Igor Moroski é escritor, autor de “Vermelho-Medusa” (Editora Urutau).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo iniciar o dia sobre um dado pêndulo mental entre o peso de existir e uma esperança pré-fabricada: eu matuto as partes e me convenço do que será feito para preencher a angústia durante o cotidiano, faço a gestão pessoal no limiar da minha ânima e então só depois deste tribunal de medidas – norteada pelo catálogo-de-bons-futuros da nossa geração – que me levanto. Às vezes isto é difícil, minha companheira diz que falho em não saber lidar e aceitar o vazio dentro de seu caráter empírico. Que tenho esta síndrome de querer ser muitos, o que creio, acaba desembocando neste lugar-naco: O Nada; por ansiar tanto se achegar a totalidade que projeto ou em mim se projeta, caio nesta maré de polaridade. “Os extremos se tocam” como trata o princípio hermético, “O Tudo e O Nada são o mesmo em graus diferentes”, o que os aproxima e me traz este sentimento. Meu dia essencialmente é esta íntima alquímica de habitar mais dentro de si do que externamente, nesta psicosfera complexada de poeta menor, de pessoa menor, desta fundamentação do erro que não desejamos ser e o medo deste sistema inorgânico que a sociedade criou.
Não possuo rotina, mesmo que ultimamente tenha tratado de equilibrar as coisas. Faço alguns cursos para agregar no currículo, já que sabemos que poesia não enche barriga. Me formei este ano em radiologia e diante desta fase transitória ainda me pergunto como vou sustentar minha criatividade em um ofício pragmático e mecânico. Dificilmente levanto muito cedo. com ressalva dos dias que tenho maior compromisso ou que não consigo dormir, trago para mim uma regra: caso não pegue no sono até os passarinhos se ascenderem não vale mais. O espaço puro e lírico que reverberam não é algo que abandono, me causa culpa se assim o faço, sentir que algo único se perde.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sei dizer com certeza. Acredito que é muito ditado pela natureza da poesia juntamente a nossa natureza de interceptor, sendo que nos poluímos e oscilamos em fatores diversos (psíquicos, fisiológicos, sociais) e como nós a poesia também flutua em suas próprias variáveis. Por isto depende do que ambos vibram e o que se alça. Então o horário só é relevante até certo ponto, vejo como maior signo a leitura da condição dos elementos que nos regem, ou seja, ter a sentida intuição de tatear a sombra de um poema maduro. Quando assim a tenho escrevo ou então espero, no entanto não muito, respeito o meu tempo tal como respeito o tempo do poema, que depois de gerado no extrafísico embruma se muito aguarda. Porém, apesar deste olhar holístico, majoritariamente opto por escrever de noite, quando não há tanto movimento e existe silêncio. O único ritual permanente é que sou incapaz de escrever em lugar fechado. E na produção do meu segundo livro – que estou quase fechando – eu preciso fazê-lo de preferência de manhã, preparo um mate – chimarrão ou tererê, como pede o dia – e assim engatilho. Pois nele há um conceito de poemetos meditativos, efêmeros, esta ritualística é importante.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu sinto que o verso perde o torque diante de uma escrita diária, que só é válida quando o intuito é o exercício, comigo a poesia tem seu período de acumular experiência, maturar suas observações, emergir significações, minar-se, difundir-se, dissipar-se conforme sua própria índole e isto sem minha intenção. Neste primeiro momento sou somente seu receptáculo íntimo. Então não há metas para que assim não dissimule o que nisto considero genuíno. Mas, como disse anteriormente, é preciso haver respeito com meu tempo e o tempo do poema, paralelamente, é preciso zelar a mão que compõe para que ela por fome não se perca.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não há pesquisa ou notas.
Concebe-se de uma não-ideia. O poema cresce de um primeiro verso ainda sem concepção, então parte dele a tonalidade ainda subentendida de onde irei coser a imagética, o senso fonético, a minha teatralidade semântica, etc. Meu processo é sobretudo extrasensorial, sentir com o pensamento, com o jogo mental e espiritual da coisa. Extrapolar o corpo, fazer do poema o corpo. Eu sempre me vejo embriagado por uma certa vidência pretensiosa enquanto escrevo e é nisto que sonha a minha poética: escrever para desconfigurar sinapses.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nestes casos de bloqueio criativo forço a escrita, independente que saia algo fraco, é de onde retomo a mão. Vejo como se estivesse com os tendões congelando, tu pode procurar se mover ou esperar o sol. Então me movo. Não acredito nesta visão blasé de inspiração. É mais questão de harmonia interna, estado de espírito, o quanto no instante tu consegue domar a psique. Sobre os rodeios de expectativas e ansiedade me faço bem. Ao menos atualmente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Me guio muito pela fonética, porque quase sempre procuro catalisar no que produzo a ambição de um manifesto, quero ao máximo tornar a não declamação do poema algo inviável e por vezes que seja uma marcha valseada. Então escrevendo ao mesmo tempo declamo, nisto, o som acusa alguma desarmonia, o que acaba por ser uma revisão simultânea. Mas quando terminado ainda reviso, mesmo pouco, já que valorizo a virtude imaculada da primogênita-forma, o poema na sua real excelência. Mas há ocasiões que reviso e muito. Poemas que me deixaram rouco por este fato de declamar durante o processo, também após, que facilmente chegaram na casa da centena. É por via destes casos que normalmente mostro para alguns amigos, quando há uma cegueira pós-parto, de se calejar de tanto estudar as veredas-etéreas do poema. Em cortesia às vezes também mostro aos meus confrades, por maioria, os que me acompanham há anos e foram/são salutares na construção do meu eu-poeta. A única pessoa que lê e acompanha antes de todos é a minha namorada (Jéssica Saggin) que é uma baita artista.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Fazer à mão não acompanha o lapso das imagens. Tirando poemetos, algo mais conciso. Por este motivo é tudo no notebook.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não. Hábito nenhum. Vivenciado e lúdico.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Pergunta complexa. Porque quando era pequeno e ainda não sabia o que era poesia, fazia versos na minha cabeça, em minha solitude. Isto deve ter se iniciado pelos meus cinco anos, ficava isolado, quieto, montando as frases mentalmente, condensando o belo. Lembro que era quase sempre um dos últimos a ir embora da escola, esperando meu pai sair do trabalho para me buscar, ficava agarrado nas grades criando verso como passatempo. Estas são as “escritas” que não tenho para poder lhe responder, como as que vem em sonho.
Aprendi a ler e escrever prematuramente, me criei em uma rua sem saída, onde todas as casas pertenciam a família, todos religiosos. Por isto, logo cedo, fui incumbido ao estudo teocrático, o que me trouxe um apego a palavra, a dicção e principalmente: a semiótica. Eu amava o oculto, em saber qual significado atrelavam a estátua de Nabucodonosor, a besta de dez chifres, a estância celestial vista por João, etc. Isto me desenvolveu um senso de divino ao mundo, personificação, êxtase, mas também me coube algo ruim quando criança: uma ótica escatológica; a perseguição onde qualquer hora poderia ser morto por errar a Deus, visualizava um anjo da morte, uma saraivada, eu sendo flagelado por cinco meses por criaturas apocalípticas que a Bíblia chama de Gafanhotos. No entanto, apesar disto, eu não abdico nada, isto foi importante para minha percepção poética. Meus primeiros escritos mesmo, foram feitos para uma prima, quando eu tinha sete anos. Mas nunca foi algo regrado. Na quinta série tinha um colega que encomendava cartas para dar as gurias. Enfim, há muita coisa, uma vida toda, a qual não posso mudar e nem desejo. E só hoje me sinto dentro da minha primeira infância, só hoje com vinte e um anos me encontrei naquilo que lancei para mim, que sinto que finalmente estou moldando a matéria que co-criei. Posso dizer que tudo anterior aos meus vinte anos foram meus primeiros escritos. Porém o que mudou de mais importante no processo de antes para agora é ter fugido deste quê baboso que dão a poesia. A poesia tem muitos braços para quererem limitar ela a uma bula.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro de poemas, de contos, novela ou romance que trouxesse o corriqueiro caiçara paranaense, sem o apelo de um bruto regionalismo. Regionalismo assim não dá camisa, Algo equilibrado – até hoje não consegui ler Iracema – seria/será um trabalho de anos junto a alguém que atrele fotografia, xilogravura, desenho… Também desejo um dia romper com a estética, transpassar o verso livre, criar uma obra que galgue a plenitude dos sentidos.
O livro: um inédito do Lautréamont.