Hugo Guimarães é poeta, contista, cronista e romancista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Na verdade, as manhãs são o único período em que consigo dormir. Sofro de insônia e pego no sono lá pelas três da manhã, embora tome remédios para dormir às 21h00.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho horário para escrever. Se eu tenho algum insight, procuro trabalhar nele imediatamente. Se eu estou na rua, estou sempre com um caderninho para fazer anotações. Depende muito do fluxo também, meu último livro de poemas é um livro de 45 poemas que foi escrito em 40 dias, estava extremamente inspirado e escrevia um poema ou dois sempre ao acordar. Durante o processo de finalização do livro “O Estranho mundo de Hugo Guimarães”, virei madrugadas seguidas, com pressa, para inscrevê-lo a tempo para o prêmio SESC de literatura. Sendo assim, não tenho um ritual de preparação para escrita, ou tenho um fluxo ou um prazo muito curto para terminar um texto. Fora isso eu não tenho nenhuma obrigação para escrever, só escrevo em épocas de fluxo. Eu não chamo a literatura, a literatura é que me chama.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados quando tenho um fluxo. Chego a ficar meses sem escrever nada (a não ser no meu blog, que uso um texto menos literato). O meu livro “O Tiro de um milhão de anos”, por exemplo, foi todo escrito em escritórios. Comecei o romance quando trabalhava em uma empresa, depois fiquei sete meses desempregado. Nesse período, não escrevi uma letra sequer. Retomei o romance quando entrei em outra empresa. Ou seja, era um romance para ser escrito em escritórios em horários de ócio. Não tenho uma meta de escrita diária. Não tenho o hábito de enfrentar a tela branca (Como uma amiga escritora que conheço, a Adrienne Myrtes faz). Dizem que enfrentar a tela branca, é só esperar que a inspiração vem. Para mim, isso não funciona, porque se eu enfrentasse a tela branca esperando uma inspiração, isso seria uma obrigação de escrever e eu não sinto obrigação de escrever. Escrevo quando quero.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando eu penso em uma nota, já começo a escrever a partir da nota, se for um poema. E procuro terminar o poema na mesma hora, em minutos. Para romance, eu anoto as notas para usar em um momento oportuno do texto. O momento sempre vem, é só ter paciência. Eu pesquiso pouco. Mesmo porque a maioria dos meus textos é pessoal, da minha pessoa ou das minhas experiências de vida ou das pessoas que eu observo para criar personagens. Há exceções, como incluir um trecho sobre linguística no meu romance inédito “Igor na chuva”, onde incluo alguns exemplos de morfologia como alternância e subtração. Afinal foi apenas um devaneio que achei interessante colocar no livro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho travas de escrita porque só escrevo em períodos de fluxo, não me coloco na obrigação de escrever. Não tenho ansiedade em trabalhar em projetos longos. Depende do projeto. Quando estava trabalhado no livro de contos “O Estranho mundo de Hugo Guimarães, eu tinha um prazo para inscrevê-lo para um prêmio, e tinha metade dos contos para escrever. Eu terminei o livro em uma semana virando madrugadas escrevendo. Já em “O Tiro de um milhão de anos”, tive um hiato de sete meses em que não escrevi nada e estava tudo bem, porque eu não tinha pressa, eu sabia que o livro ia ficar pronto o momento em que deveria ficar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu só faço revisões ortográficas, não mexo nos textos depois de escritos. Costumo respeitar os meus fluxos e uma vez escrito o texto, está pronto, não tem o que mexer. Uma vez Madonna deu uma entrevista dizendo que ela escreve suas letras em quinze minutos, se passa disso, não serve. É mais ou menos assim para mim também. Quanto a mostrar meus textos para outras pessoas, eu mando o texto para pessoas do meio literário e também procuro “cobaias” no facebook para procurar pessoas dispostas a ler.os retornos são poucos, mas pelo menos para mim são muito positivos e me motiva a continuar a escrever e enfrentar a batalha da publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando estou em casa, escrevo no computador, quando estou na rua escrevo em um caderninho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei de onde vêm minhas ideias. A literatura vem atrás de mim, não posso escapar dela, os fluxos surgem inesperadamente, eu não os provoco. Não preciso cultivar hábitos para me manter criativo. Tenho três livros inéditos na gaveta. Estou três anos sem publicar á procura de uma editora preferencialmente para o meu romance “Igor na Chuva” (Menção honrosa no programa nascente da USP em 2017), mas até agora não encontrei nenhuma proposta de publicação plausível.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje, procuro escrever evitando ser explícito e violento, mas mantendo a ironia, os devaneios, a amargura e o pessimismo, típicos do meu texto. Procuro ser mais cuidadoso com as palavras sem perder a voz, sem perder o estilo. Quando eu era mais jovem, eu escrevia sobre sexo, violência e até escatologia de uma forma extremamente irresponsável (Ou livre, se preferir). Hoje, não sei se escreveria meus dois primeiros livros do mesmo jeito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho um projeto de um livro de contos (Que chegou a virar um romance) e agora voltou a ser um livro de contos que se chama “Pântano Pandemônio”, se trata de um retrato da minha vida desde a vida passada até o pós suicídio. O livro que eu gostaria de ler que ainda não existe, é o meu romance inédito “Igor na Chuva”. É meu melhor livro, é onde consigo articular todos os meus talentos. Me dói no coração vê-lo na gaveta.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Como planejar algo se simplesmente um personagem toma conta de você, da sua alma, do seu espírito, e não te deixa para de pensar nele? A Corvo, aquela melancólica garota de olhos azuis ficou dentro de mim por mais de um ano, como eu poderia ter planejado isso? O mesmo se passou agora no livro novo “Igor na Chuva”. Seu Igor meu Alter-ego, eu apenas o vivia sem ter a menor noção do que me aconteceria, só vinha tomar conhecimento toda vez que me sentava para escrever. Não acredito e nunca acreditei em literatura “planejada”, “pesquisada”. Acredito que o verdadeiro autor de literatura sofre um processo de possessão no processo de criação.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não há como concatenar os períodos em que os fluxos te chamam com o tempo. Sim, é possível ter mais de um projeto acontecendo. Eu por exemplo tenho mais dois originais na gaveta.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que motiva são meus poucos e bons leitores que sempre estão me motivando. Comecei a escrever literatura quando desisti de escrever letras de canções de rock.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Ou você é ou você não é. ou você tem talento ou não tem. Ou você é foda ou não é. não se aprende na escola, não se aprende a escrever em oficina. Os autores que mais me influenciaram foram Marcelino Freire, Sylvia Plath e Kathleen Hanna.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
“My life with Evan Dando popstar” de Kathleen Hanna (Pelo clima tragico-cômico). “Balé Ralé” de Marcelino Freire (Esse livro me fez querer escrever prosa). “Ariel” de Sylvia Plath (A morte é um assunto que falo muito, assim como esse livro).