Isabel Duarte Soares é escritora, tradutora, pesquisadora de psicologia analítica e pós-graduada em Jornalismo Literário.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia devagar… Preciso de tempo para acordar. Que passa por tomar café da manhã em primeiro lugar, em frente ao computador. A palavra rotina aprisiona-me um pouco, mas a verdade é que as tenho, sim. Mesmo sem querer… Passam por abrir o e-mail, o twitter, o facebook. Dependendo do prazo, segue-se a consulta de feeds de sites e blogs que sigo. Só depois dessa conexão com o exterior consigo fazer algo de verdadeiramente produtivo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho qualquer ritual de preparação. Sinto que de manhã sou mais produtiva. O cérebro responde melhor. Mas escrevo à hora que for preciso. Tento impor-me não escrever depois das oito da noite, com o intuito de sair do computador. Quanto a notas, a qualquer hora do dia ou da noite as escrevo, para não perder a informação que vem quando nos distraímos, o ego deixa de estar vigilante, abrindo espaço para que o inconsciente se manifeste.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos, todos os dias. Porque escrever é uma terapia, a minha forma de expressão primeira e a única que me garante sanidade mental. Escrevo para organizar a cabeça, para materializar o que me vem do inconsciente, para resolver pendências psíquicas. Para me expressar. Não me imponho metas…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita é metade caótico, metade impulsivo. Os temas vêm na minha cabeça e deixo que o inconsciente faça o que tem a fazer, mandando informações armazenadas na minha psique para a minha consciência. Quando já tenho uma quantidade suficiente de conteúdo, escrevo um artigo. Muitas vezes, enquanto escrevo, surgem novas informações, que acrescento ao que já está escrito. A minha escrita é corrida, tem muito de fluxo de consciência, a minha fonte de informação preferida. Por isso, não, não me é difícil começar. Sequer acabar… Às vezes travo no meio do processo, o que me desagrada, por me forçar a continuar. Mas acaba por correr tudo bem. Quando não, deixo em pousio, até conseguir terminar. Outras vezes, escrevo, dou por terminado e saio para caminhar. Não tenho ideia da quantidade de soluções que já me vieram à cabeça enquanto caminho. Às vezes, bastam cinco minutos. Mas nunca caminho menos de meia hora por dia. A caminhada, aliás, também serve de destrava. Já não me torturo mais. Não fico horas sentada à espera de soluções. Quando não vêm, nem penso duas vezes. Calço uns ténis e saio de casa.
Se o projeto me foi encomendado, o processo é diferente, começa sempre por pesquisa. E por estruturar, dar-lhe um índice, ordenar capítulos. E escrever a partir daí.
Pessoalmente, a pesquisa é uma constante na minha vida. Estou sempre nesse processo. A ler sobre temas que me interessam e que passam inevitavelmente pelo autoconhecimento, a psicologia analítica, de Jung, porque a única coisa que me interessa nesta vida é o modo como a cabeça das pessoas funciona. Que gatilhos disparam que ações e reações. O que as move. Porque são assim e não são assado. A pesquisa, na grande e imensa maioria das vezes, confirma-me o que intuitivamente descobri. E tudo o que escrevo tem uma base científica, racional, lógica, de certa forma. Mesmo que inundado de poesia. Nada em mim é achismo. Penso que, nos dias que correm, com tanta informação, é difícil discernir o que é credível e o que não passa de delírio individual. Aproveitamento emocional. Falta autoridade, consciência, humanismo, consequência, poesia, conexão com o mundo interno e externo, à maioria dos artigos que se leem por aí. Para não falar na tradução, e muitas vezes cópia descarada, de artigos de sites internacionais sem citar e revelar a fonte. E nos artigos pagos por uma marca qualquer, sem referência ao facto de se tratar de publicidade. Sou rigorosíssima nisso. E super séria. Para além de gostar de ser original. E independente…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me preocupam as travas, a procrastinação, porque sei que fazem parte de um processo. Que é o inconsciente a processar algo e isso leva tempo. Às vezes, quando demora muito, talvez exerça uma auto-pressão e sinta alguma culpa por não estar a produzir. O que se revela sempre ineficaz. A coisa só sai quando sai. Não me preocupo muito com as expectativas. Apesar de precisar do reconhecimento. Não como validação, mas como meio de conexão, de me relacionar, no sentido de descobrir que há mais gente a sentir o que eu sinto. A ver o mundo da forma particular como o vejo.
Os projetos longos podem cansar-me um pouco, mas, se me comprometo, arranjo forma de os concretizar. De olhar para eles de um ângulo diferente, que não me trave, mas que me impele a terminá-los.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revejo os meus textos dezenas de vezes. Muitas até depois de os publicar no meu site. Volto atrás quantas vezes forem precisas, nem que seja para mudar uma vírgula. Principalmente quando gosto muito deles. Quero que fiquem o mais perfeitos possível. Sem repetições, claros, poéticos, com sentido de humor, dependendo do tema. Mas sem neurose, porque chega um momento em que há que terminar. Com a consciência de que não dá mais, que nada mais consigo fazer para o mudar. E seja o que Deus quiser…
Os únicos trabalhos que mostro antes de publicar ou enviar são os projetos de livros, para serem revistos. Tenho um problema sério com vírgulas. E, como os revi dezenas de vezes antes, já não consigo olhar para eles. Tanto que, até hoje, não consegui voltar a qualquer dos livros que publiquei. Não os li impressos… No entanto, como ambos foram traduzidos para inglês, francês e espanhol, e o primeiro também para italiano, e como sou eu que aprovo as traduções, volto a eles para tirar algumas dúvidas de interpretação do tradutor. Nesse processo, voltei a apaixonar-me por ambos os livros. O que é muito mágico.
Mas, antes de os candidatar a publicação, peço ajuda a um amigo. Nem mesmo dando um tempo e voltando ao texto é suficiente. Chega um momento em que olhos novos são precisos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A minha relação com a tecnologia é a da verdadeira viciada… Tento usá-la, em vez de me deixar escravizar por ela… Na maioria das vezes, escrevo no computador diretamente. Outras, escrevo em papel, quando a informação vem aos borbotões. Já escrevi textos inteiros mentalmente, enquanto caminho. Tiro muitas notas em cadernos e no celular, o que estiver mais à mão, para não perder a informação que chega em forma de insight.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm do mundo, da minha cabeça, de uma frase de um livro, de alguma coisa que alguém disse, de uma folha que cai de uma árvore, da poesia da vida. E que vai ao encontro de algo que desperta em mim e me entusiasma o suficiente para escrever.
Os meus dois livros publicados vieram de duas frases distintas. Começo a escrever textos em que uso essas frases. E, quando sinto que têm potencial, que algo em mim não me deixa descansar enquanto não continuar a desenvolver o tema, declaro para mim mesma que têm potencial para livro. Aí, defino a ideia, que na verdade já foi definida sem eu perceber. Quantos capítulos terá, etc. Tudo é simbólico em mim e o número de capítulos é apenas um exemplo. Enquanto não os escrevo, não descanso. Mas dou espaço ao inconsciente para se manifestar, sempre. Tudo o que é forçado não me interessa, não me faz sentido. Ou seja, não escrevo um texto só para cumprir a quota de capítulos… E, durante esse processo, toda eu fico completamente orientada para esse projeto, vendo potencial em tudo o que me vem à cabeça e fica tempo suficiente para ser credível. Projeto esse que nasce ao fim de três textos com o mesmo bordão.
Quanto a hábitos para me manter criativa, apenas recorro a soluções externas quando estou desesperada. Normalmente, passam por exercícios propostos por autores de livros sobre escrita. Houve um ano em que me viciei nesse tipo de livros e comprei e li um monte deles. Para quem é muito cerebral, aconselho um trabalho mecânico, usando as mãos, para conexão interna. Como cozinhar, caminhar, colorir… Ajuda muito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ter ido morar em São Paulo por cinco anos foi com certeza um grande motor de mudança. Porque precisava de me afastar dos meus, da minha terra, da sua influência, para poder libertar-me emocionalmente. Não me dei conta, foi preciso que algumas pessoas que me leem há muitos anos me dissessem que a minha escrita estava diferente. Mais autêntica. Percebi então que vinha de outro lugar. Não da persona, mas de um lugar mais profundo de mim. É uma escrita mais poética e íntima, do que racional, ou sobre o mundo, os assuntos do momento, que cada vez menos me interessam, por me desviarem de mim, do que quero escrever, do que me importa verdadeiramente. Aliás, é engraçado observar isso nos meus dois primeiros livros. Os três primeiros textos de cada um deles são manifestamente diferentes dos restantes. Muda o tom, muda a abordagem, muda tudo. Quanto maior a conexão, melhores os textos.
O que eu diria seria: escreve com a alma, sempre. Sem medo do ridículo, da exposição, da cobrança. De não gostarem de ti. A expressão consciente do que nos vai na alma é o mais importante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrever um romance; criar um curso de introdução à psicologia analítica; escrever um livro sobre o feminino, este é um projeto de uma vida… Acho que é o tema sobre o qual tenho mais bibliografia… Criar conteúdos sobre os tipos psicológicos do Jung, fazer deles um curso só, e divulgar e aplicar o MBTI até que se torne um instrumento utilizável para melhorar as relações humanas, profissionais, amorosas, afetivas, familiares.
A última pergunta é difícil de responder…