Irineu Franco Perpétuo é tradutor e jornalista especializado em literatura russa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente acordo, leio as notícias e começo a trabalhar. Faço uma pausa para almoço e (quando dá) breve repouso ou siesta, e depois retomo as atividades.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro evitar trabalhar à noite, apenas para não ficar escravo do trabalho 24 horas. Não sou escritor, sou jornalista e tradutor. Assim, minha escrita não é artística, é braçal, então não preciso de inspiração ou de rituais. Além disso, vivo na base de prazos – habitualmente curtos. É sentar na cadeira, abrir o computador e escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meu ritmo de trabalho é ditado por meus prazos. Artigos jornalísticos e entrevistas são textos de fôlego curto; podem e devem ser escritos no mesmo dia, de uma só vez. Para as traduções de livros, que são trabalhos mais longos, eu trabalho com metas mensais, semanais e diárias, para regrar as tarefas e garantir o cumprimento dos prazos. Não sou o ditador de mim mesmo: estabeleço prazos realistas, quando não generosos, justamente para a ansiedade gerada por prazos draconianos não inviabilizar a execução do trabalho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Só quem é criador tem direito a falar em processo criativo. No jornalismo, o processo é muito simples: feita a apuração, deve-se escrever. E, normalmente, nossos prazos são tão estreitos que não podemos nos dar ao luxo de ter dificuldades. Na tradução, o processo criativo foi todo do autor do livro que estamos traduzindo. A pesquisa é feita durante o processo tradutório. Isso, obviamente, porque sou um tradutor profissional. Os tradutores acadêmicos possuem um outro processo; suas traduções são fruto normalmente de uma séria e aprofundada pesquisa de anos, de mestrado, doutorado, etc. Meu processo é muito mais superficial, rasteiro, imediato.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procrastinação é um luxo que não posso me conceder. Os prazos são estreitos e, se não forem cumpridos, perde-se o cliente. Quanto às expectativas, desisti de alimentá-las a meu próprio respeito, o que é, em certo grau, libertador – além de realista. No que se refere às expectativas alheias, esforço-me por não alimentá-las, nem introjetá-las. Por fim, já trabalhei em vários projetos bem longos de tradução – romances realmente volumosos, como Vida e Destino, de Vassíli Grossman, e os calhamaços de Tolstói, Anna Kariênina e Guerra e Paz. Na época de Grossman, eu era bastante inexperiente, calculei mal o prazo e sofri muitos percalços na vida pessoal, o que atrasou bastante o trabalho. Felizmente, a editora Alfaguara foi bastante compreensiva, e o livro acabou saindo. Bem, Vida e Destino funcionou como um batismo de fogo: a partir daí, creio ter aprendido a me organizar bem melhor, e me disciplinado para cumprir os prazos. O que ajuda é que, em geral, tenho um estilo de vida pacato e monótono; minha existência é pobre em eventos e estímulos, o que me permite focar no trabalho, já que quase nada existe fora dele.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os artigos jornalísticos são revistos logo após escritos, e enviados imediatamente – os prazos industriais não permitem mais do que isso. As traduções merecem mais cuidado. Gosto de trabalhar com unidades inteiras. Assim, normalmente, reviso cada capítulo após escrito. Se o livro está dividido em partes, reviso depois cada uma das partes, tomos, volumes, etc. E gosto também de revisar o trabalho inteiro por mais uma vez, antes de entregá-lo. Como o trabalho já será lido por editores e revisores, não tenho o hábito de mostrá-lo a ninguém. O que pode ocorrer é fazer consultas pontuais a determinados especialistas, sobre questões específicas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia é inevitável, gostemos dela ou não. Sou do tempo da máquina de escrever, mas, desde que existe o computador, em suas versões mais rudimentares, escrevo tudo na tela. A única parte escrita a mão são as anotações das entrevistas. Mesmo assim, prefiro gravar, e depois lançar o resultado da gravação diretamente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como jornalista e tradutor, minha profissão não é ter ideias – é repercutir ou traduzir as ideias dos outros. Eles é que devem ser e se manter criativos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O processo, em si, não mudou. É sentar, escrever, enviar – e esquecer. Algo como uma jukebox de textos, ou delivery de fast food. Mudou talvez a rapidez da escrita – uma aceleração ditada pela premência dos prazos, que não necessariamente se traduz em ganho qualitativo. Já voltar aos primeiros textos é um exercício de autoflagelação ao qual prefiro não me submeter.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrever, para mim, não é projeto pessoal, é um trabalho que faço para pagar as contas. Portanto, não posso dizer que haja algum que eu tenha necessidade interna ou metafísica de fazer. Fico feliz quando me convidam, pois daí tenho a perspectiva de manter um teto sobre a cabeça e encher a geladeira. Quanto aos livros, há tantos existentes que não li – e não conseguirei ler – que não consigo ansiar pelos inexistentes. Os autores desses livros ainda inexistentes é que devem imaginá-los e materializá-los.