Irene Rocha Kalil é servidora da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durante a semana, o meu dia começa por volta de 5h40. Acordo cedo e cruzo o Túnel Santa Bárbara em direção ao Flamengo, onde trabalho como jornalista numa instituição pública de assistência, ensino, pesquisa e cooperação em saúde. Minha filha caçula vai comigo, pois fica na creche institucional. Chego na minha sala por volta de 7h, tomo café enquanto olho os e-mails e entre 7h30 e 8h começo a pôr a mão na massa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Numa situação ideal, trabalho melhor nas primeiras horas do dia. Mas dificilmente estou numa situação ideal, então produzo na hora que dá. Acho que não tenho nenhum ritual específico para a escrita, mas sempre que sento em frente ao computador já tenho algo anotado em caderninhos ou em textos impressos que estive lendo relacionados ao tema sobre o qual vou escrever. Essas notas são o mote ou ponto de partida para uma matéria jornalística, um projeto de pesquisa, um artigo ou outro texto acadêmico no qual esteja trabalhando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Isso depende das minhas condições objetivas do período. Normalmente, minha vida é um caos! Tenho três filhos, de 9, 5 e quase 2, e isso me impede de ter uma meta rígida de escrita diária. Meu período de maior dedicação são as manhãs porque estou fisicamente num ambiente de trabalho, sem as crianças. Tento render o máximo nesse período. Mas quando tenho um artigo para finalizar, por exemplo, trabalho por algumas horas à noite ou no final de semana.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre tive facilidade para escrever, por isso, em geral, o movimento do pensamento à escrita é fluido. Durante o mestrado e o doutorado, eu tinha um método que era o seguinte: o quanto antes, eu delineava uma estrutura de capítulos para o trabalho, com os principais assuntos que seriam discutidos e seus enquadramentos. Depois, eu ia trabalhando capítulo a capítulo, ou seja, separava textos de referência, dados de pesquisa e anotações por capítulo em que eles seriam utilizados, e isso tornava muito mais organizado e tranquilo o processo da escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo procrastinar ou colocar expectativas inatingíveis para meus projetos de escrita. Sou prática e sei que cada projeto tem suas condições objetivas de produção: tempo, contexto ao redor, minhas próprias limitações intelectuais, claro. Por isso, por mais que me preocupe com a opinião alheia, isso não me imobiliza. Procuro fazer o meu melhor possível dentro de cada situação. Mas, no processo cotidiano da escrita, há dias em que, simplesmente, não estou inspirada para escrever. Nesses dias, não adianta insistir e passar horas inúteis em frente ao computador. Prefiro fazer outras coisas: um programa com meus filhos, um cinema, uma caminhada. Então, o dia seguinte costuma ser muito mais produtivo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho um processo de escrita bem autônomo e não costumo revisar milhões de vezes antes de publicar, não. Mas gosto que alguém possa lê-los antes e dar uma opinião. Muitas vezes, essa tarefa sobra para o meu marido… No caso dos artigos, o interessante é que são, quase sempre, em parceria, por isso são escritos a quatro, seis mãos, e revisados durante o processo da escrita. Quando vão para a avaliação dos periódicos, eles são mais uma vez analisados, criticados, e é incrível perceber como aquilo que acreditávamos estar pronto fica bem melhor depois de editado, enxugado, depois da interferência de outras pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo bem no computador. Atualmente, escrevo tudo nele. Mas sempre tenho caderninhos com anotações e gosto de ler tudo impresso, então saio fazendo comentários em todos os textos e livros que leio e que servem de matéria-prima para começar a escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Atualmente, minha escrita está vinculada às minhas atividades profissionais e acadêmicas. Acho que estar sempre lendo artigos, pesquisando e pensando nos temas que permeiam meu trabalho cotidiano em busca de abordagens diferentes é uma forma de ter ideias novas e continuar produtiva.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua dissertação?
A escrita é um processo que envolve técnica e experiência. Ambas são importantes e necessárias, mas a técnica pode ser adquirida em um tempo mais curto, enquanto a experiência precisa ser cultivada ao longo dos anos e de muita prática. Acredito que, quanto mais escrevemos, melhor uso fazemos da técnica, vamos conquistando segurança e autonomia para usá-la com criatividade. Se pudesse voltar à época da escrita da minha dissertação, nos idos de 2007, 2008, eu diria para confiar em mim mesma e que eu estava, sim, escrevendo um texto acadêmico, ainda que com a fluidez jornalística. Porque naquela época eu tinha medo de não conseguir alcançar uma escrita acadêmica e me defendia dizendo que era uma jornalista fazendo uma reportagem…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever um livro sobre os sentidos do desmame para as mulheres e a relação desses sentidos com os discursos pró-aleitamento materno contemporâneos. É um desdobramento da minha tese que será fruto de uma pesquisa futura. Esse livro ainda não existe. E espero que outras pessoas também se interessem em lê-lo! (risos)