer outra coisa, que pode até ser escrita. Acho que ajuda não abusar da disposição dos personagens, forçar a barra para que digam, façam, ajam de um modo que não querem (risos). Eu me divirto com eles, não tem sofrimento, não tem drama ou coisa assim. Sei lá, deve ser preguiça mesmo, eu me canso e tenho que partir pra outra. Eu volto no outro dia e no outro e no outro até concluir. Então, é normal parar uns dias.
Já experimentei a coisa de escrever num período concentrado. Escrevia um conto após o outro, mas, como disse, percebi que era improdutivo. Eu acabava me repetindo e, ao me dar conta disso, tomei um baita susto. Refleti e acabei concluindo que é bom, mas não posso me empolgar demais.
Hoje entendo algo que o Roberto Menezes, autor de um de meus romances preferidos, Julho é um bom mês para morrer, me disse quando ainda estava criando coragem para escrever os meus primeiros contos. Ele me disse para ser paciente. Isso é fundamental. Então, para mim, o esforço de tentar escrever diariamente, o que nem sempre consigo, é benéfico para afiar a escrita, mas não para acelerar o processo da obra em si. Aí é preciso paciência, espera, tempo de respiro, desapego, distanciamento e revisão. Sem reinventar a roda, escrever é revisar, revisar e revisar. Acho que é o Zinssner quem diz isso. Talvez seja minha única meta, melhorar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu queria ter uma resposta bonita para te dar (risos). A verdade é que não tenho um processo claro, cheio de procedimentos ou rituais. Nem tenho fórmulas claras. Faço rabiscos. Começo mais coisas que termino. Algumas vezes direto no computador, mas muitas vezes faço tudo à mão. Percebo que quando começo no papel tende a acontecer. O resultado é sempre diferente, mas acontece. Talvez seja o mais próximo de um processo, escrever à mão antes de ir para o computador. A maioria das coisas nascem assim. Gosto porque me força a revisar.
Alguém pode pensar que tem algo mágico nisso, de que a inspiração flui melhor ou que sou apenas hipster. Quando comecei a organizar os contos para o livro, em especial, quando já estava no processo todo da editora, tive uma séria de dificuldades para revisar os textos. Estou sendo bondoso, eu não entendia a necessidade de revisar e acabei fazendo de modo superficial antes do envio para a chamada de originais da Moinhos, editora por onde lancei o Sangrem os porcos, depenem os frangos. Resultado: um trabalho árduo após o aceite. Tinha enorme dificuldade em mexer no conto ou em parte dele. Quando precisava alterar uma pequena parte, acabava por refazer. Hoje compreendo que essa etapa é indispensável.
“Paciência”, me disse o Roberto. E é bem isso. Tem de deixar o texto descansar. Tomar distância, sabe? Em certa medida, tem de se deixar ser outro. Quando retiro o conto da gaveta, já não me sinto o mesmo cara que o escreveu. Li outras coisas, vivi, errei, acertei, ou seja, acumulei novas perspectivas e, com isso, acabo tento outro olhar, outro sentimento e maior desapego. Aí, macho véi, não tenho pena de cortar, refazer, descartar.
Quanto à pesquisa, quase não faço. Se há necessidade, faço consultas, leio textos que me deem o aporte necessário para ajustar o texto e não soar errado. De modo geral, escrevo sobre as coisas que me incomodam. Acaba que os noticiários, redes sociais e coisas do tipo alimentam o que escrevo. São, por assim dizer, minhas fontes primárias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Dia desses conversava sobre ansiedade com o Eduardo Sabino, autor de Naufrágio entre amigos, cujo trabalho sou um confesso admirador, e dizia como foi tenebroso para mim todo o processo de pensar em publicar, bem como os meses que antecederam ao lançamento do livro. E o Eduardo me consolou dizendo que isso não passa. (risos)
Acho que mais terrível que a ansiedade foi a insegurança. Tenho uma enorme dificuldade em confiar no que escrevo. Para mim, um caminho foi tentar estudar escrita criativa. Tentar entender, sistematizar processos, modos de ler, de dizer, de contar. Preciso desse horizonte em que consigo me situar, definir um lugar específico, para conseguir orientar o meu trabalho. Não reputo ser obrigatório, tampouco um caminho das pedras ou coisa parecida. É apenas uma necessidade pessoal. Tem funcionado para mim ao trazer mais consciência das minhas limitações e oferecendo caminhos, alternativas, para usá-las a meu favor. Essa consciência tem minado a ansiedade e, principalmente, a minha insegurança.
A narradora de As pessoas dos livros, romance de Fernanda Young, que li na adolescência, uma escritora frustrada por ter tido um livro rejeitado pelo editor antes mesmo do lançamento de seu livro mais recente, encarna bem essa ansiedade, essa angústia que é perceber que todo livro já nasce ultrapassado. Todo o processo desde a entrega do original à publicação, momento em que chega ao leitor, é fácil se dar conta de escolhas que faria diferente, palavras, frases, desfechos etc. Saber disso, me deixa mais tranquilo, porque a frustração já é minha. Então, quando o leitor se apropria do que a gente escreveu toda e qualquer opinião é meio que lucro. E acho justo que gostem ou detestem o que escrevi. Então, essa relação com o leitor não me aflige tanto. É o livro deles, a leitura deles. Podem colocar ou tirar de lá coisas que disse ou não disse, pensei ou não pensei.
Quanto a projetos longos, não sei bem se posso responder. Se projeto longo significa romance, não sofro. Até aqui, sou um contista. Não tenho paciência – e suspeito também não ter competência – para escrever um romance. Tenho me forçado a escrever textos maiores que as duas ou três páginas que costumo entregar. Mas não tenho necessidade de dizer muitas coisas e prolongar as coisas me traz sempre a sensação de prolixidade e desconforto que não me agrada.
Se projeto longo significa um projeto de autor, de uma obra mais ampla, tenho de dizer que também não me traz ansiedade. Eu sempre preciso de um título que abrace os contos; traga uma possível unidade. No Sangrem os porcos, depenem os frangos queria tratar da violência aparente e implícita na ambígua e precária definição de vítima e algoz. Assim, tornei isso mais explícito em alguns contos (como em Felizes para sempre) e mais tênue em outros (como em O homem faz o que é preciso), mas borrada em outros momentos (como em Jacarés banguelas não assobiam canções de amor) e cômica (como em Topo Gigio). Porém, nada disso foi planejado em detalhes. As histórias surgiam, ora em títulos, ora em frases, ora em personagens, ora um fragmento de cena, e eu me dispunha a ir escrevendo. Depois, ia mexendo e mexendo, cortando e cortando. Aliás, sempre procurei escrever com uma caneta numa mãe e uma navalha na outra. Durante o processo, outros contos surgiram e desenhei uma trilogia, que possivelmente não existirá, mas existiu em minha cabeça com exímia utilidade para perceber o que desejava para aquele livro e quais contos dialogavam com aquilo. Portanto, não tenho uma visão do que penso ser minha obra, ou de que característica comporão a minha voz. Não me preocupo com isso. Talvez seja meu momento de experimentar, testar, brincar com o que gosto e o que não gosto. Nesse momento específico, meu projeto de obra resultará das minhas tentativas, com seus erros, acertos e limitações. Sem a preocupação de ser um escritor acabado ou pronto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Então, como disse, eu não me dava conta da importância que isso tinha para a escrita. Escrever consiste basicamente em revisar. Pode soar exagerado, mas não é. O William Zissner diz que “uma frase clara não é acidental” e mais, “Escrever é algo diretamente proporcional ao número de coisas que não deveriam estar presentes e poderiam ser retiradas do texto”. O texto final raramente corresponde ao texto inicial.
O processo de revisão funciona com um meio de depurar, enxugar os excessos, conter a genialidade pressuposta que todo autor – admita ou não – sente ter na prática. O primeiro texto é sempre sedutor e próximo do sentimento que o produziu. Assim, revisar é resistir ao canto da sereia, perceber os perigos que se esconde por trás de tão bela melodia. Por isso, preciso de distância, de tempo, de espaço, para poder começar a revisão.
Depois de revisado, revisado e revisado, tento encontrar quem se disponha a ler o texto e falar o que preciso ouvir, não o que quero ouvir. Perceba a diferença, pode ser sutil, mas faz toda a diferença. Se for para ouvir só coisas boas, dê para sua mãe ler. Se for para ouvir o que seu texto precisa, dê para alguém que não tenha pudores em te criticar.
Sem querer ditar regras, acho importantíssimo ouvir pessoas que confia e admira no processo de escrita. Eles oferecem um outro olhar, conseguem enxergar caminhos, erros, defeitos que podem comprometer o resultado. Como incorporar ou rejeitar tais opiniões é uma escolha sua, mas a oitiva vale sempre a pena. Porém, advirto que se não está disposto a ouvir críticas, melhor guarda para si seus textos – ou nem os escrever. Infelizmente, vez por outra, a gente esbarra em gente assim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma relação muito tranquila com a tecnologia. Não me sinto dependente dela para escrever. Como mencionei, sempre tenho um caderninho perto. Rabisco coisas no papel e depois vou para o computador, mas isso não é inflexível. Posso ir direto para o computador sem problemas. A questão é que nem sempre ele está próximo e acabo usando caneta e papel.
Sei que tem pessoas com alguma aversão. Há quem romantize o processo da escrita. Dor, sofrimento e máquinas de datilografia são frequentes. Não tenho nada disso. Tanto escrita quanto leitura são procedimentos que faço tranquilamente com o uso da tecnologia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Penso que as ideias não têm endereço certo. Escrevo sempre o lugar do incômodo. Se algo que vejo me incomoda, acaba virando matéria-prima. Pode ser conversas, pessoas, cenas, filmes, livros etc. Tudo disponível, também está pronto para se tornar ideia. Pode ser coisas ordinárias, mas também extraordinárias.
Sempre ouço das pessoas mais próximas – como esposa e alguns amigos – que sou dramático. Talvez eu seja, eles sabem de mim mais que eu. Devem ter razão e pode ser a justificativa para meu gosto pelo exagero, pelos tons bizarros. Isso me atraí, ainda que não sinta de modo tão forte em minha escrita. Tem um humor sombrio, cheio de malícia e maldade, que se aproxima de como gosto de encarar certos aspectos da realidade propícios apenas ao papel. Não cai bem no dia-a-dia, no cara-a-cara, mas diverte na ficção. Acho que esse exagero constitui uma busca. Tenho fracassado e sido bem-sucedido, mas estou consciente disso. Desse lugar, faço as escolhas que resultam no que escrevo. Escolha minhas provocações, reconheço minhas deficiências para utilizá-las a meu favor. Se consigo? Para alguns leitores sim, para outros nem tanto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Desde que me lembre, estou envolvido com literatura. Primeiro, como leitor. Vendo meu pai lendo diariamente seus livros de faroeste, sua bíblia e outros livros. Circulando no meio das estantes de sua biblioteca. Mesmo tendo estudo até a quarta série, era um apaixonado por livros. Começou com A vingança do judeu, um romance psicografado pelo J. W. Rochester, e seguiu por toda a vida. A proximidade e o privilégio de ser o caçula, me aproximou desse lado da vida dele e, sem me dar conta, já estava folheando o que não entendia, começando mais que concluindo livros. Até que ganhei uma edição da Ediouro do As aventuras de Pedro Malassartes. Então, me vi fazendo rimas e, por volta dos treze, escrevendo meus primeiros “romances” (risos). Ali nasceu o sonho de ser escritor. Segui experimentando pela adolescência. A primeira publicação se deu num concurso promovido pelo Sebo Cultural, em João Pessoa, de uma crônica chamada Eu?, na coletânea, CrepúsculonaFilipéia. Então, veio pré-vestibular, universidade e a vida. Escrevia esporadicamente, sem a menor pretensão de vir a ser escritor.
Sempre me interessei pelos contemporâneos e com algum tom de obsessão. Li a Fernanda Young, porque adorava Os normais, na adolescência, o que me levou a Hilda Hilst e, em seguida, a Kafka. Quando descobri o Belle and Sebastian, corri atrás de O apanhador no campo de centeio, que não curti tanto (risos). Contudo, tudo foi ficando pelo caminho. Vieram os livros de Direito, depois as leituras para o mestrado, trabalho e por aí vai.
Apenas 2016, precisamente em fevereiro, recebi via e-mail o e-book de Sobrevivente, do Chuck Palahniuk, reacendendo a minha vontade de literatura. Saí desbravando autores, livros, editoras. Pouco a pouco, fui conhecendo os autores mais recentes. Cheguei a Vasto Mundo, de Maria Valéria Rezende, uma ilustre desconhecida. Vi que era freira e paraibana. Já havia identificado a Mamanguape de minha infância no livro. Fuçando no YouTube a vi recomendando Julho é um bom mês para morrer, do Roberto Menezes, lançado pela Patuá. Foi quando um mundo de editoras independentes se descortinou para mim. Um mundo vasto, rico, cheio de diversidade e qualidade. De lá pra cá, uma outra literatura brasileira acenou para mim e me comprometi em conhecê-la. Além disso, me trouxe uma aproximação com os escritores, desmistificando-os, tornando-os humanos. Um outro ponto importante, foi reconhecer em autores como Maria Valéria e Roberto Menezes a minha terra, a minha gente, o meu sotaque, numa literatura de qualidade, pungente e apta a desbravar e romper fronteiras. O mais próximo que tive disso foi quando li, ainda no Ensino Médio, pois estudava com o filho dele, o Aquelascriaturastãoestranhas, do Geraldo Maciel.
Sei que parece bobo, mas era como se os escritores saíssem das estantes de minha infância e ganhassem vida. Uma vida não tão distante da que tinha. Essa aproximação me fez perceber que também queria contar as minhas histórias. Tive um reencontro com aquele moleque cheio de sonhos, mas com a experiência e do homem que me tornei. Então, resolvi me arriscar.
Para tanto, entendo que tinha de conhecer a literatura do meu tempo, foquei nos contemporâneos. Fui me deliciando em conhecer autores que nem sabia da existência e de um universo de livros e editoras igualmente desconhecidos. De posse desse universo, arrisquei lançar um conto pelo KDP. Eu o havia escrito em 1999, reescrito em 2009. Tinha um final que glamourizava a violência sexual. Não me daria conta disso à época, sim, ao reler. Refiz por completo. Ele ganhou outras camadas, outras linhas e preservava alguns defeitos por falta de alguém que o lesse com visão crítica. Lancei na Amazon. Não sabia se alguém leria, mas me arrisquei.
Ouvi de um amigo e leitor perspicaz que nalguns momentos a minha voz se confundia com a da narradora. Foi a primeira vez que atentei como meus pudores, limites e convicções poderiam interferir. Precisava deixar as histórias fluírem sem que eu estivesse nelas. Então, resolvi buscar nas lembranças da infância, da adolescência, do começo da via adulta, nas conversas na calçada de casa, nos júris em que estive na condição de estagiário do Ministério Público etc. e reconstruir a partir do que me incomodava, dos livros e autores que tomei por referência. Fui testando possibilidades, formatos, linguagens. Busquei compreender como funcionava essa coisa de escrever. Então, desenhei na cabeça três livros ligados por animais nos títulos. Fui montando contos para cada um deles. Quando tinha duas partes prontas e a terceira pela metade, fui vendo os elos em comum e o que funcionava ou não ao serem agregados num mesmo título. Assim surgiu o Sangrem os porcos, depenem os frangos.
Em todo esse processo, tento incorporar críticas e ponderar os elogios. Conduzo tudo com alguma teimosia, insistência e encontrando os jeitos de fazer e os tempos de espera e maturação dos meus contos. Nesse sentido, tenho melhorado. Sempre permitindo que outras vozes, mais críticas e sinceras, reverberem enquanto crio alguma coisa. Assim, tenho apenas uma certeza e garantia, a de que não tenho uma escrita. Tenho apenas o desejo de me divertir contando histórias, dizendo coisas, provocando pessoas. E, preciso dizer, é um alívio.
Se pudesse dizer algo ao Ivandro de antes, diria exatamente tudo que escrevi aqui. Não sei se ele aceitaria muito bem (risos), mas ia passar dias e dias digerindo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como disse, sou meio caótico quanto ao que vou fazendo. Vivo atropelando coisas, postergando outras. Tenho vontade de escrever um livro brega, mas o Bruno Gaudêncio se antecipou e lançou um. Mas a ideia de contos cafajestes me persegue. O cheiro de colônia barata, pente no bolso e camisas estampadas cafonas, tudo bem cafuçu, bem Augustinho Carrara. Já tenho até título. Talvez eu faça.
Quanto ao livro que não existe, não consigo imaginar. Tem tanto livro por aí para ser lido, acabo achando que o que quero ler já existe e está por aí. Se não existe, talvez espere a Yoko Tawada, uma musa, escrever. Pode ser que também leia nas páginas do Palahniuk ou do Bruno Ribeiro. Também, por que me estressar se tem gente boa e mais louca para escrever o que vai me fazer sorrir?