Isabella de Andrade é escritora, atriz e jornalista, autora de “Veracidade” (Patuá, 2015) e “Pelos olhos de ver o Mar” (Patuá, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina matinal bem constante e boa parte do meu tempo para a escrita nesse último ano depende justamente do quanto eu consegui fazer a minha manhã render bem. Eu gosto de acordar cedo, entre 6h30 e 7h, porque costumo estar mais disposta e animada durante as manhãs, então quero aproveitar bem. Eu tomo meu café da manhã com o meu namorado (moramos juntos desde que me mudei para São Paulo, em 2019) e é um momento bom para conversar, falar das expectativas e ideias para o dia. Depois eu sempre desço um pouco para passear com os meus gatinhos no jardim do prédio, que é um momento muito gostoso para relaxar e brincar com eles. Aproveito esse tempo no jardim, normalmente uns 30 ou 40 minutos, para ler também, o que é ótimo, pois já inicio os dias com pelo menos um pouquinho de leitura. E também é bom para aproveitar o livro em outros espaços externos. Depois do passeio e da leitura, é hora de pegar nos trabalhos. Estou trabalhando como freelancer atualmente, sempre em casa, então consigo montar meus horários. O dia ideal é quando consigo fazer a maior parte do trabalho possível todo pela manhã, assim tenho as tarde mais livres para os meus projetos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou bem diurna, então costumo trabalhar muito bem de manhã. Agora, em 2020, quando consigo finalizar os trabalhos todos de manhã (nem sempre é possível) eu utilizo as tardes para escrever. Quando dá certo de ter essa tarde livre, ela se transforma em um ótimo horário para escrever com calma. Eu acabei desenvolvendo alguns pequenos rituais. Na minha casa atual eu gosto bem de me mudar para a mesa da sala na hora de escrever literatura, para diferenciar da minha mesa de trabalho no escritório. Ler um pouquinho de um livro bom antes de iniciar a escrita também me ajuda muito a pegar no ritmo, além de começar a anotar as ideias no caderninho e depois escrever no computador. Mas esse é o mundo ideal, muitas vezes, para a escrita mais rápida de primeiras ideias, escrevo no bloco de notas do celular mesmo, seja na cama, no metrô, esperando em algum consultório.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gosto de escrever um pouco sempre, mas ainda não consegui desenvolver uma rotina de escrever realmente todos os dias. Passo por algumas semanas de mais concentração, com um pique de escrita maior que em outras. Já tentei estipular metas diárias de escrita, mas acho que elas acabam criando uma ansiedade para cumprir uma determinação imposta. Então tenho gostado mais de escrever acompanhando o ritmo de cada dia, me lembrando sempre de criar um compromisso pessoal com os projetos que eu mesma criei e desenvolvi com tanto carinho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acredito que meu processo de escrita foi mudando um pouco ao longo do tempo, justamente por ir, cada vez mais, entendendo e estudando os diferentes processos. No início, tudo o que eu escrevia não tinha pretensão nenhuma de ser publicado (seja em livro, blog, rede social). Era aquele processo bem solto de quem vai descobrindo a relação com a escrita. O primeiro livro veio todo assim, de um reencontro com diferentes textos que eu tinha escrito em diferentes fases. O segundo livro foi caminhando bem aos poucos, em uma fase de escrita muito constante para jornal, com períodos mais espaçados e curtos para a escrita literária. Transitei muito por um processo de escrever e ir descobrindo o texto ao longo da escrita.
No terceiro, que escrevo atualmente, tenho tentado encontrar um processo mais constante, de encontrar horários na rotina para que a escrita aconteça o mais próximo possível da escrita diária (que ainda é uma busca). Tenho pensado mais na narrativa e nos personagens, feito mais anotações e uma espécie de linha geral do livro. Tudo isso sem perder o lado livre também descobrir o texto ao longo da escrita. Mas existe algo em comum em todos esses processos. Sempre gostei de iniciar alguns textos e fragmentos em caderninhos e depois sentar no computador para a escrita mais longa. Não tenho muita dificuldade em me mover desse espaço das notas e fragmentos para a escrita em si. Acredito que são parte de um mesmo processo muito fluido.
Gosto muito de ler antes de escrever, como um esquentar de motores. E quanto às pesquisas, costumo recorrer a ela somente para situações que não conheço ou que preciso de algum suporte mais real. Por exemplo, se eu for me referir a lugares que existem. Imagens podem ajudar muito. Mas gosto desse processo todo bem fluido, sem muita imposição de etapas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tento encarar de forma tranquila. Acredito que é normal passarmos por alguns períodos mais criativos e produtivos, quando a vontade e o ritmo de escrita são grande. E, ao mesmo tempo, é normal passar por períodos mais lentos. Quando eles chegam tento me abastecer com boas leituras e outras atividades que gosto além da literatura. Com a procrastinação o diálogo pode ser mais difícil. Ela chega em diferentes fases e para diferentes atividades. Acredito que ajuda muito dialogar comigo mesma sobre o processo de escrita, encarar como um trabalho que adoro fazer e que, justamente por isso, merece receber meu carinho, tempo e dedicação.
Quanto às expectativas, acredito que é bom não criar muitas quando o assunto é escrita. Minha maior expectativa quando estou escrevendo um livro é finalizar a história da melhor maneira e melhorar a escrita sempre, até que eu me sinta feliz com o texto. O resto é consequência.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Essa é uma etapa que tem mudado muito desde o ano passado, quando eu me mudei para São Paulo justamente para estudar mais e buscar uma profissionalização na carreira de escritora. Antes, acho que até mesmo por ter me acostumado com uma produção de textos mais rápida e diária para o jornal impresso (já trabalhei como repórter de cultura), eu me apressava um pouco com os meus textos no geral. Não tinha o costume de revisitar tanto as produções e nem de mostrar o trabalho para outras pessoas, além do editor que iria publicar. Já nos últimos meses, depois de fazer alguns cursos incríveis (fiz o Toca Literária, estou na edição do CLIPE 2020, fiz cursos on-lines na Escrevedeira), tenho entendido melhor todo o processo e comecei a revisar e reescrever mais antes de sentir que o texto estar pronto. Mas não consigo pensar em um número exato. Também tenho tentado buscar um leitor experimental e agora peço que meu companheiro leia um pouco do que escrevo antes de passar para frente. Além disso, tenho experimentado esse exercício de ter os textos lidos por professores e colegas de turma desde 2019, quando comecei a participar das oficinas literárias.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é bem intensa. Sempre tive blog, site, projeto de literatura online (@elasnaescrita) e gosto de investir nos meus espaços online, então não crio nenhum distanciamento com a tecnologia. Escrevo grande parte dos meus textos no computador e muita coisa aparece também nos blocos de nota do celular. Ao mesmo tempo, adoro o contato com folhas e canetas, acho que me estimular a pensar na escrita em outro ritmo e a me concentrar nesse espaço analógico. Então também gosto de escrever à mão, tenho vários caderninhos, planner, agenda, bloquinho de notas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler muito, apesar de ser clichê, é o melhor dos caminhos para aguçar essa criatividade literária. Sempre que leio um livro bom, que prende minha atenção com bons personagens, um bom ritmo, um texto fluido e gostoso de ler, as ideias para a escrita começam a chegar. Acho importante sempre anotar os pequenos fragmentos de ideias, elas podem ser descartadas mais tarde ou muito bem desenvolvidas.
Acredito também no escritor que experimenta histórias, que sai do sofá e vivencia experiências novas. Sempre tive uma relação bem próxima com trilhas, cachoeiras, passeios na praia, caminhadas na rua, passeios no museu e criatividade para a escrita. O melhor lugar paga encontrar boas histórias, muitas vezes, é lá fora. Durante uma viagem, ou escutando um pedaço bom de conversa no metrô, encontrando personagens no meio da rua. Enfim, manter-se em movimento é essencial.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que tenha mudado o cuidado com o texto. Ao longo dos anos fui entendendo melhor os processos literários, comecei a fazer cursos e oficinas em 2019, li mais autores contemporâneos, pude participar de mais eventos, palestras. Enfim, tive um acesso mais amplo e próximo aos processos criativos e literários e, por isso, meu olhar mudou um pouco. Eu diria a mim mesma que tivesse esse cuidado maior com a revisão, a reescrita, que podemos (e devemos) cortar o que sobra e perde espaço durante a releitura. Diria que tivesse essa proximidade maior com os textos depois que eles parecessem prontos. Isso ajuda muito a ganhar ritmo, forma, fluidez e, no início, eu prestava menos atenção nessa etapa tão importante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho vontade de escrever algo maior, como uma trilogia. Gosto de narrativas longas e fiquei tão apaixonada pela teatralogia napolitana da Elena Ferrante que tive muita vontade de fazer algo assim, transitando com calma e com cuidado por diferentes etapas da vida de uma mulher. Enquanto isso, estou focada no meu livro novo, um romance, pretendo concluir ainda em 2020. Também transformei recentemente um projeto online e agora ele se chama Elas na Escrita, tenho tentado me dedicar mais a ele no youtube e no instagram.
Não sei dizer que história ainda não existe, mas gosto muito de ler histórias que contemplam mulheres, seu interior e exterior, os processos de dentro e a relação com o mundo. Gostaria de ler cada vez mais livros assim.