Heloisa Seixas é escritora, autora de Agora e na hora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depois da caminhada matinal, que faço de segunda a sexta, sempre me sento no computador para trabalhar. Não necessariamente para trabalhar em um livro. Posso escrever algum artigo ou matéria, pois faço colaborações. Sou casada com um escritor (Ruy Castro), mas vivemos em casas separadas. Por isso, tenho a semana inteira para trabalhar, sozinha, no meu canto, na companhia dos meus dois gatos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando estou envolvida com um livro, dedico uma parte do dia a ele, mas em geral faço isso mais à tarde ou à noite. Não tenho rituais, até porque os livros fazem exigências diferentes, cada um tem uma maneira de se relacionar comigo. Os livros têm uma biografia própria, cada um deles.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas. Já houve livros que eu escrevi em pouquíssimo tempo, algumas semanas, quase que de um só jato (O lugar escuro, por exemplo). Meu último romance, que tem menos de duzentas páginas (Agora e na hora), eu levei dez anos para escrever. Tinha medo de botar o ponto final.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não tenho alma de pesquisadora (embora conviva com um dos maiores pesquisadores do Brasil). Não tenho costume de compilar anotações. Não há, no meu caso, essa separação entre a fase da pesquisa e a da escrita. A ideia surge. Começo a escrever. Se preciso me aprofundar em algum assunto que não conheço bem, aí, sim, vou pesquisar. Mas isso se dá ao longo do processo, e não antes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Há os momentos em que tudo cessa, por ansiedade, por confusão, por medo. Em geral, por medo. Mas nunca pela questão da expectativa sobre o que vão achar do livro. Não me permito esse tipo de reflexão. Acho que o escritor deve estar só com seu livro, sem pensar em nada. Caso contrário, terá vendido a alma ao demônio. Você só pode escrever aquilo que, dentro de você, pede para ser escrito. Sem se trair. O medo que às vezes me paralisa é outro. Ou são outros. Medo do que eu própria vou descobrir dentro de mim, por exemplo, nas regiões abissais de onde saem os escritos que fazemos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não gosto de reler demais. Embora se diga que não existem livros bem escritos, mas sim livros bem reescritos, sou um tipo de pessoa que tem uma escrita impulsiva, visceral, sei lá. Acho que, se você mexe demais, perde a alma. Quanto a mostrar os trabalhos, é o seguinte: embora seja casada com um escritor, trabalho sozinha, sem mostrar para ninguém. Acho que ficção é algo muito pessoal para ser dividido enquanto está ainda tomando forma. Depois que ponho o ponto final, mostro. Para minha filha, meus amigos, meu marido. E depois encaminho aos editores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador, sempre. Gosto da escrita limpa que o computador dá. Perdemos nossos rastros, é verdade, já não há mais originais, rascunhos… mas paciência. É como é.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não acredito nessa história de cultivar a imaginação. As pessoas que escrevem o fazem porque têm uma capacidade específica de observar o mundo, além de uma necessidade de tirar de si essas observações. Às vezes acho que os escritores já nascem com livros dentro de si. Em dado momento, uma vivência qualquer faz com que um deles se apresente, peça para ser escrito. Talvez os escritores tenham dentro de si livros secretos, que nunca serão escritos, que morrerão com ele.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Acho que fiquei mais calma. Quando comecei a escrever, talvez por ter começado tarde, com mais de quarenta anos, o processo todo era aflitivo, me deixava sem ar. Era uma coisa tão visceral, tão sofrida e louca, que cheguei a pensar, no início, que estava tendo um surto psicótico.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como trabalho não só com livros, mas também com teatro, tenho sempre muitos projetos me rondando, mas todos estão de alguma forma começados, porque existem pelo menos em esboço. Gostaria de realizá-los todos. E livros também, algumas ideias que vêm surgindo, mas que ainda não tomaram forma. Gosto disso, dessa diversidade. Isso me dá a sensação de estar sempre me reinventando, tentando fazer alguma coisa que me desafie. O teatro me trouxe muitas revelações e esta foi uma delas: o prazer e o medo de mexer com uma linguagem diferente.