Isabela Bosi é escritora, jornalista e doutoranda em Literatura na PUC-SP, autora de “Sobre viver” (2019).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de começar o dia devagar, sem me impor grandes rituais. Normalmente, a maioria dos meus compromissos são à tarde e à noite, então pela manhã eu me permito a calma, o silêncio, movimentos lentos, demoras.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu trabalho principal, atualmente, é como pesquisadora e tradutora. Nesses casos, eu funciono melhor pela manhã e pior de madrugada. Minha cabeça para de funcionar por volta das dez da noite! Na escrita literária, por raramente ser um trabalho remunerado, eu me permito a liberdade de escrever quando vem o desejo de escrever – e isso se passa a qualquer momento, em qualquer lugar. Pode ser no ônibus, na sala de espera de uma consulta, no avião ou no sofá da sala. Por isso, não cabe ritualizar demais. Essa escrita tem pressa e não espera.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando um texto está muito presente em mim, eu não consigo desviar dele. Aí não se trata de meta ou disciplina, mas de uma urgência inescapável. Sem essa urgência, eu não escrevo todos os dias nem tenho metas em relação a isso. Já experimentei me forçar a escrever diariamente, a ter uma espécie de diário de escrita, a escrever tantas linhas por dia etc. Nada disso funciona muito comigo. Mesmo nos casos em que existe um prazo para entregar algum texto, a escrita, em mim, não atua dentro de uma lógica produtivista. Ela, na verdade, escapa toda lógica – e, talvez, por isso eu escreva. Se, algum dia, eu chegar a compreendê-la perfeitamente, é possível que eu deixe de escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo varia bastante de acordo com o texto. Não escrevo um poema da mesma forma que escrevo um conto, não escrevo um artigo da mesma forma que escrevo um roteiro de vídeo, e por aí vai. Mesmo de um poema para o outro, ou de um conto para ou outro, o processo varia. Alguns, escrevo em minutos, como se já saíssem prontos. Outros, demoro dias, meses, como se o texto se desvelasse aos poucos, exigindo um tempo maior de construção. Também não acho que exista um fluxo linear da pesquisa para a escrita, mas ambos se desenrolam juntos, se retroalimentam.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se vem algum medo ou ansiedade, eu paro. Não me forço a continuar. Como disse acima, não acho que a escrita mereça ocupar um lugar de produtivismo. Muitas vezes, o que a gente entende como procrastinação é o tempo do texto, que nunca é cronológico, funcional. Se existe alguma trava, talvez não seja o caso de escrever naquele momento e tudo bem. Respira, vai fazer outra coisa, ler, olhar o céu, tomar um banho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas e muitas vezes. Acho a revisão uma etapa fundamental e, aí sim, é onde cabe um exercício disciplinado, é onde se consegue ter algum tipo de controle, inclusive do tempo. Eu tento revisar e editar até sentir que esgotei todas as possibilidades, que o texto chegou na sua forma mais simples, mais limpa. Nesse caso, há semelhanças com o cinema. A primeira versão de um texto seria como o material bruto, com todas as imagens captadas. Depois, é necessário entrar na ilha de edição – e esse nome diz muito – para montar a versão final, retirando as imagens desnecessárias, pondo as cenas nos lugares certos, ajustando cor, som etc. Tudo isso também cabe no trabalho com o texto. Em relação a mostrar a outras pessoas, isso varia, depende do texto, das pessoas, da intenção.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu uso muito o computador para escrever. Me habituei e sinto que acompanha melhor a velocidade do pensamento – ou, mais provável, o pensamento já se adaptou à velocidade da tecnologia. Também gosto da facilidade de já ter o texto digitalizado para edição. Mas, como disse acima, muitas vezes o texto nasce em outros espaços, longe do computador. Nesses casos, eu anoto em um caderninho – sempre carrego algum comigo. Não gosto de escrever no celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Essa é uma pergunta ontológica. Não sei se sou capaz de responder. Não sei de onde vêm os textos. Acho que de muitos lugares, memórias, cenas do cotidiano, notícias, sensações físicas, da raiva, de tudo isso junto ou de nada disso, de um vazio, um oco. Não cultivo hábitos para estimular a criatividade nem sei se conheço algum eficaz, mas algo que eu acredito que incite a escrita é ler, sem fazer distinção entre prosa, poesia, filosofia, sociologia, historiografia etc. Tudo ocupa o lugar da literatura, e pode potencializar a escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sem dúvida, mudou e segue mudando. Eu não sei se diria muita coisa a uma versão de mim do passado nem se faria muita diferença. Talvez, um bom conselho seria leia mais, respire mais e tenha calma – ou não.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ítalo Calvino dizia que todos os seus livros partiam dessa pergunta: o que desejo ler que ainda não foi escrito? Acho uma motivação muito potente. Um empenho em não repetir o que já existe, não reproduzir nada. Buscar o novo a cada texto, mesmo que esse novo esteja sempre impregnado de outras vozes. Deixá-las ecoarem na escrita, mas não persegui-las. Talvez o livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe seja o que um dia escreverei – e, justamente por isso, desejarei escrevê-lo. É essa também uma resposta para a primeira pergunta: o projeto que gostaria de fazer e ainda não comecei é um livro que gostaria de ler e ainda não existe.