Íris Aparecida é terapeuta e artesã alquímica das palavras ditas e escritas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nunca gostei de acordar cedo. Atualmente, moro em uma rua barulhenta de São Paulo, então, amo ouvir o silêncio da madrugada ou perambular pela vida noturna. Sendo assim, troco muito o dia, pela noite. Acordo sempre preguiçosa, e demoro para levantar. Tenho uma gata chamada Essência, o ritual matinal são nossos afetos trocados. Ela se enrosca no meu pescoço, deita praticamente no meu rosto ou sobe em qualquer parte do meu corpo… de frente, de costas e até de lado rs… é desafiador interromper estes chamegos para me levantar! O que é rotina também, é o café, sem açucar, pra mim, e para os pretxs velhxs, no meu altar. O complemento do café depende da energia que me acompanha a cada ciclo… hora um suco verde, pães, ovos, frutas… hora saio e vou até uma padaria tomar um pingado e comer um pão na chapa com requeijão… e por vezes, fico apenas com o café mesmo, até o almoço. Fumar um tabaco, sentada no sofá, meditando sobre a vida, o que escrever, sobre o que farei do dia e tudo mais, também faz parte da rotina matinal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou terapeuta, amo muito o meu trabalho! Amo tanto que quando tenho atendimento cedo, a partir das 9h, acordo disposta e feliz! Para essa minha profissão, qualquer hora é hora! Já a escrita é meu hobby, está no meu campo de prazer e contribuição para com o universo. Ela ainda não se tornou parte da minha profissão/ remuneração. Desejo mudar este cenário em breve. Não tenho nenhum ritual externo com a escrita, apenas demanda de elaboração interna.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase todos os dias. Em períodos férteis, da minha ovulação, os insights não param, às vezes, jorro textos e mais textos. Não tenho meta, tenho necessidade de externalizar, elaborar e compartilhar o que vivo, penso, sinto, vejo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minha escrita não é acadêmica/ científica, então ela é fluida, orgânica, caseira. Precisei e preciso estudar muito para ter uma compreensão de mundo, cultura, crença, religião, política, etc para eu não falar nenhuma merda, não julgar, não atacar e nem cagar regras para ninguém. Meu campo de pesquisa é a vida cotidiana. Ser terapeuta me deu o privilégio de enxergar os seres humanos dentro de todos os seus aspectos psíquicos/ emocionais. Como não posso falar da vida dos outros, eu falo da minha! Escrevo muitas histórias das minhas vivências pessoais, passadas e presentes. Elaboro as minhas histórias com o intuito de auxiliar as outras pessoas a elaborarem as delas e evoluírem com suas respectivas lições de casa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como o conteúdo da minha escrita são meus processos emocionais, às vezes, tenho que dar tempo ao tempo. Tenho um acordo comigo: minha escrita precisa ser amorosa, consciente e responsável. Às vezes, a peteca cai… sou errante, sou humana, me abalo! Me frustro por não poder escrever, porque sei que escreverei catarticamente, de forma raivosa e irresponsável… Escrevo, sem publicar, somente para constatar o tanto de raiva ainda preciso lapidar. Tenho me humanizado muito mais rápido, após a escrita. Meu cor.ação tem estado mais limpo e eu como um todo, mais presente e conectada com o Aqui e Agora. Odeio a procrastinação, ela me persegue quando tenho algo grande para fazer. Tenho aquele tipo de procrastinação ativa… Lavo cada azulejo do meu banheiro com o maior dos perfeccionismos possíveis! Acabo fazendo o que tenho para fazer nos últimos minutos do segundo tempo, e claro, sempre me arrependo, sei que faria muito melhor, com mais calma se não tivesse enrolado tanto. Sou uma árbitra muito grande pra mim mesma, então, lidar com as expectativas alheias me travariam ainda mais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No início, antes de eu começar a publicá-los, mostrava-os. Angariava opiniões e autorizações, até eu entender que uma opinião fazia parte do julgamento da subjetividade de cada um. Se eu escrevesse artigos científicos, teses, e coisas do tipo, sem dúvidas, precisaria de muita revisão, orientação e acompanhamento. Na minha forma, eu falo como escrevo, escrevo como falo… o texto saí praticamente pronto, após tantas elaborações internas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho o hábito de escrever muito mais no bloco de notas do celular, é prático! Meu livro, estou escrevendo no computador. No papel, diário, somente devaneios, anotações, coisas soltas, sem tanta elaboração… deixo as catarses mais livres.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Todas as minhas ideias vêm das minhas vivências. Me movimento muito, faço muitas amizades, tenho muitas trocas com diversas pessoas, diversos mundos, formas, educações, etc. Sou uma ouvinte ativa, tanto profissionalmente, quanto pessoalmente. Gosto de investigar/ pesquisar a humanidade em si.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha maturidade mudou, e com ela, minha escrita, minha visão de mundo, e minha humanidade. Se eu dissesse algo à Íris de antigamente, eu pediria à ela, para não rasgar seus escritos (risos). Escrevo desde criança, e como criança, era tudo muito catártico, intenso, fulminante… não queria que ninguém descobrisse minhas infantilidades, minhas sombras, meus sofrimentos. Eu escrevia, escrevia, e após, rasgava e jogava tudo fora.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos que ainda não saíram do papel ou que ainda nem chegaram nele. Um deles, é levar um trabalho de conscientização para as periferias, nasci em uma, e só a Deusa sabe o quanto galguei para encontrar meu lugar, minha permissão de ser, e sobre as infinitas possibilidades de Ser! Não sei que livro ainda não existe, mas o que estou escrevendo é o que eu gostaria que a maioria das pessoas lessem. É esse resgate da nossa essência, da nossa autonomia… uma ressignificação de nossas dores, dos abismos que já caímos, dos abusos, dos estupros, da crueldade humana. Pretendo ensinar como separar o joio do trigo, como identificar o bom e o ruim, o quente e o frio, o saudável e o doente, a pulsão de morte e a pulsão de vida. Vivemos uma cultura de dor, sofrimento, dificuldades, depressão, ansiedades… Quero ensinar o caminho das flores, das cores, do acolhimento, do não julgamento, da aceitação, das construções, e sobretudo, do amor.