Ieda Marcondes é crítica de cinema e roteirista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina. O bom de não ter um emprego convencional é justamente a flexibilidade. Tenho dias produtivos, em que trabalho por várias horas, e dias em que descanso ou resolvo outros assuntos. Sou bastante disciplinada com os meus prazos, então posso me dar ao luxo. É preciso ter responsabilidade quando se trabalha de uma forma tão flexível.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho bem em qualquer momento do dia ou da noite, desde que o ambiente esteja calmo e confortável, sem barulho ou interrupções constantes. Às vezes ouço músicas instrumentais (as mais agitadas e/ou com vocais me atrapalham), mas sempre em volume baixo. Pra mim, não adianta tentar escrever sem um mínimo de concentração e calma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. Quando tenho prazos a cumprir, estabeleço uma média mínima de caracteres que preciso escrever por dia. Em geral, acabo sempre ultrapassando essa média, mas é uma forma de me deixar mais tranquila, sabendo que o texto está progredindo em um ritmo bom e que não vou ter de correr pra entregar de qualquer jeito. Também gosto de separar um tempo só pra reler e editar, apesar da edição ser um processo constante durante a escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre difícil, mas acho que temos de nos empurrar, nem que seja para organizar os pensamentos enquanto escrevemos. Recentemente, descartei dois parágrafos iniciais porque percebi, já com o texto encaminhado, que não tinha utilidade ali, mas foram eles que desencadearam todo o resto. É importante lembrar que a primeira frase do seu arquivo ou manuscrito não é necessariamente o que vai ser publicado, então é melhor se aliviar da pressão e começar de uma vez. Você sempre pode editar depois.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A ansiedade é constante. Nunca vai embora. Tem um filme de terror chamado O Babadook que ilustra bem o que é conviver com dúvidas e receios. No filme, o monstro nunca é derrotado, a protagonista só aprende uma maneira de administrá-lo. Acho libertadora a ideia de que é possível viver e trabalhar assim, porque nos livramos do peso e da culpa que é buscar uma “cura” ou uma “solução” pra algo que faz parte da natureza humana, que é normal de sentir. Parte do trabalho de um escritor ou de um jornalista depende de um nível de exigência muito elevado, de uma voz interna que questiona constantemente se há uma forma melhor de expressar o abstrato, mas é preciso também saber se cuidar e se perdoar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Raramente mostro o meu trabalho antes de publicar, só quando escrevo sobre algum assunto que um amigo entenda bem e possa me oferecer um ponto de vista informado e de boa vontade. Tenho um problema sério com revisão porque, às vezes, não consigo dar prosseguimento ao texto se eu achar que o que já escrevi tem de ser refeito, o que pode virar autossabotagem. Preciso sempre me lembrar de largar o osso, continuar escrevendo e voltar à edição depois, ou não termino nunca. Agora mesmo, enquanto respondo a esta questão, estou pensando se respondi direito a segunda, a terceira… Se eu ficar voltando, não entrego este questionário. Com certeza, estou me esquecendo de algo ou deixando passar algum erro. Paciência.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uso o celular para algumas notas rápidas e o computador. É mais fácil de editar e de pesquisar. Não vejo motivo para fazer as coisas à mão, a não ser nostalgia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Passo bastante tempo na internet, o que pode sugar toda a sua produtividade ou também dar uma boa noção do que as pessoas falam, o que elas querem ler, o que estão sentindo etc. Como escrevo sobre cultura, preciso estar informada não só com fatos concretos, mas com impressões mais subjetivas de cada momento. Absorvo tudo o que eu leio e tento fazer algum sentido do que aquilo significa culturalmente. Também assisto muitos filmes, de todos os tipos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tentaria me lembrar mais vezes que não preciso florear o meu estilo ou adotar uma postura afetada para parecer culta e especial, que o meu trabalho é uma espécie de serviço público, que só preciso ser honesta e me preocupar em oferecer informação, contexto e perspectiva.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Faz tempo que não trabalho com ficção e gostaria de, algum dia, poder voltar. Não posso falar que livro gostaria de ler porque eu gostaria de escrevê-lo antes.