Henrique Rodrigues é escritor, autor de “Rua do escritor”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não organizo, apenas vejo o que sobra depois das obrigações da vida ordinária. Como tenho um trabalho de 9 às 18h, o que é bastante comum para a maioria dos escritores, vou catando os horários livres para a literatura. Ter mais de um projeto literário ao mesmo tempo é comum, uma vez que escrevo regularmente crônicas, trabalho com curadorias, retomo um texto que estava parado e por aí vai.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
É importante planejar sempre, inclusive poesia ou literatura para crianças, categorias que muita gente acha mais simples ou instintiva de se produzir. Mas o planejamento é mais um ponto de partida para se ter a visão geral do que um guia, pois é normal que mude sempre de acordo com o desenvolvimento. Fazer a primeira frase é sempre mais difícil, pois no caso de uma prosa é ela que pesca o leitor, e quando a fazemos o corpo ainda está frio. Daí a necessidade da reescrita, especialmente no caso de um texto longo.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Retomando a pergunta 1, tenho rotina no meu emprego, por obrigação. A literatura é para o contraturno, nas lacunas do dia. Quem se dá ao luxo de ter uma rotina na literatura ou é rico, ou mora com os pais ou tem um/a companheiro/a que pague os boletos. Fora aqueles que criam textos não necessariamente de literatura, como os roteiristas.
Preciso de silêncio mais para leitura do que para escrita. Mas escrever ouvindo música que tenha letra nem pensar.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Quem me dera ter o luxo da procrastinação! (Tive que pausar a escrita destas respostas para ir ao supermercado e resolver outras coisas de casa. Retornei às perguntas só agora, no dia seguinte.) Quando há um travamento, entendido como falta de vontade para a literatura, vou fazer outra coisa, se o texto em questão não for urgente. Caso seja urgente, desenvolvi uma técnica de fingir que estou com vontade de escrever. No final, o leitor nem saberá a diferença mesmo.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Até hoje o que me deu mais trabalho de fazer foi uma forma poética chamada sextina. Na faculdade, durante uma aula o professor disse que quase nenhum poeta conseguia fazer esse tipo de poema, composto por 6 sextilhas e uma estrofe de 3 versos, com a repetição de palavras disposta como uma equação. Nem vou dar mais detalhes para não confundir quem estiver lendo. O lance é que me senti desafiado e passei um fim de semana inteiro trabalhando na sextina, que acabou saindo no meu primeiro livro “A musa diluída”, de 2006. Ano passado fiz outra, em homenagem aos poetas Olga Savary e Fernando Py (um dos poucos a fazer sextinas), que tinham falecido. Em termos de dificuldade de tempo foi o romance “O próximo da fila”, de 2015, que me exigiu um pensamento diacrônico intenso para fazer a ponte entre a Era Collor e hoje.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Não escolho nem penso muito nisso. Os temas e até títulos dos livros chegam por acaso. Mas acredito que é por conta de certa obsessão que os escritores têm com ideias, palavras, frases e imagens. Por exemplo, há anos eu digo que quero escrever um livro infantil chamado “A pipoca é o anjo do milho”, porque cismei com isso e pronto. Mas só agora parei para escrever. Há também o caso dos convites com temáticas já indicadas. Há pouco a editora me convidou para escrever um livro sobre a infância de Machado de Assis e caí dentro.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
O meu amigo e camarada Marcelo Moutinho geralmente lê tudo o que escrevo antes, opinando. Faço o mesmo com todos os textos dele, isso já há quase 20 anos. Quando é um texto mais longo outras pessoas também são test readers. O importante é estarmos abertos para ouvir críticas que venham a melhorar o texto. Mesmo porque elogio raso é uma das piores coisas que podem fazer a um escritor, algo que geralmente acontece com iniciantes, que estão em busca de aprovação, enquanto seus leitores não têm a coragem da sinceridade.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
O primeiro momento foi quando ganhei um concurso de frases na escola, aos 13 anos. Claro que isso foi motivo de piada em casa, mas eis aí: há dois anos essa escola, assim como a outra em que estudei, mudou o nome da sala de leitura para Henrique Rodrigues. Depois foi quando entrei na faculdade de Letras e descobri um novo mundo, reaprendendo a pensar, ler e escrever. O que eu gostaria de ter ouvido era o que digo hoje para quem está começando ou sonha com a área: “O tempo da literatura não é corrido e fugaz como o do relógio e da vida corrida. Tenha persistência, mas não pressa.”
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Eu acho que não tenho o que se pode chamar de um estilo próprio, talvez porque enverede em diferentes formatos de texto: crônica, poesia, romance, conto, infantil, juvenil e ensaio. Acredito que o estilo está mais no texto do que no autor, por isso me dediquei (e me dedico) a estudar e praticar essas diferentes formas, até mesmo dentro de uma mesma categoria. Comecei a escrever crônicas quinzenais para o jornal Rascunho recentemente, adotando um estilo fragmentado em todos os textos, então penso que o estilo é o modo como resolvi cortar o texto (como o estilete, que tem a mesma origem) para aquele espaço. Mas é claro que a maioria dos autores aplica isso a um único modo de escrita, a fim de criar um tipo de marca própria. Talvez eu não tenha entrado nessa e preferido passear por diferentes formas de corte por conta do autor que mais me influenciou: Millôr Fernandes. Que se definia, aliás, dessa forma: “enfim, um escritor sem estilo”.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Nesta semana indiquei muito para colegas e outras pessoas que trabalham com estímulo à leitura e ação cultural o livro “Como e por que ler os clássicos universais desde cedo”, da Ana Maria Machado. Isso porque um youtuber famoso postou, de forma bem irresponsável, que a leitura de clássicos como Machado de Assis deveria ser abolida das escolas. Nesses tempos em que todos viraram especialistas em tudo, e que pessoas despreparadas se tornam referências para o senso comum, é fundamental que profissionais da área busquem referências em quem entende do assunto.