Irka Barrios é contista e novelista, autora de “Lauren”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não costumo seguir uma rotina de escrita. Gostaria muito de experimentar isso, mas minhas outras atribuições não permitem (sou a ortodontista Bibiana e a escritora Irka. Vida dupla, algo bem interessante). Somente quando estou focada em produzir algo específico eu acordo mais cedo e isso ocorre naturalmente, porque as frases que caberiam com perfeição naquele trecho do texto começam a aparecer, atrapalhando meu sono. Aí não tem jeito, preciso levantar e anotar conforme vou lembrando. O engraçado é que sempre fica uma sensação de que a frase que veio no momento confuso do sono foi a perfeita, aquela que não consigo reproduzir no papel.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Definitivamente pela manhã. Apesar de eu ser apaixonada pelo terror/horror, não sou uma criatura da noite. Nunca fui daquelas que avança madrugadas estudando/trabalhando, nem quando mais nova. Prefiro dormir cedo e acordar quatro, cinco horas da manhã para produzir. Sou do sol, do calor, e os sons da manhã são companhias fantásticas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta e passo tempos sem escrever. Não sou disciplinada com horários. Acho que sou bem mais intuitiva num primeiro momento. Quando um texto vem, é sem avisar. Coloco-o no papel (notebook, no caso) no momento em que consigo, algumas vezes só anoto o que acho essencial. Porque é raro que venha inteiro, quando acontece é a apoteose. Mas na maioria das vezes vem fragmentado e eu vou trabalhando nele, dias a fio. A segunda parte é a da edição e é aí que eu fico meio compulsiva. Leio, releio, leio alto, leio em silêncio, mando para meu grupo de escritores críticos, peço ajuda. Devo confessar que gosto bem mais da edição do que da escrita bruta. A bruta me provoca muita ansiedade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar?
Como você se move da pesquisa para a escrita? Eu não consigo nem imaginar o trabalho que os escritores tinham na época em que não havia internet. Lembro que quando comecei, tudo era motivo para parar o texto e abrir um monte de aba de pesquisa. Depois vi que desta forma a coisa não andaria. Então mudei o método (e isso também ocorreu de forma natural): passei a escrever de forma bruta, como mencionei na pergunta acima. Não tenho um caderno de notas, e preciso ter. Mas como eu disse, meu processo é bem caótico.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Vou falar uma coisa para ser odiada: eu não procrastino. E tenho certo orgulho disso, porque me faz mais mística. Explico: prefiro acreditar que o texto está sendo escrito na hora em que deve ser escrito. Muito misticismo? Talvez. Mas é o que me acalma e consola. Não que eu tenha a ideia e saia correndo, abandonando tudo pelo caminho para sentar e escrever. Longe disso. Algumas vezes eu rumino a ideia por semanas, o troço vai, volta e quando eu acho que é um tema que vale ser abordado, sento e escrevo. Tem uns dois anos que quero escrever um conto geométrico. Desenvolvi algumas ideias para levar o leitor à mesma percepção que eu tenho da história, mas ainda não consegui colocá-lo do jeito que imaginei. Por isso, está guardadinho. Sobre a ansiedade, é terrível, é o que me mata. Eu nunca fico plena no início de uma história. Nunca. Porque quero despejar tudo o que precisa ser contado o mais rápido possível. Mas a imaginação e a criatividade (ou inspiração, sei lá) estão se lixando para a ansiedade, elas atuam em determinados momentos e dependem de nossas vivências, de nossas leituras, de nossa percepção de mundo. Isso, para mim, é extremamente angustiante: você absorver uma situação, um lugar, uma experiência, e não conseguir guardar (e depois expressar) tudo o que sentiu.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Isso é das primeiras coisas que aprendi quando resolvi levar a sério a escrita: revisar muito. A escritora Ana Luiza Rizzo disse: “no mínimo 40 vezes”. Não sei se ela disse 40, mas eu guardei este número e é a minha verdade agora. Revisar é prazeroso, é como encaixar peças de um quebra-cabeças. E sim, claro que tenho meus críticos de confiança. O grupo mais próximo, para quem envio quase todos os meus textos, é formado pelos escritores (e amigos) Ana Luiza Rizzo, Arthur Telló e Matheus Borges. Por coincidência, são os meus colegas da oficina do Assis Brasil (somos da turma de 2015). Confio muito na opinião e no feeling deles. Também participo de uma oficina que chama Escrevelendo, ministrada pelo escritor Amilcar Bettega. Lá a gente discute diversos textos, nossos e de autores que gostamos. É um grupo muito maduro e bem crítico.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no mesmo notebook, o que é um problema porque o pobrezinho não é dos melhores. Tenho essa mania de não me sentir a vontade em outra máquina, mas estou trabalhando isso. Atualmente faço assim: o texto bruto tem que ser aqui, as revisões podem ser em outros. Costumo colocar o texto que estou trabalhando num arquivo do Evernote e no meu Drive. Aí posso abrir em qualquer lugar, se estiver na vibe de revisar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Posso dizer que as minhas ideias atuais vêm de críticas que gosto de fazer ao mundo que me rodeia. E hoje temos um prato fundo, cheinho de indignação. Então sinto que uma nova fase de grande produção está a caminho. Depois que terminei “Lauren” eu passei por um longo período sem ideias. Escrevi três contos, mas só porque eram textos que estavam saltando, implorando para sair. Agora, aos poucos tudo está normalizando. Tenho ideias toda a semana, porque o Brasil atual incomoda. Acho que minha criatividade vem daí. Também gosto de mesclar coisas: cinema, séries, livros de história, livros clássicos e livros populares, canais de YouTube que falam de cinema ou que filosofam sobre a cultura pop. Sigo um canal de Física (não aquelas asneiras de física quântica de coachs que não entendem nada de ciência. Física mesmo, mecânica, eletromagnetismo, astronomia, etc). Acho que tudo isso vai se amalgamando e de repente a história aparece. Outra coisa que me interessa muito é a arte como protesto. Spike Lee me interessa, Banksy me interessa, Childish Gambino se localiza no centro de meu interesse. Sinto-me cada vez mais atraída pelo trabalho de artistas que atuam neste sentido.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria “espera, espera, e então espera mais um pouco”. Não tenho a pretensão de dizer algo novo sobre as coisas, mas quero a habilidade de contar uma história com competência. Estou publicando meu primeiro livro solo. Tenho outros dois romances guardados e contos que resultariam em dois livros distintos. Mas não sinto que devia ter publicado mais cedo. Sinto que meu momento é agora. O que eu diria à Irka de uns anos atrás? Leia, garota, leia muito, leia autores latinos, autores de países distantes, de culturas diferentes, de diversas etnias, etc.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu ainda não comecei o projeto que será o meu próximo romance. A ideia é de uma história de terror cósmico, tenho até um nome provisório: “Virá”. Penso numa população que vive esperando um desastre anunciado pelas autoridades, uma hecatombe causada por algum evento natural inevitável. Tal como essa história de aguardarmos o meteoro que um dia nos destruirá. Penso em descrever a rotina de pessoas que precisam tocar a vida sabendo que mais dia menos dia o mundo acabará. Acho instigante trabalhar com essas duas realidades: a imediata, da vida prática, e a imaginária, de pesadelo. Gostaria de trabalhar com três núcleos, três personagens lidando com realidades diferentes. Bem, é um plano. Não há garantias que outros planos joguem este projeto para a gaveta. (Espero que não). Eu gostaria muito de ler, ah, tantas coisas, mas vá lá: uma boa ficção baseada na vida de Chica da Silva. Sou apaixonada pela aura mágica que ronda a vida daquela ex escrava. Acho-a uma personagem incrível, nossa Scarlet O´Hara. Sei que tem livros que tratam dela, preciso procurar com mais empenho. Ah, é tanta coisa que vai acumulando na mesinha de leitura. (risos)