Humberto Werneck é escritor e jornalista, autor de O santo sujo: a vida de Jayme Ovalle.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa muito cedo – não raro, às 5h, 5h30 da manhã – com café e leitura de jornal. Em seguida, trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A esta altura da vida, escrever é na parte da manhã, exclusivamente. À tarde, posso às vezes retrabalhar o que fiz mais cedo, na tentativa “despiorar” o texto, como dizia o Otto Lara Resende. Só escrevo à noite em caso de extrema necessidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sento-me para escrever todos os dias, tendo ou não assunto já escolhido. É um preço a pagar… Não tenho meta diária. Escrevo até que venha o cansaço – raramente vou além do meio-dia –, ou que perceba já ter uma ponta por onde puxar quando retomar o trabalho. Deixar uma ponta por onde puxar é uma lição de Hemingway e ajuda a evitar o “branco”.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou desde sempre um tomador de notas, apontamentos que volta e meia releio, na expectativa de que algo ali “pisque” para mim. O começo quase sempre é difícil, quando não angustiante. Preciso de um bom começo – algo que funcione como um sarrafo no qual dependurar o carretel da criação. Não que um bom começo resolva tudo. Mas sem ele o processo empaca.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação é um problema. Arranjo mil coisas para fazer, adiando o momento de submeter o corpo à água fria da piscina. Medo das expectativas, não sinto. Já a ansiedade dos projetos longos costuma baixar, paralisante. A saída é fatiar o projeto e ir cuidando sucessivamente de cada pedaço, tentando não me preocupar com os demais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso à exaustão o que escrevo. Preciso sentir que naquele momento, nas circunstâncias dadas, a corda foi esticada ao extremo. Pode ser que amanhã consiga esticá-la mais, mas por ora é aquilo. Tenho vários expedientes na luta para “despiorar” minhas crônicas, por exemplo. No computador, quando vem o que chamo de “cansaço de matéria”, aquele ponto em que, de tanto batalhar, você corre o risco de estragar o feito, costumo reconfigurar o texto na tela, dando-lhe um aspecto que não pareça coisa minha – desloco o texto, mudo e aumento a fonte, modifico o entrelinhamento, e então desligo, dou um tempo, para que, na retomada, aquilo pareça coisa de outra pessoa, distanciamento que me permitiria avaliar o escrito um pouco como se fosse coisa alheia. Faço também leitura em voz alta, para flagrar ritmos ruins, rimas, cacófatos, repetições e outras perebas do texto. Em geral tenho dois leitores, um mais ligado em correção gramatical, outro mais capaz de apreender a coisa em seu conjunto. Sinto falta de um terceiro goleiro nesse gol, alguém mais atento aos aspectos propriamente literários. Apesar dos cuidados que tomo, não é raro me dar conta de erros e/ou imperfeições quando o texto já foi entregue. Nesse caso, não hesito em enviar versão corrigida, com a marcação “vale esta”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no computador, como antes escrevia direto à máquina.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A ideia, diz o verso famoso de Augusto dos Anjos, “vem do encéfalo absconso que a constringe”. A sério: não sei de onde vem a ideia. Para mim, ela muitas vezes nasce de associações verbais, do gosto que tenho por brincar com as palavras. O hábito de anotar, a que me referi, mantém aceso o fogo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seu primeiro livro?
Creio que meu processo de escrita se tornou mais lento, devido à preocupação em ir tramando melhor o texto a cada passo, em lugar de deixá-lo galopar para depois voltar a ele, como fazia na juventude.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e que ainda não existe?
Penso há tempos num livro sobre a relação de dois de nossos grandes escritores, cujos nomes peço licença para não revelar aqui. Dois antípodas que conviveram durante uns poucos anos antes do rompimento definitivo.