Henrique Rodrigues é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Por agora, acordo para levar meu caçula para a escola e depois me mando para o trabalho. Literatura só mais tarde.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Há um tempo gostava mais das manhãs para ler e escrever, mas hoje, como trabalho e viajo muito, estou me contentando com qualquer migalha de tempo. Sem ritual, sem gueriguéri.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando consigo, mas se há um prazo é melhor, pois há um estímulo para dar conta. Meta diária não consigo, mas tento uma semanal, no caso de escrita de texto longo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do tipo de texto. Para um romance, as primeiras dezenas de páginas são mesmo difíceis, precisando inclusive ser bem revistas depois. A pesquisa precisa desaparecer na escrita, senão fica muito chato. Texto literário é o contrário do acadêmico nesse aspecto, pois enquanto este precisa evidenciar pesquisa, aquele precisa usá-la em nome da história, invisível.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso é uma angústia que é parte da coisa. Mas basta dar um tempo que passa, que nem a maioria dos probleminhas. Meu medo maior não é de escrever, e sim de não escrever, de ser consumido pela vida ordinária e deixar a literatura em prol dos pagamentos dos boletos. Isso sim causa angústia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Posso dizer com tranquilidade que uma porrada de vezes, e mesmo assim parece que o livro nunca fica pronto. O que salva mesmo é o prazo para entrega. Mostro para uns dois amigos próximos, também escritores, que fazem o mesmo comigo quando escrevem algo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meu camarada, escrevo até soneto camoniano em computador. É claro que existe um pensamento em que, escrevendo devagar, com mais trabalho, você pensa mais. Só que na prática não é assim. Acho que o escritor precisa usar tudo o que tem à mão e facilite o seu trabalho. Lembro que o Carlos Heitor Cony ficou décadas sem escrever e voltou empolgado com a facilidade do computador. E em poucos dias escreveu Quase memória, um dos meus livros preferidos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tenho quase uma compulsão por trocadilhos, ideias que se juntam ao acaso, pequenas colisões de duas ideias que formam uma terceira, histórias absurdas, abcegas e abmudas. Fiz um doutorado sobre humor e poesia para tentar entender isso tudo, mas no fim acabei mais ainda entre o confuso e o curioso. Não preciso me manter criativo, acho que é o contrário. Talvez precise de rotinas como o emprego regular e o casamento (opa, é rotina?) para me manter com os pés no chão um pouco.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O que mudou é que fiquei com menos tempo para escrever, justamente quando, depois de muita labuta, consegui as condições ideais para publicações (tenho editora, agente literária e cultivei um bom pomar de leitores). Mas é o paradoxo da vida, como diria o Quintana: “a experiência é um médico que chega quando o doente já morreu”. Sobre a minha tese, diria a mim mesmo: “Tás lascado, camarada! Espero que sobreviva até chegar aqui”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu adoraria escrever um livro infantil chamado “A pipoca é o anjo do milho”. E gostaria muito de ler mais romances escritos por pessoas que saíram da pobreza, mas que não fosse apenas sobre pobreza nem que eles recebessem um rótulo de “escritor de periferia”. Claro que gostaria também de, amanhã, ler o romance em que estou trabalhando, já finalizado e pronto para servir, e usar o tempo livre para fazer coisas mais legais como visitar escolas públicas para conversar com jovens ou jogar videogames.