Inez Andrade Paes é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
As manhãs não são iguais mas o essencial, da rotina diária, tem de ser feito. Assim, começo o dia tratar do meu velho cão, que na idade dos homens terá 102 anos e porque é Verão regando cuidando e colhendo da horta. Depois tudo flui direccionado para escrita, a pintura e a fotografia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De madrugada. Quando todas as gotas de orvalho tombam imperceptivelmente.
Nenhum ritual de preparação para a escrita. Escrevo a qualquer momento em que essa força ou necessidade se insurja. Esse momento é importante para dissipar qualquer equívoco do íntimo e para que se eleve a esperança no domínio do amor.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias escrevo. Mas preciso de estar mais só. Os ruídos são uma imposição, um obstáculo, criam falta de serenidade e dificultam a compreensão do belo e do essencial no íntimo de si.
Não tenho metas. A minha escrita flui naturalmente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não é difícil começar porque tudo se manifesta com muito amor, muita dor que determinam o necessário abandono na escrita.
Por estranho que possa parecer leio cada vez menos e sinto cada vez mais a energia que tudo e todos emitem. Porque está tudo escrito.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sinto que seja um problema. Não sinto travas na escrita. É a minha liberdade em pleno e perfeito estar na escrita que me comanda a aceitar, ou não. Tudo tem o seu tempo e é aí que a humanidade erra.
O sofrimento não sugere bem-estar.
Somos seres caminhando para uma imaginária perfeição e os erros servirão para a própria compreensão desde que sejamos humildes.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Algumas vezes. Gosto de limpar os textos. Sim, por vezes mostro, mas a pessoas muito escolhidas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sinto que a tecnologia nos trouxe um outro tipo de velocidade. São energias frias não são do sangue, da seiva. É muito prático, muito rápido, mas poderá ser um caminho para diluição do indivíduo. As matérias-primas e a energia que são usadas a partir da tecnologia por vezes sobrepõem-se ao sofrimento de uma forma destrutiva.
O tempo estabelecido pela tecnologia fica descrito, embebido, na matéria e se a matéria for destruída então o tempo não tem limite, fica desfasado, e o corpo perde-se.
Para os Escritores é benéfico por um lado, porque a mão, a caneta e o papel desenvolvem o desenho da ortografia, agarrando-os no tempo de reflexão necessário para as palavras exactas. No computador a velocidade da escrita cria um outro tipo de reflexão compensatória.
Esta velocidade é-nos imposta pela sociedade e seus desígnios económicos.
Para rascunho, é ideal o computador.
Escrevo à mão ou no computador. Depende de onde esteja no momento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Como já disse, as ideias surgem sempre através do amor ou da dor.
Hábitos? Estar o mais perto da terra. É a partir deste hábito, que a linha de criação se completa porque se não for assim, teria de obter um conhecimento através da leitura e de conversas com os outros, haveria sempre um filtro. O sofrimento não liberta, não dá alívio ao Autor e o Autor tem ciclos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Um amadurecimento na forma e na contenção. Apesar de ser difícil esta contenção, porque sou muito viva. Humanamente viva.
Não posso aceitar a injustiça, a manipulação de um ser pelo outro, a dor infligida, a mentira, a ganância.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projecto onde a oralidade acompanhasse mais as crianças e os jovens, que as histórias fossem contadas todos os dias porque é nestas histórias que assenta o futuro.
Dizer ao mundo que a maledicência não é o caminho certo.
O amor é a fronteira mais difícil de alcançar sem encantamento.
Que a liberdade é uma prisão.
O meu próximo livro é o começo desse projecto.
Gostaria de ler um livro de poucas palavras. Que mostrasse a quem o lesse que a vida é estar perto do que é essencial. Que altos voos competem aos pássaros que voam a grande altitude. E para que lá se chegue é preciso observá-los.