Iolanda Pinheiro é advogada e escritora cearense.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina muito comum. Faço o meu horário conforme as minhas necessidades e disponibilidades. Logo que acordo, a primeira coisa que faço é cuidar do meu cachorrinho e acordar meu filho para que ele vá ao trabalho. Moramos apenas os três em um apartamento antigo e charmoso. Depois faço o que a maioria faz: tomo banho, tomo café com meu filho, e vou trabalhar. Advogo na área ambiental e com contratos. O resto do dia vai depender dos meus clientes e dos trabalhos que vão surgindo. Vez por outra dou uma checada nas redes sociais que hoje fazem parte da minha vida, e através das quais me mantenho em contato com amigos que moram longe e com outros escritores.
Em resumo, posso dizer que na primeira parte dos meus dias, sou uma pessoa absolutamente normal com atividades que não guardam nenhuma pertinência com a nobre arte de escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma escritora intuitiva e dependente de inspiração. Não planejo o que escrevo, espero que a ideia apareça, e aparecem muitas. Já percebi que o fluxo de ideias interessantes é maior à noite e durante as insônias madrugais. A maioria das ideias se perde se eu não as registrar em algum canto. Quando estou dirigindo e penso em um trecho bom para uma poesia, por exemplo, paro o carro e gravo no celular.
Meu processo criativo é assim – surge a ideia e eu fico visualizando as cenas da história que escreverei em minha cabeça, como se assistisse a um filme. Depois começo a executar (a parte mais sofrida do processo) e neste momento muitas vezes eu desisto e espero por outra ideia melhor. Tenho várias ideias engavetadas, e vários contos pela metade. Alguns eu retomo e trabalho neles até que me sinta satisfeita. As histórias que escrevo muitas vezes mudam, quando aparecem insights que as deixem mais interessantes do que na versão pensada originalmente. Sempre procuro dar finais surpreendentes para meus textos, até porque a maioria das coisas que eu escrevo é de terror/suspense, e surpreender o leitor faz parte.
Não sigo rituais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Geralmente eu não tenho nenhuma organização, uma vez que a inspiração é quem determina a minha escrita. Mas às vezes escrevo para cumprir algum compromisso. Recentemente, por exemplo, eu fiz um conto para participar de um amigo secreto entre escritoras do site As Contistas.
Não estabeleço metas para mim. Meu plano é escrever coisas que me encantem, que me deixem feliz.
Desafios literários me instigam também, embora eu acredite que deixar o pensamento fluir e receber a inspiração sempre é a melhor opção. Quando escrevemos sob a pressão de prazos, e limitados por temas, a escrita fica um tanto prejudicada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não faço notas. Vou escrevendo e deixando que a trama me conduza. Muitas vezes começo com uma proposta inicial e no fim o conto sai completamente diferente daquilo que foi idealizado.
Quando quero ambientar meus contos em um lugar que não conheça, pesquiso na internet para não cometer equívocos.
Acho a pesquisa necessária. É importante para dar consistência e verossimilhança que os fatos históricos e geográficos correspondam à realidade ou, ainda que haja uma dose de fantasia na trama, que não fuja demais do que faria sentido. Creio que exista alguma ordem no caos, e que a seguir é importante para que o resultado não fique muito descosturado.
Outro fator importantíssimo para que a escrita me agrade é a parte final do projeto. Entendo o texto como algo que se encaminha para um lugar que deve justificar toda a história. Assim, muitas vezes mudo o final antes da publicação se tenho uma concepção melhor. No meu entender as melhores tramas têm uma ambientação cuidadosa, personagens bem estruturados, fluidez e um final impactante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As pessoas vivem me cobrando lançar um livro solo, pois já participei de algumas antologias. Fico adiando este projeto mas acho que um dia vou acabar me rendendo. Muitas pessoas que leem meus contos me dizem que os textos que publico poderiam virar romances, pois crio subtramas dentro das histórias. Creio que eles têm razão no que falam, mas acho que me entediaria em escrever histórias longas.
Já fui capaz de passar meses sem conseguir escrever uma linha. Acontece. Conversando com outros autores vi que o chamado bloqueio criativo ocorre bastante e cada um lida com ele de uma forma: a minha é esperar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso algumas vezes, eu mesma. Deveria pedir para que outra pessoa fizesse isso, porque depois de publicados, ainda encontro falhas no trabalhos, que passaram despercebidas por mim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo sempre no computador. Acho que a tecnologia trouxe enormes possibilidades para quem escreve: ferramentas poderosas para pesquisa, a possibilidade de reescrever várias vezes até chegar no formato desejado, uso de imagens, um poder muito maior de divulgação, interação com outros atores desta atividade… não fosse a tecnologia, essa entrevista dificilmente seria uma realidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da observação da vida real, mas também de filmes e séries que assisto, livros que leio, e contos dos amigos publicados em sites de escritores. Tem uma série que eu acho bastante inspiradora, mas faz um bom tempo que não assisto seus episódios. Chama-se Twilight Zone (Além da Imaginação) e traz histórias curtas, mas bastante originais. Recomendo a todos.
Eu brinco dizendo que minha inspiração vem de um espírito que me possui, e quando dou por mim a história está toda em minha cabeça e eu tenho que escrever bem rápido para não esquecer. Isso também acontece quando o conto está perto do fim, e me vem uma ideia surpreendente para o fechamento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje eu tenho mais cuidado do que no início. Tento usar mais técnica para que a minha escrita consiga sair com o menor número de falhas. Também releio para ver se a construção das frases não ficou confusa, se os diálogos soam naturais, se o todo ficou compreensível para os leitores. Às vezes a história faz todo sentido apenas dentro da nossa cabeça, porque a vemos dentro de um todo ideal que o leitor não enxerga, daí a grande importância de ter leitores beta para o processo da escrita.
Aprendi também a receber as críticas com maturidade, separar o que me acrescenta e não me aborrecer com aquelas sem proveito. Participar de muitos concursos literários me fez aprender a trabalhar o ego, silenciar quando necessário, e rever as minhas convicções porque estamos todos em constante evolução, e achar que já chegou ao ápice faz o escritor estagnar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acredito que o grande projeto de todo escritor é escrever, publicar e vender livros. No meu caso, um livro de terror – coletânea de contos, ou um romance – e entrar no circuito dos escritores que vivem da literatura. Sei que é um projeto ambicioso e que o mercado editorial está em crise, mas sonhar é de graça, né?