Haroldo Ceravolo Sereza é jornalista e crítico literário, autor de Florestan – A inteligência militante (Boitempo) e Trinta e tantos livros sobre a mesa (Oficina Raquel).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina de trabalho que começa quase todo dia na mesma hora, mas que, depois, é um pouco imprevisível. Trabalho como jornalista (sou diretor do site de notícias e análises Opera Mundi) e também sócio da Alameda (editora de livros). O trabalho como jornalista já é pouco “repetitivo”, no meu caso, porque inclui de questões gerenciais a edição e redação de textos e vídeos. Passo a maior parte do tempo trabalhando com notícias, mas também participo da edição dos livros da Alameda. Mas não tenho, dentro do dia de trabalho, uma “rotina” muito fixa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho ritual. Sou totalmente desregrado. Eu escrevo praticamente todos os dias alguma coisa, e muitas coisas, de diferentes projetos, simultaneamente. Eu sou do tipo que passa meses pesquisando e pensando em algo, mas sem escrever nada. É angustiante.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Só crio metas em situações excepcionais, quando estou estourando os prazos. Prefiro escrever em períodos concentrados. Na verdade, eu adapto minha rotina a cada trabalho. Vou dar os exemplos dos dois casos mais complexos que enfrentei.
Em 2005, quando escrevi meu primeiro livro, Florestan – A inteligência militante (Boitempo), eu tive uma experiência muito interessante. Na época, eu era editor da Home Page do UOL e passava o dia, basicamente, fazendo títulos. Fazia uns 40 a 50 títulos da primeira página do portal por dia. Ou seja, basicamente, eu fazia sínteses o dia inteiro. Escrever um capítulo de livro era uma novidade para mim, e meu prazo era curto. Fiz um acordo de uso de folgas no trabalho em que, por aproximadamente três meses, tirei folgas nas sextas e nas segundas. Minha rotina ficou mais ou menos assim: sexta: leituras; sábado pela manhã: mais algumas leituras; sábado à tarde, começava a escrever; domingo, escrita o dia inteiro (mas sem abandonar as atividades de visita à família, um cinema eventual, um passeio); segunda, escrita o dia inteiro; terça, escrita até o meio dia (entrava às três da tarde). A sexta e o sábado eram dias de desintoxicação da “síntese” para entrar no modo de desdobramento das ideias, da redução das informações para a expansão.
Em 2006, entrei na pós-graduação na USP e comecei a fazer minha tese, que concluiria em 2012. Para a escrita da tese, eu adotei o método de me obrigar a escrever: procurei, na medida do possível, fazer dos meus trabalhos finais dos cursos capítulos da tese; me inscrevia (o que ainda faço) nos congressos acadêmicos sem ter o texto final pronto, às vezes só com a ideia central bem elaborada, para me obrigar a preparar algo. Assim, exatamente seis anos depois, concluí o doutorado, com a tese O Brasil na Internacional naturalista, sem muitos sustos, mas entregando o texto no último dia do prazo. Não quis pedir prorrogação, mas gastei todos os minutos que tinha.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É sempre muito difícil começar. Eu praticamente não faço notas, minhas anotações são essencialmente mentais e na marginalia dos livros. Começar é um movimento horrível, de testar se o que eu pensava se sustenta. A escrita pede novas pesquisas, e aí eu jogo os livros e as fontes sobre a mesa e vou buscando onde lembro que há algo relativo ao tema. Dá um trabalho enorme, mas costuma ser gratificante, mesmo quando o plano inicial tem de ser mudado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Destruindo o estômago… Uma coisa que às vezes faço é reler coisas antigas. Dá aquela boa surpresa: nossa, como eu sabia disso? Onde aprendi isso? Até que não escrevo tão mal… Puta sacada essa aqui… Por outro lado, hoje eu faria melhor, na época eu não sabia que podia escrever mais. Se eu tivesse tempo, faria um novo capítulo para esse livro, pena que ele ainda não esgotou etc. Um processo de autocrítica do que já fiz me ajuda a ter forças para enfrentar o que vem pela frente. Me lembrar que, sim, eu posso. E contra a procrastinação, o que funciona, para mim, é estabelecer prazos realistas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso até o momento da entrega. E se puder, pego de volta e reviso mais uma vez. É um horror. Sim, mostro para outras pessoas, mas raramente a gente tem retorno, porque as outras pessoas são ocupadas também ou tem outros registros. Essa parte é frustrante. O verdadeiro leitor dos seus textos vem depois da publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando estou muito cansado, mas precisando muito escrever, escrevo à mão. Em condições normais, uso sempre o computador. Às vezes, faço anotações no celular, mas em geral não dão em nada.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não me preocupo muito com isso. Quando tenho algum bloqueio, eu percebo que a gente dá voltas para resolver um problema. Tem e não tem a ver com a escrita: em 1999, eu precisei me mudar muito rapidamente de país, num emaranhado de decisões que, na época, significavam um esforço intelectual grande. Lembro que eu nunca tinha conseguido ler Kafka, e naquele começo de ano li muita coisa dele rapidamente e no meio da confusão. É meio clichê, mas aquela leitura me explicava porque eu não tinha controle do processo e tinha algo maior que eu de certa forma decidindo as coisas. Em tese, “eu não tinha tempo para ler”, mas nunca tive tanto tempo para ler Kafka. Deixar espaço para outros assuntos permite encontrar caminhos para a escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevo mais, não necessariamente melhor. Eu gosto da ousadia dos escritos de quanto eu tinha 18, 20 anos. Hoje tenho mais método, às vezes sinto que tinha mais sacadas. Ou seja, envelheci.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Infelizmente, eu gosto de mudar de formas. Eu escrevi alguma poesia aos 18, 19 anos, e depois larguei. Na angústia desse começo de 2019, com esse governo insano, eu me obriguei a fazer um poema por dia, mexendo com o imaginário dos animais. Publico no Facebook, quase sempre mantive a meta. Escrever para mim é resolver problemas, como fazer as coisas, como pensar as situações. Então meus projetos variam. Eu gosto de muitos gêneros – acadêmico, jornalístico, poesia, romance. Já tentei muitos, abandonei vários. Tenho muitos planos que, felizmente, para mim e para o leitor, não se completam.